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sábado, 12 de fevereiro de 2011

A paradoxalidade humana


Pessoas são paradoxais. Para quem não sabe, paradoxal é algo que não parece ter um sentido lógico ou é, à primeira vista, contraditório. Essa paradoxalidade acaba se manifestando no comportamento humano nas mais variadas formas. Um caso típico é quando uma pessoa age de uma forma diversa daquela que diz, quer ou pensa que deveria agir. Quem não tem, por exemplo, um conhecido que, preocupado em preservar a saúde, ingere exclusivamente alimentos orgânicos, mas fuma? Ou que, visando a boa forma física, troca o açúcar do cafezinho pelo adoçante, após um lauto jantar em um rodízio de pizzas? Ou que trabalha em uma função que não suporta, ou que se divorcia por medo de se separar do cônjuge, ou que professa uma religião na qual não crê, ou que se gradua em uma área que já se decidiu por não seguir, enfim, há uma lista tão ordinária quanto extensa de situações humanas que permitem dispensar quaisquer referências científico-acadêmicas para embasar a afirmação feita no início do texto.

Ainda nesse campo das "informalidades científicas", pode-se dizer que há duas características nos paradoxos humanos que costumam deixá-los ainda mais intrigantes. A primeira, intrínseca à própria concepção do termo, é que não existe, necessariamente, contradições ou falta de lógica nesses comportamentos. Há, sim, uma certa "intencionalidade" que procura conduzir os mais incautos — inclusive o próprio autor do paradoxo — a equívocos de raciocínio que levam a uma falência lógica da conclusão. Em outras palavras, a situação proposta esconde, ou omite, propositalmente, informações essenciais para que se possa chegar a uma conclusão logicamente adequada. Não por acaso, a teoria sobre o inconsciente, proposta por Freud, há quase dois séculos atrás, ainda é inspiração para inúmeros estudos até os dias de hoje.

Já a segunda característica, mais complexa, reside no âmago da natureza humana e se refere à forma como tais comportamentos são notados pelas pessoas. A paradoxalidade costuma ser mais facilmente percebida nos outros e menos em si mesmos. Identificar os próprios comportamentos como paradoxais exige um certo grau de auto-conhecimento difícil de se adquirir. Talvez esta seja uma razão das muitas que expliquem o porquê de, quase sempre, percebermo-nos mais normais, mais justos, mais corretos, etc., que os demais. Seria fácil acreditar que isto é verdade, não fosse o fato de que somos os outros na visão dos outros... Paradoxal, não?!

Este autor será, por exemplo, obrigado a reconhecer que, se esta não fosse sua própria postagem, seria bem mais fácil divisar as razões que a levaram ser publicada tão tardiamente, mesmo tendo sido pensada tanto tempo atrás...


terça-feira, 24 de agosto de 2010

Ouvir e falar


Miss Lucy R., uma inglesa de 30 anos, apresentava uma rinite supurativa cronicamente recorrente quando, em 1892, foi encaminhada ao Dr. Sigmund Freud (1856-1939) devido a curiosos sintomas que desafiavam o repertório clínico do médico que a tratava anteriormente (Freud, S. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. 2. p. 134-150.). Era acometida por uma insensibilidade da mucosa nasal interna, bem como a ausência de reação a estímulos provenientes de odores fortes — tais como o de amoníaco, por exemplo —, embora algumas peculiares e subjetivas sensações olfativas a perturbassem insistentemente. A jovem, que trabalhava como governanta na casa de um diretor-gerente — viúvo e pai de duas meninas — de uma fábrica próximo à Viena, apresentava, também, um quadro depressivo havia algum tempo. Freud já desconfiava de sintomas de natureza histérica e tratou de investigar as origens objetivas por meio de uma longa conversa com a paciente, cuja duração, inicialmente prevista para um único encontro, estendeu-se por várias sessões.

Apesar da incapacidade de sentir quaisquer odores, a paciente se dizia perseguida por um cheiro de pudim queimado que, claramente subjetivo, foi logo tomado como ponto de partida para a investigação do trauma associado àquele quadro clínico. A cena descrita pela paciente, na qual o odor surgia pela primeira vez, envolvia uma espécie de brincadeira feita com ela pelas crianças que a impediram de abrir, imediatamente, uma carta de sua mãe, justamente em um momento que se encontrava inclinada a retornar à sua terra natal, a Inglaterra. Nesta ocasião, o pudim que estava assando queimou e o cheiro, desde então, jamais a abandonara. A cena talvez tivesse passado desapercebida não fosse a menção de um mal-estar entre ela e as demais empregadas da casa que a acusavam de, "supostamente", almejar uma posição acima da sua, ou seja, a de esposa e mãe adotiva das crianças do diretor-gerente. Analisado todo o contexto da situação, Freud logo conclui que, de fato, ela deveria estar apaixonada pelo seu patrão, suspeita que, surpreendentemente, é confirmada de imediato pela própria Miss Lucy.

Após ter admitido seus sentimentos, antes reprimidos, para Freud e, finalmente, para si mesma, Miss Lucy apresentou uma sensível melhora no seu quadro clínico geral — nada que já não fosse, de certa forma, previsto pela embrionária ciência psicanalítica daquela época. Uma sutileza do processo, entretanto, merece ser destacada, algo que seria posteriormente conceituado por Freud como fruto da transferência (entre a paciente e o analista), mas que pode ser tranquilamente extrapolada para nossas relações pessoais cotidianas. Embora a informação transmitida por Freud à sua paciente — o amor ao patrão — fosse exatamente a mesma que alimentara a intriga das demais empregadas na casa, sua recepção por Miss Lucy foi absolutamente diversa nos dois casos. A mesma informação que, sob o tom acusatório das colegas, auxiliou na consolidação do trauma, desencadeando uma série de efeitos patológicos, também foi o princípio da cura quando verbalizada pelo psicanalista.

Além de um clássico caso psicanalítico, a história de Miss Lucy, R. poderia ser, também, uma grande lição sobre relacionamentos interpessoais...


domingo, 8 de agosto de 2010

Haikai do Sábio Navegador



Os navegadores mais experientes sabem que não devem nunca subestimar os perigos do mar. Aprenderam ao longo da vida — às vezes, a duras penas — que, por mais que planejem, a realidade sempre surpreende. Assim, ao invés de apenas elucubrarem indefinidamente, saem às águas, enfrentam seus medos e colocam suas teorias em prática, porque entendem que só o mar é capaz de ensiná-los o que, de fato, funciona ou não. Sabem que apesar da terra-dos-sonhos ser mais segura do que o mar-da-realidade, não têm outra escolha senão navegar...


quarta-feira, 21 de julho de 2010

Surpreenda-se!


Na manhã de uma outra quarta-feira dessas, o Prof. Dr. Gilberto Safra, psicanalista, expunha os dados de uma pesquisa, feita já há algum tempo, que buscava identificar as características comuns a grandes personalidades da humanidade, tais como Abraham Lincoln, Spinoza, Albert Einstein, etc. A despeito das ressalvas necessárias ao se considerar este tipo de pesquisa, os resultados são bastante interessantes e merecem ser mencionados. Basicamente, foram sete as características mais comuns identificadas na personalidade desses grandes nomes:

  1. Eram pessoas profundamente centradas na realidade do evento, sem tantas interpretações subjetivas, o que implicava um certo esquecimento de si.
  2. Possuíam enorme capacidade de estarem a sós que era usada como uma forma de contemplação da vida.
  3. Apresentavam grande resistência aos processos de aculturação, ou seja, não estavam sujeitas às constantes flutuações culturais, nem eram abatidos pelas ideologias dominantes.
  4. Tinham grande senso de humor, principalmente diante de si mesmos (o humor tem a capacidade de romper com o estabelecido).
  5. Mostravam-se bastante espontâneos e viviam com simplicidade.
  6. Eram naturalmente humildes.
  7. Nunca perderam a capacidade de se surpreender e/ou de se maravilhar diante da vida, algo que implicava em uma abertura para o inédito (similar ao que se passa com uma criança).
    O último ponto, principalmente, é digno de maiores comentários. Com o passar da idade, o ser humano tende a não mais se admirar com verdadeiros "milagres" da existência, ao contrário de uma criança que começa a compreender o mundo e se maravilha com quase tudo. Os adultos que conseguem manter essa característica "infantil" de enxergar o originário são, geralmente, os artistas mais talentosos, sendo admirados por isto. Já as crianças que, especialmente no ocidente, são consideradas imaturas, guardam, naturalmente, esse olhar tão caro aos grandes artistas.

    Como foi dito, ainda naquela quarta-feira, "filósofo é aquele que está sempre surpreendido; o sábio, aquele que se deixa surpreender".


    terça-feira, 15 de junho de 2010

    Paciência


    Não é à toa que atribuem a qualidade de virtude à paciência. Por mais que alguém se esforce para mantê-la, quase sempre, em algum momento, ela subitamente desaparece e o indivíduo, como se diz no jargão popular, costuma "partir para ignorância" que, não necessariamente, refere-se apenas à agressão física, mas a qualquer tipo de violência contra si mesmo ou externo a si. Fazer questão de não atender ao chamado de alguém por capricho, dar uma resposta meio "atravessada", deixar de fazer algo para si próprio como forma de se punir, etc., são alguns dos vários exemplos de violências, geralmente desencadeadas pelo fim — ainda que temporário — da paciência.

    As consequências não tardam a aparecer e logo surgem os dissabores do arrependimento. Depois do rompante, entretanto, resta apenas o lamento e as tentativas de reparação, mas parte do estrago, provavelmente, terá sido irreversível. Tal como na história do menino que bradava palavrões, ofendendo qualquer um que estivesse ao seu lado. Seu pai, então, com a intenção de corrigir o comportamento inapropriado do garoto, lança-lhe um desafio, dizendo que para cada palavra de calão que pronunciasse, deveria, como castigo, fincar um prego em um dos mourões no cercado da casa. No primeiro dia, o rapazinho pregou algumas dezenas, na semana seguinte, alguns mais, até que, finalmente, dirige-se, todo orgulhoso, a seu pai e diz que não havia pregado nem um único prego sequer naquele dia. O pai, então, pede ao menino que voltasse ao mourão e retirasse os pregos que havia fincado lá. Quando retorna, diz que conseguira retirar os pregos, mas que o mourão ainda permanecia todo furado. Seu pai, então, explica-lhe que o uso de palavras ofensivas tinham um funcionamento similar: mesmo remediando-se depois, certos estragos não podiam mais ser recuperados.

    Assim, como não parece haver dúvidas nem sobre se preferir estar ao lado de pessoas mais pacientes àquelas mais explosivas, nem sobre os óbvios benefícios da paciência em nos poupar aborrecimentos futuros, seria ótimo que houvesse um meio para nos auxiliar a sermos ainda mais pacientes. Infelizmente, a não ser que se dedique a vida à filosofia dos zen-budistas — pelo menos no geral, seus seguidores parecem mais pacientes do que a média da população —, não existe um meio simples. Há, no entanto, várias coisas que ajudam como sempre se questionar se a ação possui um propósito claro, não servindo apenas para satisfazer o próprio ego, se o objetivo desejado vale, mesmo, todas as consequências que poderão advir de sua conquista, se não existe uma outra forma melhor de se conseguir aquilo, etc.

    Hoje em dia, ao menos, ninguém mais precisa se internar em um mosteiro para exercitar suas técnicas de desenvolvimento da paciência, bastando, para isso, tentar solucionar qualquer problema banal com algum dos serviços de tele-atendimento disponíveis no mercado. Experimente!

    terça-feira, 23 de março de 2010

    "A Teoria dos Resultados" — Parte IV


    Além da imanente dificuldade em se aceitar que a própria visão de mundo pode estar errada, assumir que os resultados obtidos podem mostrar, com relativa precisão, o quão "certo" se está com relação à realidade demanda uma boa dose de abstração e humildade. Não é fácil aceitar a responsabilidade por frustrações que poderiam, facilmente, ser atribuídas ao acaso. Mas o fato é que, uma vez sabidos onde e como chegar a um objetivo, a ausência de resultados indica falha na compreensão da realidade do sujeito.

    Por outro lado, a "Teoria dos Resultados", como enunciada, oferece um inusitado método para aperfeiçoamento do próprio modelo de realidade. Em verdade, esta pretensa teoria nada tem de original, ou de inovador, exceto, quiçá, a forma como foi enunciada. Aliás, o método a que se refere é usado há milênios pelos seres humanos, apenas, talvez, de uma forma não tão explícita. Note que a tão propalada diferença entre teoria e prática poderia ser, perfeitamente, um corolário dessa teoria, afinal, sabendo-se algo bem teoricamente, o que causaria tantos problemas na aplicação prática, não fosse a falta de "ajuste fino" entre o modelo mental e a realidade?

    Em resumo, o que esta "Teoria dos Resultados" propõe é um alarme que dispara a cada vez que é necessário mudar os procedimentos para alcançar aquilo que se almeja. Quem nunca ouviu falar no adágio que diz ser o primeiro sinal de loucura a atitude de desejar resultados diferentes fazendo coisas iguais? Pois, às vezes, é justamente o que ocorre conosco, homo sapiens modernos, desejando resultados distintos dos que vêm sendo conseguidos usualmente, porém sem mudar em nada a forma de agir.

    Assim, da próxima vez que seu salário não aumentar da forma como tinha certeza que aumentaria, que sua promoção não sair na data que esperava, que não tiver o desempenho pretentido em algum exame, etc., lembre da "Teoria dos Resultados"...


    segunda-feira, 22 de março de 2010

    "A Teoria dos Resultados" — Parte III


    Antes de continuar, retomemos os principais pontos estabelecidos até o momento. Dizíamos que o ser humano seria o principal, quiçá o único, responsável pelo que lhe ocorre na vida e esta, por sua vez, poderia ser encarada como uma espécie de jogo no qual deveríamos escolher as melhores opções, dentre as disponíveis, objetivando concretizar o projeto da própria existência. Mencionou-se, também, que o método mais natural para se ajustar o modelo individual de mundo com a realidade é o da experimentação. Assim, sobre essa base, construiremos os conceitos da "Teoria dos Resultados" que era nosso objetivo central.

    O fato de desejarmos coisas no futuro implica, necessariamente, na utilização de nosso modelo de realidade para fazer previsões, fundamentais para se traçar estratégias de como alcançar aquilo que se deseja. Uma boa estratégia considera os graus de incerteza associados a cada ação e, prevendo-se uma impossibilidade, por exemplo, evita-se gastos desnecessários de energia em uma determinada tarefa. Finalmente, definido o plano, passa-se à etapa de experimentação, quando as ações, propriamente ditas, começam a ser executadas. É neste ponto que as previsões — e consequentemente o modelo que as gerou — serão colocadas à prova, mostrando-se condizentes ou não com a realidade. Os imprevistos revelam as imprecisões do modelo utilizado.

    Logo, a "Teoria dos Resultados" estabelece, simplesmente, que os resultados são uma boa medida do quão próximo se está da realidade. Em outras palavras, se a pessoa crê estar fazendo o necessário para atingir seus objetivos mas não os realiza, sua concepção de realidade está falha. Tal hipótese é perigosamente polêmica porque demanda uma certa abstração para compreendê-la.

    Ninguém se proporia a conseguir algo que não deseja ou que não pode conseguir. Não haveria apostadores, por exemplo, se não se acreditasse, minimamente, na possibilidade de se acertar na loteria. Perceba que os milhares de apostadores, mesmo nunca tendo acertado uma única combinação, não se sentem angustiados com a situação, simplesmente porque todos sabem — conforme previsões do respectivos modelos de realidade — que a probabilidade de ficarem ricos da noite para o dia é baixíssima. Por outro lado, ao se atrasar para um compromisso pela n-ésima vez, a pessoa, que desejava chegar pontualmente, indigna-se com os congestionamentos, com o mau tempo, com a falta de sinalização e com tantos outros "imprevistos" pelo caminho. Neste caso, um modelo de mundo que refletisse com precisão a realidade teria discriminado todas os potenciais problemas no percurso, tendo-os evitado ou aceitando-os como riscos assumidos.

    Note que a vida observada segundo essa perspectiva revela profundas implicações...


    sexta-feira, 19 de março de 2010

    "A Teoria dos Resultados" — Parte II


    Partindo do ponto em que assumimos a hipótese de sermos os únicos responsáveis pela direção que nossas vidas tomam, poderíamos fazer uma analogia entre a nossa existência e um jogo. Nele, com regras específicas para cada indivíduo, o objetivo seria, simplesmente, conseguir o maior número de coisas que se almeja, sendo que, a cada passo, surgem novas situações que demandam novas escolhas, por vezes bastante difíceis, resultando em diferentes consequências que vão ao encontro, ou não, daquilo que se deseja. Talvez esta visão seja um tanto reducionista, mas é razoavelmente aceitável para o diminuto modelo de mundo habitado por cada um de nós.

    Cabe, aqui, uma observação: o mundo em que vivemos não é o verdadeiro, mas um modelo do original. Este modelo é único, pessoal e inacessível aos demais indivíduos. E, infelizmente, tal como um mapa nunca coincide, ponto-a-ponto, com a região a que se refere, também "nosso mundo" nunca coincidirá com a realidade tal como ela é. Platão, com seu "Mito da Caverna", já chamava a atenção para este detalhe há mais de dois milênios atrás, percebendo que não há como escaparmos das limitações impostas pelos próprios sentidos. Portanto, mais uma vez, a analogia proposta não é, assim, de todo absurda.

    Cá estamos, então, em uma partida — única, diga-se de passagem — desse jogo chamado vida, na qual, conforme as restrições impostas pelo destino, ou por consequências de nossas escolhas prévias, precisamos agir de forma a nos encaminhar na direção de nossos objetivos livremente arbitrados. Lúdico, não? Mas note que, em linhas gerais, a vida, realmente, não foge muito disso.

    Como qualquer outro modelo, este também deve representar a realidade a que se refere de uma forma minimamente satisfatória, ou não teria qualquer utilidade. Assim, um método bastante natural é o da experimentação que consiste, simplesmente, em testar uma previsão. Os resultados retroalimentam o modelo, aperfeiçoando-o ao máximo nível possível.O instituto da ciência, por exemplo, usa e abusa deste método até hoje, tamanha sua eficiência e naturalidade.

    Saberia o leitor, ou a leitora, dizer o que se passaria com um objeto jogado para cima? A resposta chega a agredir a inteligência, não? Esta obviedade de que o objeto certamente cairia — e que custou milênios para se consolidar no intelecto humano — é uma previsão de nosso modelo de mundo, algo que pode ser testado a qualquer momento, bastando para isto a constatação de que qualquer objeto jogado para cima, de fato, cai em direção ao chão.

    Assustador, não? Mas deixemos a física de lado por um instante e voltemos aos meandros da vida...


    quinta-feira, 18 de março de 2010

    "A Teoria dos Resultados" — Parte I


    Há muitíssimas teorias por aí e, entre elas, há inúmeras "Teorias dos Resultados". Uma rápida pesquisa no Google, com o termo entre aspas, resulta em mais de três centenas de milhares de retornos e, certamente, é apenas uma fração do que deve existir pelo mundo. "Teorias dos Resultados" podem ser encontradas desde o ramo empresarial, referindo-se a resultados financeiros líquidos, até o jurídico, determinando critérios para analisar a perpetração de um crime. No caso aqui tratado, a tal "Teoria dos Resultados" não tem base científica alguma e se baseia, única e exclusivamente, em despretensiosas observações da vida cotidiana. Trata-se de um mero exercício filosófico, lúdico e pessoal, que tenciona apenas conduzir o leitor ou a leitora a olhar seu próprio dia-a-dia de uma maneira diferente da usual — o que pode ser divertido ou desesperador, dependendo do ponto de vista. Portanto, se estiver atrás da ciência por trás de alguma das "Teorias dos Resultados", esqueça! Pode continuar vasculhando os resultados do seu buscador. Caso contrário, convido-lhe a seguir com esta leitura, seguindo o insólito raciocínio envolvendo esta "Teoria dos Resultados".

    Como todas as suas parentes, a teoria aqui proposta se baseia, claro, nos resultados obtidos por meio de determinadas ações que, neste caso, referem-se às escolhas feitas por um indivíduo ao longo de sua própria vida. Há quem não compreenda desta forma, mas a atual conjuntura em que alguém se encontre, antes de mais nada, deve-se exclusivamente às opções feitas a cada instante no decorrer da própria existência. Mesmo aquele que creia de forma inconteste que suas benesses e mazelas se devam às forças divinas ou malignas, tem de admitir que Deus, segundo as mais diversas escrituras sagradas, garante ao homem, ou a mulher, o livre arbítrio de suas ações e, portanto, jamais poderia ser responsabilizado pela situação em que cada um se encontra. Assim, estabelece-se a primeira hipótese desta teoria: o indivíduo é o principal, se não o único, responsável pela situação em que se encontra em qualquer momento de sua vida.

    Admitamos: a hipótese é bastante dura. Sermos responsáveis pela própria situação, significa dizer que nossos próprios infortúnios, e venturas, também são de nossa responsabilidade. Entretanto, apesar de dura, a hipótese é bastante razoável. Ninguém faz o que opta por não fazer. O leitor ou a leitora, por exemplo, poderia não estar lendo este texto agora mesmo ou decidindo interromper a leitura neste exato momento. E, mesmo que estivesse sob ameaça fatal para o fazer, decerto ainda teria a opção da morte para escolher. Este, aliás, é o principal complicador: quando as opções são duras, prefere-se acreditar que não se tem escolha.

    Mesmo nos casos em que o acaso desempenha um papel de destaque, a responsabilidade pelo que acontece conosco é apenas nossa. Tome, como exemplo, o atropelamento involuntário de um animal na estrada. Mesmo sem qualquer intenção malévola do motorista, ele é o único responsável pelo ocorrido, afinal, se estivesse à 5 km/h, o fato, muito provavelmente, não teria ocorrido. Obviamente que, em condições normais, ninguém faria uma viagem longa de automóvel a uma velocidade tão baixa, de forma que, avaliando ser baixa a probabilidade de um animal surgir de repente em frente ao veículo, o motorista assume o risco de percorrer o caminho a uma velocidade maior. Logo, por mais difícil que seja de aceitar tal fato, a responsabilidade do acontecimento é exclusivamente dele. Não obstante a admissão da possibilidade de erro — por sermos humanos conscientes de nossas próprias limitações — não há como se eximir da responsabilidade de o ter cometido.

    Este ponto é fundamental para a compreensão de todo o resto da teoria que ainda está por vir...


    quinta-feira, 4 de março de 2010

    Perguntar, não ofende!


    Talvez haja poucas coisas piores para a boa convivência social do que as atitudes de gente "folgada". O "folgado", ou a "folgada", vive só no próprio mundo e apenas se lembra que existem outras pessoas quando precisa delas. "Folgados" são especialistas em incomodar sem se incomodarem e não têm inteligência suficiente para saber que colaborar com o outro é, também, benéfico para eles próprios.

    Gente "folgada", geralmente, atravessa o veículo na rua, bloqueando a passagem de outros carros, enquanto vai calmamente abrir o portão da própria residência. Para o carro em qualquer lugar: no meio de uma avenida movimentada, em locais proibidos, na frente da entrada ou saída de outros veículos e, mesmo quando jovens e saudáveis, estacionam nas vagas reservadas para idosos e deficientes. Gente "folgada" larga o carrinho de supermercado no meio do corredor enquanto vai decidir o que pegar na gôndola do outro corredor. Gente "folgada" fuma no meio de não-fumantes sem o consentimento destes, ouve som alto em lugares públicos, bloqueia a passagem nas escadas rolantes, enfim, não se compadece de seu semelhante em nenhuma ocasião.

    Mas dentre todas as características, duas são as mais curiosas para serem observadas nos folgados crônicos. A primeira é que "folgados" não se consideram "folgados", coisa que decorre de um fato simples: a referência do que é, ou não, uma atitude "folgada" está no outro, algo que não existe para qualquer "folgado" ou "folgada". A segunda é que "folgados", normalmente, detestam gente "folgada", dado o incômodo alienígena que o outro provoca dentro do mundo solitário dos "folgados", gerando, neles, a insuportável consciência da própria "folga".

    Claro que há ocasiões em que uma pessoa pode, inocentemente, incomodar seu semelhante. Mas estes casos são facilmente identificáveis, uma vez que o causador do transtorno, assim que percebe os efeitos do que está fazendo, corre para remediar a situação e, por vezes, pede desculpas, tentando até compensar o incomodado. E tudo estaria bem, não fosse o convívio diário com gente "folgada" que nos faz pensar que qualquer um que nos incomode pertença à mesma espécie.

    Para acabar com um problemão desses, bastaria uma perguntinha tão simples do tipo: "Estou atrapalhando ou posso atrapalhar alguém assim?". Mas gente "folgada" não se pergunta nada...


    quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

    A ideia e o fato


    Há uma distância enorme entre o que se idealiza e o que, de fato, acaba acontecendo. E não seria absurdo algum resumir o mundo todo nestas duas coisas: a ideia e o fato. É como nosso universo funciona e, acaso o leitor conheça alguma exceção, esteja à vontade para apresentá-la em comentário.

    Tome como exemplo algo complexo, tal qual uma empresa. Um dia você acorda com uma ideia ótima para prestar um serviço útil à sociedade, gerar emprego e renda, além de contribuir com um futuro melhor para seu país e para o mundo. Pensa em tudo: como conseguir o capital inicial, precaver-se de depressões econômicas, manter a qualidade do produto ou serviço, etc. Aí, quando o raciocínio está redondo, fechado, vai até o órgão público competente e recebe os primeiros golpes: necessidade de prestar informações inexistentes, prazos inviáveis, impostos sobre presunção de ganhos, taxas, formulários e um mar intransponível de burocracia.

    Claro que ninguém pensou em criar leis, impostos e procedimentos para prejudicar a sua vida, assassinando sua boa ideia. Quem construiu a citada barreira burocrática tinha o louvável objetivo de prevenir os abusos das pessoas de má-fé contra a sociedade. De qualquer forma, a despeito da boa intenção, perceba a distância entre o que se pretendia — a ideia — e o que ocorre na realidade — o fato.

    Mas suponha que você seja um incansável batalhador pelos seus sonhos e ultrapasse todos os obstáculos burocráticos colocados em seu caminho. No segundo nível, você terá de colocar sua ideia para funcionar, trocando um produto ou serviço de qualidade por uma remuneração justa, da qual deverá extrair o lucro que dará o vigor necessário ao crescimento da sua empresa. Eis que você recebe outro choque de realidade, descobrindo que as pessoas não estejam dispostas, talvez, a pagar aquele preço. Subitamente, você se encontra na difícil situação de ter que escolher entre diminuir a qualidade de seu produto, ou serviço, para adequar o preço de venda ou, simplesmente, fechar as portas. E, novamente, surge a dialética entre a sua boa ideia e o péssimo fato — também conhecido como realidade.

    O exemplo é meramente ilustrativo, haja vista a ocorrência disso em qualquer aspecto da vida — inclusive os mais corriqueiros. Por exemplo, quando você não consegue dormir, ou acordar, na hora desejada, quando não dá conta dos compromissos diários com os quais acreditava poder lidar, quando não consegue dizer algo a outra pessoa, mesmo tendo ensaiado horas a fio, enfim, quando algo em que pensou não se concretiza. Não é surpreendente, portanto, que o sucesso chegue, mais amiúde, àqueles com maior habilidade em unir o que se pensa ao que acontece e vice-versa.

    Houve até quem pensasse (ideia), um dia, ser trivial a produção de um texto diferente diariamente, gerando um "blog" que fosse lido, de forma regular, por alguém em algum lugar do planeta... Mas não é trivial (fato).



    sábado, 23 de janeiro de 2010

    Em busca da "psico-alopatia"


    Ainda no viés psicológico, nota-se que há uma grande polêmica quando se fala sobre doenças psicossomáticas. Muitos dos pontos que geram toda essa polêmica, só para variar, decorre da confusão com uma série de conceitos. Não é nada raro encontrar, inclusive, absurdas associações do termo com curandeirismos ou o charlatanismo — este é o extremo da ignorância sobre o assunto.

    A definição do que seja psicossomático, segundo o Houaiss, por exemplo, é, simplesmente, o "que pertence ao mesmo tempo ao orgânico e ao psíquico". Como não se pode separar a mente do corpo de um ser humano, a maioria das coisas que se relacionam com ele, ou ela, podem ser consideradas psicossomáticas. Senão, vejamos: fazer exercícios liberam endorfinas (orgânico) que favorecem o bom-humor (psíquico), ou a exaustão mental (psíquico) pode gerar problemas no sistema gastro-intestinal (orgânico).

    O avanço da medicina tradicional ao longo da história direcionou seu foco de atuação, quase que exclusivamente, aos sintomas e efeitos físicos das enfermidades — também pudera, o efeito é imediato, algo essencial em momentos críticos. Atualmente, porém, mesmo entre os próprios médicos, começa a surgir uma crescente preocupação em tratar as doenças de uma forma integral, cuidando da pessoa como um todo e não em partes — psíquica e orgânica. A Psicossomática estuda justamente a relação entre a causa psíquica e o efeito somático, em busca de uma solução definitiva para o problema.

    Quando se diz que uma doença foi originada na mente de alguém, isto não significa que a pessoa tenha, conscientemente, desejado isto e, muito menos, que os sintomas não existam na realidade. Quer dizer apenas que algum fator psíquico contribuiu para que a desordem aparecesse e, se tratado adequadamente, após ministrados os medicamentos para controlar os sintomas, o problema não deverá mais retornar — ou, se retornar, ocorrerá com menor frequência. Um exemplo típico é quando a pessoa está demasiadamente triste e/ou desanimada. Seu sistema imunológico tende a se debilitar, facilitando a instalação de agentes infecciosos em seu organismo que, em condições normais, seria mais dificultado.

    Além do desconhecimento, o preconceito ainda possui outra fonte certa: o imediatismo de resultados. Mas isto é assunto para outro "post". Sobre isto, hoje, basta dizer que se alguém inventasse pílulas de felicidade, prazer e bem-estar imediatos, seria, muito provavelmente, a pessoa mais bem sucedida do mundo.



    sábado, 16 de janeiro de 2010

    Reencarnações em vida


    Convenhamos, os problemas dos outros, geralmente, parecem-nos bem mais simples de resolver. Bastaria que fulano comesse menos, que beltrano deixasse de ir àquela nova igreja e que sicrano parasse de jogar dinheiro fora... Uma ação aqui, um jeito ali, uma decisão acolá e pronto, tudo resolvido! E por vezes ainda ficamos intrigados, imaginando os porquês de nosso aconselhado não conseguir se livrar logo de sua incômoda situação.

    Os problemas dos outros nos incitam a resolvê-los e isso, de certa forma, é bom. É como se despertássemos um nosso lado altruísta, por vezes sonolento, dando-lhe uma utilidade real. A aparente facilidade em se solucionar os imbróglios de outrem, entretanto, advém de uma certa ausência de responsabilidade com os resultados. Obviamente que isto não significa más intenções ou desdém de quem aconselha. Significa apenas que, por não estar diretamente implicado, ou implicada, pelas consequências, o que está de fora pode se ocupar apenas com a solução do problema, sem a inevitável pressão do instante seguinte ou dos sofrimentos resultantes de cada movimento do outro. Além disso, a responsabilidade jamais poderá ser atribuída totalmente à quem está de fora da situação, uma vez que esta pessoa nunca terá acesso a absolutamente todas as variáveis envolvidas no problema em questão,  por mais minuciosa que seja.

    Não bastasse tudo isso, como os passados, as estruturas psicológicas, os níveis de preparação e compreensão variam de indivíduo para indivíduo, algo que parece absolutamente trivial para um pode ser o desafio de uma vida inteira para outro. Algo, inclusive, já absorvido pela sabedoria popular na essência do célebre ditado: "Falar é fácil. Difícil é fazer.". Mas muitos opinantes de plantão, sem consciência disso, não tomam cuidado com o que dizem àquele ou àquela a quem desejam ajudar, causado neles danos, às vezes, irremediáveis.

    A dificuldade surge quando os problemas a serem resolvidos são os da própria pessoa, implicando na assunção das responsabilidades e dos riscos inerentes a cada ato. Por isso que, às vezes, quando colocadas frente a frente com as próprias limitações, muitas gente trava, anda em círculo ou surta. Também são formas sutis de se esquivarem da responsabilidade sobre o destino de suas próprias vidas. Afinal de contas, nessas condições, a responsabilidade pelo resultado final — mesmo que evidente, principalmente para alguém de fora — passa a ser da situação e não mais dela — que se torna vítima.

    Assim, de algum modo, pode-se dizer que o desejo de resolver os problemas dos outros, acabou se tornando uma forma de redenção pela culpa de não superar as próprias limitações. E isto, talvez, explique a curiosa fascinação pelas telenovelas e "reality shows" de muitos milhares de telespectadores televisivos. Para que sofrer de verdade se é possível viver várias vidas de forma indolor e colorida?



    sábado, 9 de janeiro de 2010

    E quando a vaca vai para o brejo?


    Contava uma anedota que um fazendeiro, em uma de suas visitas à cidade mais próxima, cruzou com uma cigana, sentada na calçada, que lhe pediu para deixá-la ler a sorte em suas mãos em troca de algum dinheiro. Ele, meio resistente no início, acabou por permitir e a mulher, após lhe dar algumas informações vagas, disse ao final: "Uma vaca causará sua morte!".

    O homem empalideceu. Voltou para casa e, de tão impressionado, não conseguiu dormir naquela noite. No dia seguinte, voltou à cidade e providenciou a venda de suas propriedades. Algumas semanas depois, já com tudo vendido, juntou seus poucos pertences pessoais e migrou para São Paulo. Fora viver bem no centro da cidade grande, eliminando, assim, qualquer risco de topar com alguma vaca em seu caminho.

    Já iam alguns meses vivendo bem ali, quando, ao cruzar o Viaduto do Chá, ouviu alguém gritar bem atrás dele: "Olha a vaca! Olha a vaca!". Tamanho foi o susto que, sem olhar para trás, começou a correr, trombou com alguns transeuntes, escorregou e caiu, de cima do viaduto. Morreu em pleno Vale do Anhangabaú. Se tivesse olhado para o lado de onde vinham os gritos, teria visto um menino franzino, vendendo bilhetes da loteria.

    Não obstante o humor negro, a história ilustra bem a influência que nossos pensamentos exercem sobre os destinos de nossas próprias vidas. Há quem acredite, inclusive, que a mente seria responsável até mesmo por nos conduzir ao encontro de eventos absolutamente casuais — tipo passar por debaixo de uma escada bem na hora em que uma lata de tinta está caindo. Mas, extremismos à parte, parece bastante evidente que este tipo de influência inconsciente existe, de fato, ou nunca faríamos determinadas coisas "no automático", como se dar conta só em casa de que deveria ter passado no mercado antes.

    Há outros discretos exemplos dessa influência, tanto para coisas boas quanto para as más. Já notou, por exemplo, como uma mulher apaixonada parece mais bonita, mesmo que nada tenha alterado em seu visual? Ou como um homem sobrecarregado acaba contraindo mais facilmente gripes e resfriados? Nenhum desses efeitos surgem a partir de uma vontade racional consciente — do tipo: "quero parecer mais bonita" ou "quero pegar um resfriado". Esses efeitos são disparados inconscientemente quando, no caso dos exemplos, a mulher deseja ser correspondida ou o homem deseja descansar.

    Portanto, se subitamente uma "maré de azar" assolar a sua vida neste princípio de ano, reze, ore, faça suas simpatias, mas não se esqueça de, também, parar uns minutos para se questionar o que realmente deseja com as ações que vem adotando. Talvez se surpreenda ouvindo a resposta...



    quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

    Francamente...


    Hoje, estava eu, cá com meus botões, refletindo sobre algumas atitudes que (alguns de) nós, seres humanos, temos em nosso convívio social. As atitudes em questão são aquelas, aparentemente contraditórias, tomadas tão naturalmente que, por vezes, sequer as percebemos se manifestarem. Coisas como o "falar mal" de outras pessoas, por exemplo.

    Se você prestar atenção clínica a uma conversa qualquer, quase sempre vai notar alguém reclamando das atitudes, ideias, ações, opiniões, conceitos, opções, sonhos, ideais, etc., de uma terceira pessoa. "É batata!" — como se diz por aí. Fala-se da burrice de um atendente, do sadismo de um chefe, da injustiça de um familiar, da inocência de uma amiga, enfim, um espectro tão diversificado de observações quanto maior for o alcance das relações pessoais do interlocutor.

    Mas até aí, nenhuma grande novidade. Talvez você, inclusive, já esteja pensando: "Ah, mas e daí? Todo mundo fala mal de todo mundo o tempo todo. A vida é assim...". Só que o detalhe está, justamente, na contradição estabelecida por outra atitude irmã, igualmente comum. Note que a mesma pessoa que "fala mal" de uma terceira, raramente — para não usar "nunca" —, expõe seu ponto de vista explicitamente ao alvo de suas críticas. Em outras palavras, não somos francos — e, por favor, não confunda franqueza com falta de educação.

    Ninguém, ou quase, explica para o atendente burro, de uma forma que ele possa entender, o que ele deveria fazer para não repetir aquela burrice. E nem expõe ao chefe sádico que as decisões da chefia andam minguando o desempenho da equipe. Também não se diz ao familiar que ele está sendo injusto por causa desta ou daquela razão. Tampouco orientam a amiga inocente a, simplesmente, preparar-se caso o pior aconteça. Mas todos, ou quase, comentam estes casos com outros de seu convívio, como uma forma sombria de fazer brilhar a própria superioridade.

    Resultado: mesmo que o criticado, ou a criticada, seja alguém legal, afeito ao desenvolvimento pessoal e até preocupado com as outras pessoas, se ele, ou ela, não chegar a conclusão de que precisa mudar algo por si só — adivinhando, muitas vezes —, estará condenado à condição em que se encontra para o resto de sua existência terrena.

    Há o outro lado também, como aquele, ou aquela, que chega para o atendente e diz: "Meu filho, você é uma porta!". Ou, para o chefe: "Quer o chicote novo pra agora?". Ou, para o familiar: "Certamente lhe trocaram na maternidade!". Ou, para a amiga: "Pelo visto você ainda acredita em papai-noel e no príncipe encantado, né?". Nada disso ajuda... Além de mal-educado, é apenas outra forma de se mostrar superior ao outro.

    A franqueza genuína reside sobre um equilíbrio tão sutil que seus raríssimos detentores deveriam ser protegidos como o patrimônio mais importante da humanidade. Sem estes anjos, desenvolver-se como pessoa seria muito mais difícil do que já é.



    segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

    Saber ou não saber, eis a questão!


    Se alguém lhe pedisse para relacionar os movimentos vegetais, você conseguiria fazê-lo prontamente? Não?! Bem, os movimentos vegetais são relacionados com o crescimento vegetal e se dividem em dois tipos, basicamente: curvatura e deslocamento. O primeiro subdivide-se em tropismo e nastismo. Ao segundo, dá-se o nome de tactismo. Pronto! E agora, com memória a refrescada, você conseguiria descrever cada um deles?

    Ora, mas talvez as ciências biológicas não sejam muito sua praia. Eventualmente, seria mais fácil se lhe perguntassem quanto vale o volume de um tronco de cone com altura h e bases paralelas de raios R, maior, e r, menor. Ou, quem sabe, qual é o cologaritmo neperiano de e elevado ao cubo. Não?! Ah, pelo menos a concentração hidrogeniônica de uma solução aquosa com pOH igual a oito, você saberia dizer... Ou a voltagem de um circuito cujas resistências iguais, ligadas em paralelo, valessem dois Ohms cada, recebendo uma corrente contínua de um Ampère...

    Caso queira alegar que sua formação tenha ocorrido na área de humanas e que, por isso, não deveria lembrar de tais assuntos tão indigestos de outras áreas, quiçá, então, possa responder como se organizava o sistema político-administrativo de Esparta nos idos do Período Arcaico. Diarquia, Gerúsia, Apela e Éforos, lembra? Ou citar duas das principais revoltas ocorridas no Brasil em meados do século XX, após a posse de Juscelino Kubitschek em 31 de janeiro de 1961? Conseguiria citar, pelo menos, as eras que compõem o período pré-cambriano?

    Perguntas difíceis, não? Pois é... Absolutamente nada além do que um aluno regular, formado no segundo grau do ensino médio, precisaria saber para prestar qualquer vestibular — como o da FUVEST que está sendo realizado desde domingo em São Paulo. Mas, permita uma última pergunta, já para ir fechando esta postagem escolar: ao entrar em contato com perguntas dessa natureza, sem qualquer especialidade superior, você não se admira com todos os seus conhecimentos?

    Este autor confessa que, após constatar a dimensão da própria ignorância em assuntos tão básicos, do colegial, desistiu — ao menos momentaneamente — de escrever sobre o Bóson de Higgs, sobre a pluripotência de células no cordão umbilical, sobre as sinédoques da filosofia laica, sobre...



    domingo, 20 de dezembro de 2009

    Aprender a Desaprender?


    A mente humana é algo absolutamente espetacular. Mesmo com a infinidade de progressos tecnológicos da contemporaneidade, a humanidade sequer arranhou a superfície do que nos fora proporcionado pela Criação — seja divina ou não. Um projeto desenvolvido pela Universidade de Lausanne, na Suíça, talvez sirva como exemplo para fornecer uma vaga noção do quanto, ainda, há para se conhecer a respeito de nós mesmos.

    Segundo a revista Seed, pesquisadores da universidade desenvolveram um supercomputador capaz de simular o funcionamento de uma região cerebral com cerca de dez mil neurônios e suas respectivas ligações sinápticas — algo em torno de 30 milhões. Para isso, foi construído um supercomputador cujo processamento central conta com 2.000 microprocessadores da IBM, permitindo ao equipamento lidar com 22,8 trilhões de operações por segundo. Mesmo com esses números impressionantes, a máquina representa o modelo de 1 mm³ do cérebro de um rato — o cérebro humano, hoje, possui em média 1.350.000 mm³.

    Mas não é preciso ir assim tão longe para se impressionar com os feitos desse nosso "processador biológico". Quem nunca notou as maravilhas e os absurdos produzidos pela mente humana? Muito desses extremos se deva, talvez, ao desconhecimento sobre como uma das partes, subconsciente, funciona. Diferentemente do consciente, parte supostamente controlada por nós, o subconsciente não é facilmente manipulado. Responsável por quase todas as atividades que desempenhamos diariamente, ele registra todas as novas informações, a medida que aprendemos algo, para que depois sejam recuperadas de forma quase automática quando necessárias. Logo quando se começa a andar de bicicleta, por exemplo, é praticamente impossível coordenar, conscientemente, tudo o que é necessário para equilibrar-se, direcionar-se, pedalar, brecar, tomar cuidado com os perigos do caminho, etc. Mas depois de algum tempo de treino, a mesma criatura que se esborrachou no chão várias vezes é capaz de andar de bicicleta, ouvir música, conversar, etc., tudo ao mesmo tempo, sem se preocupar com o lado que deve virar o guidom, esquerda ou direita, para que não caia.

    É fato, porém, que o mesmo mecanismo funciona igualmente para o "mau" quando, por exemplo, adquire-se um hábito ruim. E é justamente aí que reside a maior complicação. Se você já tentou mudar um hábito, deve ter notado que é mais difícil do que adquirir um novo, ou seja, desaprender costuma ser mais complicado do que aprender. Provavelmente, seja esta uma das causas da perversa "zona de conforto" a que todos nós nos submetemos nas mais diversas situações do cotidiano. Se por causa dela já evitamos, às vezes, aprender coisas novas — como obter o máximo do controle remoto da televisão, ao invés de apenas trocar de canal e mudar o volume —, dá para imaginar a força de vontade necessária para desaprender um mau hábito qualquer, não?!

    Bom seria se houvesse uma fórmula para resolver o problema, mas na sua falta, um pouco de pragmatismo não faz mal a ninguém. Assim, se desaprender um hábito é difícil, talvez adquirir outro que o anule seja um pouco mais fácil. Mais ou menos como fazem os ex-fumantes que, para não sucumbir ao hábito de sacar um cigarro e colocá-lo na boca, lançam mão de guloseimas leves como uvas passas, castanhas, casquinhas açucaradas de limão, etc. O exemplo, claro, deve servir também para outro hábito qualquer que se queira eliminar. O importante, mesmo, é tentar sempre e não parar nunca!

    Mas se você já consegue desaprender seus maus hábitos com facilidade, parabéns! Provavelmente, você deve conseguir tudo o que deseja. Se não, parabéns, também, por fazer parte da maioria das pessoas...



    quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

    Procrastinação


    Por acaso você se lembra de alguma decisão que tenha deixado para tomar depois? Ou mesmo de uma tarefa que, apesar de essencial, tenha sido adiada por muito tempo? A esta atitude é dado o nome de procrastinação. A palavra vem do latim (pro = à frente; crastinus = de amanhã) e se refere ao adiamento de uma ação necessária.

    Há quem procrastine de forma crônica, deixando tudo para depois — ou para última hora —, desde as decisões mais complexas até as tarefas mais simples de seu cotidiano. O resultado é previsível: caos, fracasso, estagnação, angústia, etc.

    A procrastinação é, erroneamente, associada à preguiça, estando muito mais relacionada à uma espécie de fuga da realidade do que àquele pecado capital. Não tomar uma decisão, por exemplo, é uma tentativa inconsciente de evitar assumir a responsabilidade pelos fatos dela decorrentes. Da mesma forma, ao não realizar uma determinada tarefa, o indivíduo se permite continuar na eterna ilusão de que, se realmente quisesse, teria sido capaz de realizá-la da forma e no tempo que desejasse.

    Em geral, o procrastinador, ou procrastinadora, sofre bastante com os resultados de sua protelação, já que, sem as ações necessárias, os resultados desejados nunca aparecem. Isto não significa, obviamente, que a pessoa seja masoquista, apenas que, psicologicamente, ainda é mais fácil aceitar o insucesso causado por fatores externos do que pelas próprias limitações. Afinal, a realização de algo implica, necessariamente, na constatação dos fatos gerados pela ação, o que não ocorre no mundo-das-hipóteses.

    Tome, como exemplo, um estudante que acredita ser mais inteligente do que a média. Ora, neste caso, fazendo menos esforço que os demais, suas notas devem ficar acima da média. O fato disto não acontecer é, entretanto, uma evidência clara de que ele não é tão inteligente quanto se achava. Logo, a fim de evitar tal constatação, adota uma atitude relapsa e, quando chegam as notas baixas, ou apenas na média, justifica-as como fruto de sua negligência (extrínseca), nunca de sua capacidade (intrínseca). Assim, para si mesmo, continua sendo mais inteligente que a média, pois, se tivesse adotado uma atitude mais diligentes, os resultados teriam sido muito melhores.

    Apesar de extremamente difícil, a solução do problema é, relativamente, simples. Bastaria a mera "calibração" da auto-imagem com a realidade — ou resultados obtidos. Isto, entretanto, demanda um nível de humildade que muito poucos seres humanos manifestam. Nós, meros mortais, temos de nos contentar em aplicar pequenos macetes para contornar o problema, tal como reduzir o que deve ser feito a uma série de tarefas tão curtas que se tornem, racionalmente, impossíveis de não serem concluídas em tempo hábil e completá-las, quanto antes, mesmo que isto seja conduzido mecanicamente no início.

    Por fim, apesar de tantas outras coisas que poderiam ser ditas com relação a este tópico, é importante, também, não mais procrastinar o término desta postagem. Não acha?!



    sexta-feira, 27 de novembro de 2009

    Identificação Projetiva


    Já há algum tempo que, por experiência própria, cheguei a uma conclusão: nada que está externo a nós mesmos tem o poder de nos atingir emocionalmente. Eu sei... A afirmação é absolutamente polêmica! Mas, se lhe conforta saber, apesar de eu ter chegado a essa conclusão por conta própria, a ideia não é minha nem tampouco original. Os monges budistas meditam sobre ela há séculos! Além disso, há vários outros profissionais capacitados estudando a matéria de forma sistemática e muito mais séria do que este que lhe escreve.

    É o caso de uma corrente psicanalítica, a Trilogia Analítica, coordenada por um médico psiquiatra uspiano chamado Norberto Keppe, que, dentre muitas outras coisas, estuda este fenômeno a que chamam de "projeção". Segundo eles, o fato de nos emocionarmos com algo externo decorre de uma identificação do próprio indivíduo com a pessoa ou situação em questão. Quando nos irritamos com alguém parado à nossa frente, por exemplo, é porque "lembramos" que somos lerdos, ou negligentes com os imprevistos do caminho, ou que não avançamos — mesmo na vida — na velocidade que gostaríamos, etc. Ao não admitirmos nossas próprias limitações, estas são censuradas pelo ego e projetadas na pessoa à nossa frente. Não acredita?! Então substitua a pessoa à sua frente por uma parede e reavalie sua irritação. Você se desviaria dela, simplesmente, ou teria ímpetos de socá-la?

    Recentemente, lendo um destes informes corporativos enviado por um amigo meu, deparei-me com um trecho interessante, sobre como se manter saudável: "And don’t try to fix other people. Stare at your reflection when the shortcomings of others aggravate you." (algo como: "E não tente consertar as outras pessoas. Encare seu reflexo quando as limitações dos outros lhe irritarem."). A despeito do estilo "auto-ajuda" do texto, é inegável que os autores alemães, Kustenmacher e Seiwert, que nada têm de psicanalistas, acabaram se referindo ao mesmo problema e de uma forma muito similar à descrita pelo modelo psicanalítico. É bem provável, portanto, que minha polêmica conclusão não esteja, assim, de todo equivocada.

    Acontece, entretanto, que o modelo, apesar de simples, é muito difícil de ser aceito por demandar da pessoa uma considerável pré-disposição em compreendê-lo. Não é nada trivial inverter o ônus de uma situação que nos aborrece, mas talvez seja mais viável — e didático — fazer isso com alguma outra que nos emocione positivamente, já que o mecanismo é o mesmo.

    Sabe quando nos emocionamos? Quando dá aquele nó na garganta ao ver seu trabalho reconhecido ou saber da história de luta de alguém? Pois bem, se a hipótese for correta, a emoção positiva também decorrerá de uma identificação de algo presente no indivíduo com a outra pessoa ou situação externa. Assim, se tiver a oportunidade de vivenciar tal situação, ou mesmo se lembrar de alguma, procure identificar as virtudes, na pessoa ou na situação, que deram origem a essa comoção, tais como coragem, desprendimento, garra, altruísmo, etc. E talvez perceba que muitas dessas qualidades, se não todas, também são suas. Por isso da emoção com a outra pessoa ou situação...

    Mas, por favor, só depois disso, tente o mesmo exercício com as situações que lhe frustram. Há uma vantagem que, se obtiver sucesso neste segundo nível, é bem provável que as tensões geradas no dia-a-dia diminuam, a medida que vai-se tomando consciência das próprias limitações — mesmo que não as admita para mais ninguém! Afinal, corrigir-se, apesar de difícil, é algo possível. Diferente de tentar convencer uma "porta" que ela está no lugar errado...

    Bom, há desvantagens também, mas elas se resumem na coragem necessária para encarar as próprias limitações, justamente tão bem projetadas no outro pelo ego. Lembra?!



    sábado, 21 de novembro de 2009

    A Maldição das Entrelinhas


    Talvez você ainda não tenha percebido, mas a maioria das pessoas fala, pelo menos, duas línguas. A segunda língua, entretanto, não é um idioma convencional, desses que se pode aprender em escolas. É uma linguagem sutil, misteriosa, indireta que é empregada simultaneamente à primeira língua usada pela pessoa. Além disso, sua comunicação pretende uma certa telepatia por demandar elementos subjetivos tanto daquele que fala quanto daquele que ouve, sendo essenciais à correta compreensão da informação.

    Acontece, no entanto, que justamente por não trazer explicitamente o que se quer dizer, a segunda linguagem, oficialmente, não existe. Tem um caráter quase quântico, por comunicar vários sentidos ao mesmo tempo e, como tal, quando sua atenção se volta para qualquer um deles, os outros desaparecem. Há quem tente classificá-la como uma figuras de linguagem, hipocrisia ou mentira, mas essa comunicação não se enquadra em nenhuma dessas definições por um motivo muito simples: estas classificações fazem referência direta ao objeto a ser comunicado: as figuras de linguagem aos pontos implícitos, o hipócrita a algo que não pensa ou sente e a mentira, obviamente, ao oposto da verdade. Todas são lógicas e possuem elementos objetivos utilizados na sua compreensão, bem diferente da misteriosa linguagem das entrelinhas.

    Tome como exemplo uma inocente saudação no escritório: "Oi, tudo tranquilo!?". Apesar de muito simples, a frase pode guardar em si desde uma ácida crítica à pró-atividade de quem escuta até um sincero elogio pela superação de um difícil obstáculo. Tudo dependerá da combinação de humores entre os interlocutores, do nível de tensão do ambiente, dos eventos recentes, da presença de outras pessoas, da temperatura, da luz do sol, do ar, do barulho do bebedouro... Seria um ótimo objeto de estudo para a Teoria do Caos, já que um piscar de olhos diferente é capaz de desencadear uma reação em cadeia suficiente para mudar completamente o sentido da saudação, originando, talvez, uma catástrofe nos relacionamentos dos que estão ao redor. Agora, imagine o que se passa em diálogos mais elaborados...

    Mas, diferente das figuras de linguagem, da hipocrisia, da mentira, etc., não há elementos objetivos para se detectar a informação a ser passada. Isto porque, se quem ouve resolver questionar a validade de qualquer um dos supostos significados, quem fala, muito provavelmente, não confirmará — afinal, se tivesse disposto a fazer isto, teria falado expressamente na primeira oportunidade. Assim, imerso em dúvida, quem ouve escolhe o significado que deseja adotar e a linguagem das entrelinhas permanece inexistente! Com o tempo, as pessoas foram introjetando este comportamento e, hoje, escolhem o ângulo de compreensão automaticamente.

    No geral, os orientais, em especial os japoneses, possuem uma compreensão mais cartesiana dos discursos, o que acaba gerando frequentes problemas de comunicação e, por causa disto, acabam sendo taxados de rudes e insensíveis. Os advogados criminais mais tarimbados, por exemplo, sabem que é melhor evitá-los no corpo de jurados quando a intenção é emocionar o júri. Obviamente, a não-identificação emocional com o caso se deve, não à insensibilidade, mas à compreensão mais objetiva dos fatos. Sem a habilidade de compreender bem a língua das entrelinhas, boa parte do apelo emocional acaba sendo perdido em meio a comunicação.

    Esteja consciente, portanto, que enquanto não for fluente no idioma das entrelinhas, estará fadado ao fracasso nos seus relacionamentos interpessoais. Isto porque ao dizer qualquer coisa, mesmo sem a menor intenção, estará sempre enviando um misterioso recado àqueles que a compreendem bem. É uma verdadeira maldição...