terça-feira, 13 de maio de 2014

O Monstro

"Levantou-se e caminhou até a cozinha, tateando pelas paredes, ainda com as pálpebras entreabertas. Ansiava por um gole d'água antes mesmo de despertar definitivamente, mas ao adentrar a sala-de-estar em penumbra, notou pelo canto dos olhos um vulto incomum à sua cotidianidade. A vista se fixou involuntariamente na direção do sofá ao que seu corpo inteiro estremeceu. Parecia que uma aguda descarga elétrica fritara sua espinha em uma fração de segundo, paralisando suas pernas e abafando um princípio de grito que lhe brotou espontaneamente. O cerrar de seus olhos intensificou os demais sentidos e, enquanto escorregava para o chão, esperava, sinceramente, que nenhum deles confirmasse aquela cena desenhada de relance. O vulto, o som da respiração e o ar morno que sentia ali talvez fossem apenas parte de um pesadelo inconveniente. Respirou fundo, beliscou-se rapidamente para se certificar de que havia mesmo acordado e, pouco a pouco, foi liberando as pálpebras com o olhar fixo na direção do sofá. Dessa vez não conteve o grito aspirado que sonorizou o pulo desesperado dado para retornar à proteção das cobertas em sua cama ainda quente. "Levantou-se e caminhou até a cozinha, tateando pelas paredes, ainda com as pálpebras entreabertas. Ansiava por um gole d'água antes mesmo de despertar definitivamente, mas ao adentrar a sala-de-estar em penumbra, notou pelo canto dos olhos um vulto incomum à sua cotidianidade. A vista se fixou involuntariamente na direção do sofá ao que seu corpo inteiro estremeceu. Parecia que uma aguda descarga elétrica fritara sua espinha em uma fração de segundo, paralisando suas pernas e abafando um princípio de grito que lhe brotou espontaneamente. O cerrar de seus olhos intensificou os demais sentidos e, enquanto escorregava para o chão, esperava, sinceramente, que nenhum deles confirmasse aquela cena desenhada de relance. O vulto, o som da respiração e o ar morno que sentia ali talvez fossem apenas parte de um pesadelo inconveniente. Respirou fundo, beliscou-se rapidamente para se certificar de que havia mesmo acordado e, pouco a pouco, foi liberando as pálpebras com o olhar fixo na direção do sofá. Dessa vez não conteve o grito aspirado que sonorizou o pulo desesperado dado para retornar à proteção das cobertas em sua cama ainda quente.
Como um monstro, enorme e peludo poderia estar, tranquilamente, ocupando o sofá de sua sala? Um turbilhão de pensamentos se adensou em sua mente naquele instante e, ofegante, tentou se acalmar e se convencer de que tudo era apenas uma alucinação inoportuna. Com a disposição de colocar aquilo a limpo, reuniu todas as forças para retornar à sala, mas dessa vez teve a certeza de que não sonhava e saiu correndo pela porta em busca de auxílio pela vizinhança. Trouxe alguém consigo, sem explicar muita coisa, mas a pessoa nada viu no sofá da sala e apenas lhe ofereceu ajuda de alguns profissionais da saúde que conhecia. Mas o bicho estava lá, no mesmo lugar, respirando... Depois do terceiro vizinho confirmar que não estava vendo nada ali, desistiu. Voltou correndo para o quarto, trocou-se e saiu correndo para se consultar com seu analista, depois com o psicólogo e, finalmente, com o psiquiatra, mas nada foi diagnosticado. Recebeu apenas orientações vagas sobre gerenciamento de "stress" e ganhou umas amostras grátis de alguns calmantes. Como um monstro, enorme e peludo poderia estar, tranquilamente, ocupando o sofá de sua sala? Um turbilhão de pensamentos se adensou em sua mente naquele instante e, ofegante, tentou se acalmar e se convencer de que tudo era apenas uma alucinação inoportuna. Com a disposição de colocar aquilo a limpo, reuniu todas as forças para retornar à sala, mas dessa vez teve a certeza de que não sonhava e saiu correndo pela porta em busca de auxílio pela vizinhança. Trouxe alguém consigo, sem explicar muita coisa, mas a pessoa nada viu no sofá da sala e apenas lhe ofereceu ajuda de alguns profissionais da saúde que conhecia. Mas o bicho estava lá, no mesmo lugar, respirando... Depois do terceiro vizinho confirmar que não estava vendo nada ali, desistiu. Voltou correndo para o quarto, trocou-se e saiu correndo para se consultar com seu analista, depois com o psicólogo e, finalmente, com o psiquiatra, mas nada foi diagnosticado. Recebeu apenas orientações vagas sobre gerenciamento de "stress" e ganhou umas amostras grátis de alguns calmantes.
Quando voltou tarde da noite para casa, o monstro continuava lá, impassível, no sofá da sala. Dessa vez, entretanto, fez que não viu. Banhou-se, vestiu-se, tomou os vários dos comprimidos que ganhara, trancou a porta do quarto e tentou dormir sem muito sucesso. Na manhã seguinte, depois de uma noite muito mal dormida, foi conferir se o sofá estava livre, mas não... Novamente, fingiu que não viu e assim o fez ao longo dos dias subsequentes. Quando o bicho, uma vez por outra, soltava algum grunhido ou deixava escapar seu hálito que empestava a sala toda, ignorava o fato solenemente. Nessas horas repetia para si que o monstro da sala simplesmente não existia. Assim, viveu por anos com aquele monstruoso incômodo ali no sofá, esforçando-se para ignorar cada sinal advindo daquela aberração, até que, em uma bela manhã, a criatura sumiu, tão subitamente quanto havia aparecido. Não considerou muito o fato, apenas o ignorou e seguiu vivendo como antes, apesar do alívio que sentiu na alma. Quando voltou tarde da noite para casa, o monstro continuava lá, impassível, no sofá da sala. Dessa vez, entretanto, observou-o com mais atenção. Banhou-se, vestiu-se, tomou os vários dos comprimidos que ganhara, trancou a porta do quarto e tentou dormir sem muito sucesso. Na manhã seguinte, depois de uma noite muito mal dormida, foi conferir se o sofá estava livre, mas não... Novamente, observou-o, um pouco mais de perto, e assim o fez ao longo dos dias subsequentes. Quando o bicho, uma vez por outra, soltava algum grunhido ou deixava escapar seu hálito que empestava a sala toda, analisava o acontecido. Nessas horas pensava o que aquele monstro fazia ali na sala. Assim, viveu por anos com aquele monstruoso mistério ali no sofá, esforçando-se para entender cada sinal advindo daquela aberração, até que, em uma bela manhã, a criatura sumiu, tão subitamente quanto havia aparecido. Achou curioso o fato, mas seguiu vivendo como antes, apesar das conjecturas que lhe passavam na alma.
Certa noite, despertou com um ruído que parecia vir do sofá da sala..." Certa noite, despertou com um ruído que parecia vir do sofá da sala..."


domingo, 13 de abril de 2014

Misturas

Eu e Você Sempre

Logo, logo, assim
Que puder, vou telefonar
Por enquanto tá doendo
E quando a saudade
Quiser me deixar cantar
Vão saber que andei sofrendo...

E agora longe de mim,
Você possa enfim
Ter felicidade
Nem que faça um tempo ruim,
Não se sinta assim
Só pela metade...

Ontem demorei
Pra dormir,
Tava assim,
Sei lá,
Meio passional
Por dentro...

Se eu tivesse
O dom de fugir
Pra qualquer lugar,
Ia feito um pé-de-vento
Sem pensar
No que aconteceu,
Nada, nada é meu,
Nem o pensamento...

Por falar em nada
Que é meu,
Encontrei o anel
Que você esqueceu...

Aí foi que o barraco desabou,
Nessa que meu barco se perdeu,
Nele está gravado
Só você e eu...


Em 1976, enquanto uma junta militar depunha Isabelita Perón do cargo de presidente na Argentina, Fidel Castro assumia como presidente do Conselho de Estado Cubano e Steve Jobs lançava a Apple nos EUA, aqui no Brasil, o sambista Jorge Aragão despontava como compositor em terras fluminenses. Carioca, filho de mãe acriana, já esbanjava seu talento musical, poético e artístico que, ao longo de sua carreira, mais que se aperfeiçoou. Integrou o grupo de pagode Fundo de Quintal, como compositor e letrista, e ajudou a projetar outros grupos, como o Exaltasamba de São Paulo, com suas músicas — como a que abre esta postagem. Desde então, sua obra vem marcando presença nos mais variados repertórios de quase todos os grandes intérpretes do samba, de Alcione a Zeca Pagodinho. É, provavelmente, uma mistura de bom humor, espirituosidade e romantismo nas suas letras e melodias que alimenta seu sucesso. Essa diversidade interior aflorada pode ser notada em outras atividades, fora do contexto musical, como em sua recente aventura pelas veredas da gastronomia, lançando a rede de restaurantes que idealizou, "Bossa Nossa", no estado do Rio de Janeiro.

A mistura, aliás, é mãe do próprio samba, cujas raízes africanas tão bem se aclimataram nas terras baianas. Combinando manifestações populares e ritmos, suas ramificações chegaram aos mais remotos recantos deste país e acabaram por originar uma árvore mestiça com a cara do Brasil. Entretanto, não foi apenas o samba que vingou no fértil solo da musicalidade brasileira, mas vários outros gêneros, entre eles o roque ou, como preferem alguns, o "rock". Dos primeiros sucessos da Jovem Guarda no final da década de 1950 ao auge das bandas em voga entre as décadas de 1980 e 1990, o "rock" também se misturou aos diversos gêneros, ritmos e expressões musicais nativas para adquirir sua forma peculiar dentro da cultura brasileira. A mistura fez tão bem ao gênero que não há quem se negue a desfrutar os momentos seguintes à solicitação tão comum em muitos eventos musicais livres: "Toca Raul!".

Raul Seixas, Paralamas do Sucesso, Cazuza, Titãs, Rita Lee, Barão Vermelho, Lobão, RPM, Léo Jaime, Ultraje a Rigor... São tantos grandes nomes povoando a história do "rock" nacional que seria impossível citá-los sem cometer alguma injustiça. Alguns marcaram época e outros eternizaram sucessos como a Legião Urbana que, sem dúvida, pairou como uma das mais relevantes bandas do "rock" brasileiro. Algumas de suas músicas, misturada a outros elementos, acabaram pulando da primeira à sétima arte, como Faroeste Caboclo, que virou longa metragem e Eduardo e Mônica, transformada em filme publicitário. Não por acaso, em um dos acústicos da banda, o vocalista Renato Russo explicou que o nome de um dos lançamentos na ocasião nada tinha a ver com Veneza, conhecida pelo apelido de "Serenissima", mas, sim, com uma alusão ao seu andamento musical, mais acelerado.

Misturar parece, mesmo, dar certo...

Sereníssima

Sou um animal sentimental
Me apego facilmente ao que desperta meu desejo
Tente me obrigar a fazer o que não quero
E você vai logo ver o que acontece.
Acho que entendo o que você quis me dizer
Mas existem outras coisas.

Consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade,
Tudo está perdido mas existem possibilidades.
Tínhamos a ideia, mas você mudou os planos
Tínhamos um plano, você mudou de ideia
Já passou, já passou - quem sabe outro dia.

Antes eu sonhava, agora já não durmo
Quando foi que competimos pela primeira vez?
O que ninguém percebe é o que todo mundo sabe

Não entendo terrorismo, falávamos de amizade.

Não estou mais interessado no que sinto
Não acredito em nada além do que duvido
Você espera respostas que eu não tenho mas
Não vou brigar por causa disso
Até penso duas vezes se você quiser ficar.

Minha laranjeira verde, por que está tão prateada?
Foi da lua dessa noite, do sereno da madrugada
Tenho um sorriso bobo, parecido com soluço
Enquanto o caos segue em frente
Com toda a calma do mundo.