quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Dilema ideológico


A caminho das eleições, as caixas de mensagens eletrônicas vão se abarrotando e se pode encontrar de tudo: pesquisas amadoras contradizendo pesquisas profissionais, comparativos "imparciais" entre históricos dos candidatos, interpretações inéditas da legislação, enfim, uma enxurrada de propagandas políticas travestidas de argumentos lícitos e imparciais. No embate ideológico virtual, usualmente envolto em uma anonímia conveniente, defensores de todos os lados opinam tão livremente que é possível, ao leitor mais atento, ter uma boa amostra do que se passa na cabeça de uma parte da sociedade. O amplo espectro de opiniões trazem à tona o que há de melhor e de pior nos seres humanos, tal como visto em uma das mensagens, digna de destaque por, primeiro, carregar um ranço preconceituoso repugnante e, segundo, porque o autor, anônimo, provavelmente sequer deve suspeitar que carrega tal preconceito em si, ou teria vergonha de ter escrito tamanha estupidez.

O referido texto chamava à ação os eleitores do candidato que representa a social-democracia, segundo melhor colocado nas pesquisas de intenção de voto, devido ao iminente risco da candidata da situação ganhar as eleições em primeiro turno. Propunha que eles, o autor e seus amigos, parassem de trocar mensagens eletrônicas sobre "o que já sabiam" e passassem a conversar com pelo menos duas outras pessoas por dia para convencê-las a votar no dito candidato. Não bastasse isso, ainda especificava quem seriam essas pessoas: "sua" assistente doméstica ou diarista; "seus" funcionários; o guarda e as "tias" da escola e da cantina; o porteiro da "sua" casa e trabalho; o manobrista do "seu" carro; o ascensorista do prédio do "seu" dentista, do "seu" advogado e do "seu" cliente; o frentista; a caixa do supermercado, da farmácia e do sacolão; a recepcionista da empresa do "seu" cliente; a vendedora da loja de sapato e de roupa; o garçon [sic]; o cabeleireiro; a manicure; a fisioterapeuta; a massagista; o atendente da sauna, da academia, da escola de natação, da escola de inglês das crianças, etc. Enfim, qualquer cidadão ou cidadã que, apesar de trabalhar duro e contribuir com a sociedade, não compartilha da formação, inteligência, superioridade e discernimento do autor e de "seus formadores de opinião".

Ao invés de também opinar sobre a barbaridade acima, talvez algumas definições, encontradas em qualquer "pai dos burros", sejam mais esclarecedoras e úteis:

  • Social: "concernente à sociedade; concernente à amizade e união de várias pessoas" (Houaiss, 2001). "Da sociedade, ou relativo a ela; sociável; que interessa à sociedade" (Aurélio, 1994).
  • Democracia: "governo do povo; governo em que o povo exerce a soberania; sistema político cujas ações atendem aos interesses populares; (...) sistema político comprometido com a igualdade ou com a distribuição equitativa de poder entre todos os cidadãos" (Houaiss, 2001). "Governo do povo; soberania popular; doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição equitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza, em essência, pela liberdade do ato eleitoral, pela divisão de poderes e pelo controle da autoridade, i. e., dos poderes de decisão e execução; (...) as classes populares; povo, proletariado" (Aurélio, 1994).

Então, fica o dilema: o candidato, se eleito, deveria ou não, responder positivamente aos anseios de seus eleitores?



terça-feira, 14 de setembro de 2010

O preço das diferenças


Ontem a BBC veiculou uma notícia sobre a notificação feita pelo Pentágono ao Senado estadunidense, dando conta de um acordo para vender armas ao governo saudita no valor de US$ 60 bilhões. A Inteligência estadunidense estima que o acordo poderá manter cerca de 75 mil empregos nas indústrias bélicas do país e o porta-voz do Departamento de Estado, a despeito da polêmica, deixou claro que os EUA não tomariam qualquer atitude que pudesse comprometer o equilíbrio de forças na região. A Arábia Saudita, aliada dos EUA no Oriente Médio, é uma das maiores compradoras de equipamentos bélicos do mundo entre as nações em desenvolvimento, com negócios estimados em mais de US$ 36 bilhões entre os anos de 2001 e 2008. Na década de 1980, quando os EUA se negaram a vender armamentos ao país, a Arábia Saudita acabou comprando a maioria de seus aviões militares do Reino Unido.

Considerando as diferenças político-ideológicas entre os dois mundos, anglo-saxão e árabe, não há como não se admirar com um anúncio dessa natureza. Por outro lado, talvez essa admiração mostre, apenas, a enorme distância entre o que é "dado a entender" nos meios de comunicação de massa e a realidade, nua e crua. Depreende-se de tal fato que o radicalismo capitalista seja ainda mais efetivo que o religioso, uma vez que, no cenário em questão, não parece ser bem os ideais aquilo que orienta as relações comerciais ou ações militares entre os Estados — senão o capital, fundamentalmente. São critérios financeiros, não ideologias, que geralmente definem a interferência de uma nação para impedir que nativos se matem, pessoas morram de fome, crianças definhem em condições sub-humanas, etc.

Além disso, não deixa de ser curiosa a lógica que permeia todo o sistema, na qual, para se garantir a vida de alguns, ameaça-se a vida de muitos outros — afinal, não se produziria armas de guerra não houvesse a intenção de utilizá-las. E, apesar de pouquíssimos indivíduos realmente lucrarem com essa lógica perversa, muitos acreditam também ganhar com o processo, nem que seja somente pelos empregos gerados na indústria bélica. O que não costuma ficar evidente, no entanto, é a inversão de valores proporcionada por um modelo em que a "indústria da morte" passa a sustentar a vida. Só para se ter uma ideia um pouco mais clara da situação, estima-se que, no ano passado, quase US$ 1,5 trilhão tenham sido empregados em gastos militares em todo o mundo — pouco mais de US$ 200 per capita.

Nada como um vultoso volume financeiro para aproximar ideologias, superar sectarismos e, principalmente, sujeitar a vida ao capital.


segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Fim


"Ele terminou de almoçar e desejou sentir na comida algum sabor diferente que tivesse a capacidade de lhe marcar, de alguma forma, aquela última refeição. Apesar de conformado quanto a inevitabilidade do fim, não conseguia afastar, de forma eficaz e duradoura, os sentimentos mais profundos que insistiam em lhe sufocar. E ao mesmo tempo que seu lado racional o apressava, sua alma suplicava, lamuriosa, para permanecer ali por mais alguns instantes apenas. A despeito de toda emoção, externamente, não escapava sequer uma brisa de todo o furacão de pensamentos que lhe varria os cantos da mente, tanto que sorriu e respondeu com naturalidade a quem lhe dirigiu um amistoso 'até amanhã'. Era curioso que só agora notasse o quão especial eram aquelas palavras tão triviais...

Seu humor lhe deixou ficar, por alguns minutos, com o olhar vago, mas o senso de responsabilidade logo o alçou daquele estado inerte, jogando-o, novamente, na amarga realidade a ser enfrentada, afinal, ainda havia muito o que fazer antes do momento derradeiro. Ajeitou suas coisas, levantou-se da mesa já arrumada e seguiu o caminho que lhe era tão familiar. Condenava-se por não ter reparado mais, ou se espantado mais, com as peculiaridades dos detalhes banais que abundavam naquele lugar. Cada ressalto no chão, cada objeto comum, cada odor conhecido, cada ruído que tantas vezes ouvira, despertavam-lhe, naquele momento, uma saudade imensa, sem sentido, irracional e incontrolável. Sentindo o coração apertar, sacudiu involuntariamente a cabeça a fim de espantar o arrependimento que lhe absorvia e tornou a se concentrar no seu caminho.

Quem o visse sozinho, guiando o carro em direção de casa, perceberia, sem dificuldades, a tristeza que se manifestava, transfigurando sua fisionomia. Considerava intrigante que dentre tantas reflexões que lhe assaltavam de modo recorrente, uma lhe fosse, particularmente, dolorosa: a percepção de que nada mais seria igual a partir de então. 'Bobagem!', ouviu-se gritar, pois, no fundo, sabia perfeitamente que os acontecimentos sempre mudam o futuro de forma definitiva. A dor que lhe incomodava, efetivamente, talvez se originasse da constatação de só ter aceitado a ideia, assim, tão tarde e somente no fim...
"


domingo, 12 de setembro de 2010

Soneto Automórfico


Estagnar-se em uma realidade que está em constante transformação, definitivamente, não é uma boa ideia. Por outro lado, transformar-se a ponto de perder a própria essência tampouco resolve o problema. O Automorfo foi pensado de forma a mudar sempre, mas sem perder algumas características próprias importantes. Neste último domingo, antes do aniversário deste blog, tentou-se transformar esse sentimento em poesia. E o verbo tentar não está empregado por acaso porque, de fato, não é nada fácil se fazer entender quando a poesia é restrita às rígidas exigências métricas de um soneto. Menos ainda quando o soneto se transforma, também, é um acróstico. Mas, como dito em outra ocasião, tentar é preciso; acertar não é preciso. A propósito, caso não saiba ou não se lembre do que é um acróstico, basta ler com atenção para descobrir...


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Sob tensão


Quando um cupim usa uma secreção para aglomerar e endurecer a terra que molda a habitação de sua colônia, está transformando elementos disponíveis na natureza de forma a atender propósitos específicos de sua espécie. O mesmo ocorre com um pássaro, joão-de-barro, quando mistura fibras vegetais e lama para construir seu ninho. Aliás, a rigor, qualquer síntese orgânica também poderia ser encarada como uma transformação, mesmo que em um nível não intencional, de elementos naturais em materiais úteis à perpetuação da espécie que a sintetiza. Nenhum outro ser, entretanto, chegou próximo da habilidade que os humanos possuem para, intencionalmente, produzir e processar diversos tipos de materiais, desde meras ligas metálicas — obtidas a partir de óxidos minerais — até a produção dos materiais altamente elaborados e tecnológicos que delas se originam. Mas, naturalmente, a gênese de um novo material pode, também, trazer consigo efeitos inéditos de sua interação com o meio ambiente, responsáveis, às vezes, por falhas inusitadas nas estruturas construídas com esses materiais.

Uma dessas falhas é a chamada corrosão-sob-tensão que ocorre subitamente e, em geral, com consequências catastróficas. A corrosão-sob-tensão não é um processo sinérgico e se caracteriza por apresentar múltiplas trincas, face lisa da fratura e praticamente nenhuma perda de material ou danificação da superfície. Ocorre apenas com certas combinações entre ligas metálicas e condições ambientais bastante específicas, envolvendo, necessariamente, tensão de tração (residual ou aplicada) e meio corrosivo bem pouco severo. Um exemplo é o episódio chamado de "season cracking", caso clássico de falha por corrosão-sob-tensão. Conta a história que quase todos os cartuchos de munição, armazenados por tropas inglesas em abrigos improvisados nas selvas indianas, durante o período das monções, foram encontrados totalmente inutilizados (trincados). O caso só foi esclarecido no início da década de 1920, quando cientistas apontaram a umidade condensada com traços de amônia, proveniente da urina dos cavalos, sobre as cápsulas de latão estampado a frio — e portanto, submetido a altas tensões residuais de tração devido ao encruamento — como sendo a causa da falha.

Outros exemplos de combinações suscetíveis à esse tipo de falha são os de aços de baixa resistência submetidos a meios cáusticos (presença de soda cáustica, NaOH), de aços austeníticos na presença de ânions de cloro (Cl¯), além de certas ligas de alumínio de alta resistência, usadas principalmente na indústria aeronáutica, que também falham por corrosão-sob-tensão na presença de umidade — ou seja, água, apenas. Felizmente, uma vez descobertos os modos de falha, é possível evitá-los, contornando suas causas, alterando aplicações ou, simplesmente, abolindo, definitivamente, o uso do material em certas condições críticas. Os responsáveis por essas engenhosas medidas são, em sua grande maioria, os vários engenheiros das mais diversas áreas que, trabalhando colaborativamente, são capazes de transformar em realidade muitos dos sonhos humanos.

Aliás, se aviões fabricados em alumínio de alta resistência continuam voando por aí em dias de chuva é porque os engenheiros, sob tensão para realizar um dos maiores sonhos da humanidade, chegaram à conclusão que pintar a estrutura seria muito mais inteligente e barato do que substituir todo aquele material...

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Consumindo o respeito II


Pode-se formular algumas hipóteses do porquê as informações sobre os produtos comercializados serem, assim, tão nebulosas. A primeira, mais simples, é que tudo isso seja obra do acaso e que os consumidores estamos ficando absolutamente neuróticos, preocupando-se com detalhes absolutamente irrelevantes. A segunda é que os profissionais que trabalham em todas essas empresas sejam completamente ignorantes sobre a função daquilo que se expõe nas embalagens dos produtos. A terceira, e última, é que tornar nebulosas as informações dos produtos comercializados seja uma decisão tomada para, deliberadamente, ludibriar os consumidores. Essas três proposições, a princípio, parecem englobar, satisfatoriamente, todas as possibilidades para explicar o que se vê, hoje, nas prateleiras dos supermercados. Mas, caso o leitor, ou a leitora, conheça alguma outra hipótese para explicar adequadamente a razão da balbúrdia informativa em questão, fique a vontade para expô-la nos comentários da postagem.

Ser obra do acaso é muito pouco provável, uma vez que há cursos, departamentos ou empresas que se ocupam, exclusivamente, da apresentação dos produtos nos pontos de venda, não sendo, aliás, um serviço barato. Além disso, no caso dessa primeira hipótese ser mesmo válida, seria bom que o governo começasse a pensar, séria e rapidamente, em alguma política pública para acompanhar e tratar a saúde mental de boa parte dos cidadãos, haja vista não ser poucos os casos em que os consumidores são vítimas nas relações de consumo e parcamente compensados por ações judiciais. Pelo mesmo motivo, é igualmente improvável que os profissionais que trabalhem nessas empresas ignorem a função do que informam nas embalagens. Certamente, não apenas possuem plena ciência do que fazem, como também se mantêm atualizados para não ferir qualquer ponto da legislação em vigor — cada vez mais apertada.

Resta como plausível, portanto, apenas a última hipótese, ou seja, a confusão informativa é proposital e deliberada com a única função de trapacear. Como ninguém normal leva um computador à tiracolo para ficar calculando o custo de tudo o que compra (aliás, apenas uma minoria na sociedade brasileira tem condições econômicas para ter um computador portátil), o consumidor acaba sendo induzido a pagar alguns reais a mais*. O mesmo acontece quando alguém vende uma "bebida láctea" (feita com soro de leite) com uma embalagem muito parecida a de um "iogurte para beber". Também quando a barra do seu chocolate começa a diminuir de tamanho para "melhor atender" as exigências dos consumidores, mesmo sem ter um centavo de abatimento no preço. Ou quando o suco de caixinha deixa de ser "suco" e passa a ser "néctar de fruta" pelo mesmo preço. Ou, ainda, quando a empresa se recusa a rotular um produto indicando o uso de alimentos transgênicos. Empresas com esse modus operandi são desonestas e merecem o desprezo por parte de toda a sociedade.

E quando o Estado intervém para coibir abusos assim, os preços voltam a subir para refletir o aumento dos custos na adequação à nova legislação. Assim caminha a humanidade...


* Volte na tabela da postagem de ontem e note que, excetuando-se a marca I (própria do supermercado), a marca II aparece com o menor preço, mas, na realidade, é a segunda mais cara.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Consumindo o respeito I


Hoje, em uma loja de um grande supermercado da capital paulista, podiam ser vistas diversas marcas de papel-toalha expostas em algumas prateleiras de um dos seus corredores centrais. Bem dispostas, as opções disputavam a preferência dos preciosos consumidores, tanto por meio de atraentes embalagens e promessas de melhor desempenho quanto, claro, pelos mais variados preços. Havia papel-toalha para todos os gostos: com maior absorção, mais resistentes quando úmidos, dupla face, brancos, ilustrados, mais ou menos picotados, com dois ou mais rolos, etc. Qualquer desavisado que intentasse descobrir, rapidamente, a opção mais em conta perceberia as nuances de uma perversidade cada vez mais comum nos dias de hoje — pelo menos no Brasil. A situação era a seguinte:

  • Marca I: pacotes de 2 rolos com 100 toalhas de 19 x 22 cm por R$ 2,49.
  • Marca I: pacotes de 4 rolos com 100 toalhas de 19 x 22 cm por R$ 7,47.
  • Marca II: pacotes de 2 rolos com 60 toalhas de 20 x 22 cm por R$ 3,15.
  • Marca III: pacotes de 2 rolos com 75+15 toalhas de 14 x 22 cm por R$ 3,29.
  • Marca III: pacotes de 3 rolos com 75+15 toalhas de 14 x 22 cm por R$ 4,77.
  • Marca IV: pacotes de 2 rolos com 60 toalhas de 22 x 20 cm por R$ 3,25.

Surge, então, a primeira pergunta simples: qual das opções é a mais barata? Acertaria quem apostasse na opção de menor preço absoluto, ou seja, a marca I com dois rolos, no entanto, enganar-se-ia, redondamente, caso optasse pelo pacote com quatro rolos da mesma marca. Outra pergunta, um pouco menos simples, seria: qual é a segunda opção mais barata? Neste caso, depende. Considerando a segunda medida como comprimento da toalha, ou seja, assumindo que o comprimento total do rolo resultasse da multiplicação do número de toalhas pela segunda medida indicada (e assumindo a largura como "padrão" entre as marcas), então, a marca III com três rolos seria a segunda opção mais barata. Por outro lado, se a medida considerada como comprimento da toalha for a primeira, então a marca I, com quatro rolos, seria a segunda opção mais barata. Se alguém, por algum motivo, desejasse comprar a terceira opção mais barata, bem, neste caso teria, primeiramente,  que escolher a medida significativa a ser considerada. Se escolhesse a primeira medida, seria a marca IV; se escolhesse a segunda, seria a marca III, com dois rolos; se escolhesse a área (recomendado!), então seria a marca III, com três rolos.

Achou complicado?! A tabela abaixo, cujos resultados foram obtidos em uma planilha eletrônica de cálculo, resume a situação:

 Por: Rolo d1 d2 Área
 Mais cara: I-4 II IV IV
III-2 III-2 II II
IV III-3 I-4 III-2
III-3 IV III-2 III-3
II I-4 III-3 I-4
 Mais barata: I-2 I-2 I-2 I-2

Tecnicamente, a opção mais cara, ou mais barata, depende da área total de papel-toalha na embalagem e de seu preço final, claro! Mas, misteriosamente, exceção feita ao preço, nenhuma outra informação necessária é disposta de forma simples. Será por que?


terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Dia do Parto Imperial


Como muita gente sabe, o Brasil também já foi um império. Talvez não com a mesma conotação que o termo carrega atualmente, mas, sem dúvidas, já ostentou tal posição por um breve momento histórico. A historiografia oficial conta que tudo começou no final do século XVIII, quando o príncipe regente do Brasil, João VI, torna-se o príncipe regente de Portugal após a rainha, sua mãe, Dona Maria I, enlouquecer. Nessa época, o Reino de Portugal se encontrava em uma difícil situação pois, à medida em que a França de Napoleão consolidava seu domínio na Europa, a posição de neutralidade lusitana ia se tornando insustentável, até que, em 1807, Dom João negocia com o governo britânico a escolta da Família Real e da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro. A partir de então, o Brasil deixava de ser uma simples colônia para se tornar a sede do comando real. Posteriormente, elevado à condição de Reino, passa a integrar o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, iniciando um longo suceder de acontecimentos que culminaria no nascimento do império brasileiro.

Já em terras verde-amarelas, o soberano tomou inúmeras medidas, como o confisco de residências para acomodar, de uma hora para outra, os milhares de componentes da Corte Portuguesa; a abertura dos portos às nações amigas, especialmente à Inglaterra, cujos produtos eram menos taxados que os produtos portugueses; fundou escolas, bibliotecas, aboliu a proibição de construção de indústrias no território brasileiro, criou o primeiro Banco do Brasil, enfim, adequou a nova sede do império português às necessidades da monarquia. Enquanto isso, na Europa, Napoleão Bonaparte depunha o rei da Espanha e invadia Portugal com suas tropas. O exército britânico, regiamente compensado pela Coroa Portuguesa, não se encarregou apenas da proteção marítima da costa brasileira, mas, também, da retomada do território português das mãos francesas, bem como de seu governo provisório, dada a ausência da família real portuguesa na península.

Com a derrota definitiva de Napoleão, pressões do clero, nobreza e burguesia de Portugal passaram a demandar o retorno do monarca e da Corte à Lisboa. João, então, nomeia seu filho, Pedro de Alcântara, como regente do Brasil e retorna à Portugal junto com boa parte da Corte portuguesa, levando toda a riqueza que conseguiu carregar. Já em Portugal, é coroado rei e pressionado a jurar a nova Constituição lusitana que rebaixava o Brasil, novamente, à condição de colônia. Assim, o governo português passa a exigir que também o Príncipe Regente, Pedro, retornasse à metrópole o que acaba não acontecendo, já que em 9 de janeiro de 1822, Dia do Fico, o regente declara publicamente sua decisão de permanecer deste lado do Atlântico. Aos 7 de setembro daquele mesmo ano, durante uma viagem de Santos à São Paulo, ciente da possibilidade de uma invasão portuguesa ao Brasil, Pedro declara, às margens do rio Ipiranga, a definitiva independência brasileira do domínio português. É, então, coroado e se torna Dom Pedro I, o primeiro imperador do recém-criado império brasileiro. Mas, claro que alguém mais deveria dar o aval à independência brasileira, então, o Brasil negocia com a Grã-Bretanha o pagamento de uma milionária indenização à Portugal, em torno de dois milhões de libras esterlinas, iniciando aí seu endividamento externo que se agigantaria, perdurando por quase dois séculos seguintes.

E a despeito de tudo o que tiraram, tiram e desejam ainda tirar daqui, a nação brasileira continua firme. O Brasil é, antes de tudo, um forte... Parabéns pelo seu aniversário de independência!


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Mosaico disciplinar do cotidiano


Em seu livro A invenção do cotidiano: artes de fazer, Michel De Certeau propõe uma nova contribuição à antropologia, a partir de uma perspectiva "ao rés do chão", como diz. Enquanto elucida seu modelo, nada ortodoxo aos olhos da academia à época, faz uma interessante distinção entre estratégias e táticas, segundo sua visão. As primeiras, diz o autor, baseiam-se fundamentalmente no espaço, constituindo-se em um lugar capaz de ser circunscrito em um "próprio", distinguindo-se da exterioridade que o contém. Já as segundas estão irremediavelmente ligadas ao tempo, sem que possam se delimitar de alguma forma. Nas suas palavras, enquanto "o 'próprio' é uma vitória do lugar sobre o tempo", o não-lugar tem "constantemente que jogar com os acontecimentos para os transformar em 'ocasiões'" (Certeau, 1990, p. 46-7). Exemplificando, grosso modo, uma instituição é estratégica, mas seu funcionamento, tático.

Essa conceituação, aparentemente complexa, forjada nos moldes das ciências humanas, deriva, fundamental e simplesmente, da própria interação humana com a realidade à sua volta. A leitura do tempo por meio do espaço, que configura a estratégia, só é possível porque vivemos sob algumas leis físicas bastante peculiares. Neste universo, a ocorrência de qualquer evento detectável envolve, necessariamente, alterações em ambas as variáveis: espaço e tempo. Não havendo mudança em alguma delas, o evento, aparentemente, não pode existir. Uma partícula material, por exemplo, só existe à medida em que ocupa um dado espaço por um certo período de tempo. O mesmo ocorre com uma onda eletromagnética que se propaga, variando sua coordenada espacial em um intervalo temporal característico. Mais concretamente, desde que mantida uma distância segura, um animal feroz não tem como fazer mal a ninguém porque o desfecho de seu ataque demorará, pelo menos, o tempo necessário ao deslocamento até a vítima, propiciando tempo para fuga ou outra medida de proteção.

Suponha, por exemplo, que um cidadão necessite passar por algum local perigoso, sujeito a crimes, tarde da noite, em alguma grande cidade por aí. Prevendo o que lhe pode acontecer e procurando se proteger, escolhe, estrategicamente, a trajetória que lhe permita a maior amplitude de visão possível e seja a mais iluminada do lugar porque, dessa forma, terá tempo para fugir, esconder-se, etc., ao menor sinal de perigo. Por outro lado, quando o mesmo cidadão vai caminhando, despreocupado, por algum lugar supostamente seguro, à luz do dia, pode ser que seja subitamente rendido por alguém com uma arma de fogo e, enquanto é levado em outra direção, decida saltar de uma ponte, submergindo sob a água para se salvar; isto é tática.

Mas não se preocupe caso não tenha entendido lhufas do que foi tratado aqui hoje. Basta compreender apenas que a interdisciplinaridade e o cotidiano, mesmo que pareçam frequentemente ininteligíveis ou caóticos, são fontes riquíssimas do saber humano, bastando um pouquinho de sensibilidade, humildade e boa vontade para os processar...


domingo, 5 de setembro de 2010

Haikai do Absoluto



Lá em Jericoacoara, no município de Jijoca de Jericoacoara no Ceará, o andarilho pode, eventualmente, cruzar com alguns equinos (jumentos ou burros) que vivem soltos, pastando entre as dunas e as formações rochosas da região. De vez em quando, como qualquer ser vivo, um ou outro acaba cometendo algum erro fatal, ou simplesmente envelhece, chegando ao final de sua existência terrena. Ainda não se sabe se enquanto vivos, analogamente ao ser humano, eles manifestam, intimamente, alguma preocupação com a relação à cronologia (passado, presente e futuro). Seja como for, no fim de ambas as espécies, isto certamente deixa de ser importante para o indivíduo que o experimenta...


sábado, 4 de setembro de 2010

Sutilezas imperiais


Quem acha que os processos colonizadores terminaram lá no final do século XIX é porque não acompanha os sutis lances da geopolítica mundial. Todavia, não se pode dizer que as formas de subjugar outros povos, visando exclusivamente os próprios interesses, tenham permanecidos inalteradas desde então. Ferramentas e métodos mudaram sensivelmente e a "sutileza" das ações é um bom exemplo disso. Nenhum Estado, hoje, chega em outros locais assassinando habitantes nativos e tomando suas terras, riquezas naturais e autonomia totalmente às claras, como tantas vezes foram feitas alguns séculos atrás; os meios atuais são bem mais sutis. Isto não necessariamente é uma vantagem, uma vez que ações veladas dificultam, sobremaneira, a adequada identificação do inimigo contra quem se deve lutar.

Em meados de junho, o The New York Times noticiou a descoberta, por parte do Pentágono, de uma enorme reserva inexplorada de lítio no Afeganistão. Segundo as autoridades estadunidenses, estima-se que o potencial econômico das reservas possa atingir cerca de US$ 1 trilhão. Só para se ter uma vaga ideia do que isto significa, todo o produto interno bruto do Afeganistão é estimado pelo Fundo Monetário Internacional como sendo, para este ano, cerca de US$ 17 bilhões, ou quase 1/60 do valor atribuído à reserva. Além disso, considerando a crescente demanda do elemento, essencial à produção de baterias para equipamentos elétricos e eletrônicos, o valor estratégico da reserva — que é maior do que qualquer outra conhecida no mundo — deve ultrapassar em muito seu valor financeiro.

Do outro lado do mundo, no extremo sul da América Latina, os britânicos iniciaram, entre fevereiro e março deste ano, a prospecção de petróleo nas águas de um de seus territórios ultramarinos. O problema é que especificamente esse território, o das Ilhas Malvinas (ou Falkland Islands), tem sido disputado há anos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) pela Argentina. O Brasil, em conjunto com os demais países que participaram da Cúpula da América Latina e Caribe, posicionou-se favorável à reintegração do arquipélago à soberania argentina, repudiando a decisão unilateral tomada pela Grã-Bretanha de prospectar petróleo na região. Um detalhe interessante é que, à época, ninguém sequer podia imaginar a catástrofe que as operações de uma empresa petroleira britânica causariam no Golfo do México.

E quem poderia pensar que a sutileza se tornaria um mecanismo de dominação?


sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Quando a verdade não importa


"Por fim, desistiu de segurar-se e desabou, chorando compulsivamente sentada no chão e acuada em um dos cantos da sala já escura. Sequer tivera forças para sair dali após a notícia recebida naquela tarde. Não conseguia compreender como um ser humano poderia espalhar tantas mentiras caluniosas contra outro ser humano, fosse por inveja, raiva ou até duas coisas juntas. Quem quer que tivesse feito isso, decerto não avaliara, adequadamente, as consequências de seus atos. Os danos seriam enormes, não apenas para a vida, pessoal e profissional, do objeto da difamação, como também para toda a equipe por ela gerida. Era notório que passavam por momentos cruciais para o adequado cumprimento do cronograma de um projeto que já durava anos e que os prejuízos de um eventual atraso — não restava dúvidas — seriam devastadores para todos ali.

Lembrou-se de umas poucas vezes que havia passado por cima de algumas regras que ela considerava bobas e como ficara receosa de ser descoberta tempos depois. Tinha plena consciência, entretanto, de sempre ter agido exclusivamente em prol de seu trabalho e de sua equipe. Nunca tivera ímpetos de flexibilizar normas com o intuito de auferir, para si ou para outrem, algum tipo de privilégio, ou, então, de prejudicar qualquer pessoa que lhe fosse incômoda pessoal ou profissionalmente. Mas o conjunto de ações que haviam atribuído a ela, certamente, tinham o objetivo de aniquilá-la, além de seus superiores, por consequência. E tornou a chorar, ainda mais copiosamente...

Passou aquela noite insone e na primeira hora do dia seguinte, ela estava sentada à espera de seu superior imediato. Mal ele entrou, trazendo consigo um semblante sisudo, ela logo começou a apresentar os dados e documentos que contrariavam todas as histórias que haviam contado sobre ela. Explicou, também, as razões de certas decisões tomadas ao longo dos últimos meses e que pudessem, talvez, serem consideradas dúbias. Quando, finalmente, cessou o falatório, o homem disse, simplesmente, que ela estava fora e que seria melhor, para todos, que ela mesma colocasse sua função à disposição. Explicou, também, que não tinha mais como sustentá-la ali com acusações tão graves contra ela, fossem ou não verdades. O estrago, afinal, já havia sido feito...
"


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Fase-S


À primeira vista, o título parece mais o de um texto sobre estratégias para se vencer um jogo de videogame. Longe disso, fase-S se refere a um estado particular assumido pela austenita (fase alotrópica do aço) quando submetida a tratamentos de nitretação (adição de nitrogênio) ou cementação (adição de carbono) ao ponto de ter expandida sua estrutura cristalina original, que é cúbica de face centrada (CFC) — por este motivo, a fase-S também é conhecida como austenita expandida. Associados a esta peculiar configuração cristalográfica, estão muitos defeitos de empilhamento (falhas na sequência de empilhamento dos planos atômicos) e altas tensões residuais, conferindo à fase elevadíssimas durezas (que podem ultrapassar 1500 HV) e resistência ao desgaste por abrasão.

Outra particularidade da fase-S é a elevada concentração de solutos intersticiais (da ordem de 25 at.%) exclusivamente em solução sólida, ou seja, sem a formação de precipitados (fase distinta) devido à interação do carbono, ou do nitrogênio, com os demais elementos da matriz metálica (ferro, cromo, níquel, etc.) que formariam compostos específicos. Tal característica também proporciona uma excelente resistência à corrosão, uma vez que não empobrece a liga metálica dos elementos responsáveis por sua passivação (proteção contra oxidação), tais como o cromo e o níquel. Dessa forma, as aplicações dos aços inoxidáveis austeníticos e ligas de cobalto-cromo e níquel-cromo, importantes em diversos setores — que vão desde a fabricação de componentes críticos para reatores nucleares até apetrechos de cozinha —, podem ser bastante ampliadas, já que suas principais limitações são, justamente, as baixas resistências à abrasão e à corrosão.

As principais técnicas de obtenção da camada superficial de fase-S são os tratamentos termo-químicos de baixa temperatura, especialmente os auxiliados por plasma. Isto porque estes processos possuem a capacidade de eliminar a camada de passivação desses metais durante o processo, eliminando a necessidade de etapas adicionais e permitindo que a difusão dos elementos intersticiais, essencial à formação da camada, não seja prejudicada. Nas últimas duas décadas, a tecnologia de obtenção dessa estrutura vem sendo sensivelmente apurada, não obstante muitas das características fundamentais da fase-S ainda não terem sido satisfatoriamente esclarecidas. Um caminho promissor nesse sentido é o desenvolvimento de novas técnicas para uma avaliação mais efetiva das propriedades mecânicas da camada, tal como a microesclerometria instrumentada, mas isto é um assunto para um outro dia.

Para quem quiser se aprofundar no assunto, uma das melhores referências sobre o tema é o artigo de Dong, H. S-phase surface engineering of Fe-Cr, Co-Cr and Ni-Cr alloys. In: International Materials Reviews. ASM International: 2010. v. 55. n. 2.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Paranormalidades


A ciência e a fé têm andado de mal já há algum tempo, mais por conta das pessoas do que por elas mesmas, propriamente ditas. Embora não haja, tecnicamente, qualquer incoerência no fato de um crente ser um cientista ou vice-versa — mesmo porque ambas as áreas são meros constructos da intelectualidade humana — sempre há tensões, veladas ou explícitas, a cada avanço científico ou a cada nova crença estabelecida. Talvez a origem de todo o problema esteja nas concepções enviesadas, tanto de um lado quanto do outro. Afinal, parece que pretender compreender a fé a partir da ciência é tão sem sentido quanto buscar compreender a ciência pela fé. "Cada-macaco-no-seu-galho" seria um excelente mantra de paz!

Seja como for, não se pode impedir que os seres humanos tentem conciliar duas cosmovisões tão distintas a partir de uma mesma lógica. No final de maio deste ano (30/05/2010), o caderno Ciência da Folha de São Paulo trouxe uma reportagem sobre o Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais (Nefp) da Universidade de Brasília (UnB). Ligado ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, o núcleo era responsável por estudos sobre fenômenos que escapam à ciência convencional. Recentemente, o instituto de Física da UnB protocolou um pedido de extinção do núcleo de estudos — talvez porque o coordenador do núcleo também seja físico, graduado pela Universidade de Oxford, Reino Unido, e especialista em física da matéria condensada — sob a alegação de que, além do núcleo não produzir conhecimento científico, ainda põe em xeque a credibilidade de toda a instituição. A polêmica se agravou com a prisão de uma "paranormal" por atrapalhar as investigações de um triplo assassinato no qual, aparentemente, tem ligações. A vidente apresentava como "prova" de suas habilidades um certificado de instrutora em um dos cursos de extensão organizado pelo núcleo. "Durma-se-com-um-barulho-desses" seria um mantra mais adequado nesse caso!

Interessante notar, no entanto, como os "macacos continuam dividindo os mesmos galhos", a ponto de parecer impossível separá-los. A alegação de que a credibilidade de toda uma universidade pode ser abalada por um núcleo de estudos cheira à preconceito. Com perdão dos mais puritanos, "universidade" é qualidade ou condição do que é universal (Houaiss, 2001) e não do que é "científico" e, portanto, não deveria, mesmo, preocupar-se apenas com o que se encaixa, exclusivamente, na metodologia científica vigente. A Universidade de Duke, nos EUA, por exemplo, manteve por mais de seis décadas um departamento de parapsicologia. Não se está dizendo com isso, obviamente, que a ciência atual está equivocada, que charlatões devam ser protegidos ou qualquer baboseira que o valha (esse macaco deve ir para aquele galho vazio, ali, mais adiante!), apenas que cassar um departamento por irregularidades no funcionamento, contenção de despesas ou por uma mera deliberação coletiva é bem diferente do que extingui-lo porque seus trabalhos vão abalar a credibilidade de uma instituição.

Quem sabe, algum dia, ciência e fé voltem a fazer as pazes e acabem de vez com essas relações paranormais*...


* No sentido de "fora da normalidade", considerando que "normal" seja uma coexistência pacífica.