quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Paranormalidades


A ciência e a fé têm andado de mal já há algum tempo, mais por conta das pessoas do que por elas mesmas, propriamente ditas. Embora não haja, tecnicamente, qualquer incoerência no fato de um crente ser um cientista ou vice-versa — mesmo porque ambas as áreas são meros constructos da intelectualidade humana — sempre há tensões, veladas ou explícitas, a cada avanço científico ou a cada nova crença estabelecida. Talvez a origem de todo o problema esteja nas concepções enviesadas, tanto de um lado quanto do outro. Afinal, parece que pretender compreender a fé a partir da ciência é tão sem sentido quanto buscar compreender a ciência pela fé. "Cada-macaco-no-seu-galho" seria um excelente mantra de paz!

Seja como for, não se pode impedir que os seres humanos tentem conciliar duas cosmovisões tão distintas a partir de uma mesma lógica. No final de maio deste ano (30/05/2010), o caderno Ciência da Folha de São Paulo trouxe uma reportagem sobre o Núcleo de Estudos de Fenômenos Paranormais (Nefp) da Universidade de Brasília (UnB). Ligado ao Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares, o núcleo era responsável por estudos sobre fenômenos que escapam à ciência convencional. Recentemente, o instituto de Física da UnB protocolou um pedido de extinção do núcleo de estudos — talvez porque o coordenador do núcleo também seja físico, graduado pela Universidade de Oxford, Reino Unido, e especialista em física da matéria condensada — sob a alegação de que, além do núcleo não produzir conhecimento científico, ainda põe em xeque a credibilidade de toda a instituição. A polêmica se agravou com a prisão de uma "paranormal" por atrapalhar as investigações de um triplo assassinato no qual, aparentemente, tem ligações. A vidente apresentava como "prova" de suas habilidades um certificado de instrutora em um dos cursos de extensão organizado pelo núcleo. "Durma-se-com-um-barulho-desses" seria um mantra mais adequado nesse caso!

Interessante notar, no entanto, como os "macacos continuam dividindo os mesmos galhos", a ponto de parecer impossível separá-los. A alegação de que a credibilidade de toda uma universidade pode ser abalada por um núcleo de estudos cheira à preconceito. Com perdão dos mais puritanos, "universidade" é qualidade ou condição do que é universal (Houaiss, 2001) e não do que é "científico" e, portanto, não deveria, mesmo, preocupar-se apenas com o que se encaixa, exclusivamente, na metodologia científica vigente. A Universidade de Duke, nos EUA, por exemplo, manteve por mais de seis décadas um departamento de parapsicologia. Não se está dizendo com isso, obviamente, que a ciência atual está equivocada, que charlatões devam ser protegidos ou qualquer baboseira que o valha (esse macaco deve ir para aquele galho vazio, ali, mais adiante!), apenas que cassar um departamento por irregularidades no funcionamento, contenção de despesas ou por uma mera deliberação coletiva é bem diferente do que extingui-lo porque seus trabalhos vão abalar a credibilidade de uma instituição.

Quem sabe, algum dia, ciência e fé voltem a fazer as pazes e acabem de vez com essas relações paranormais*...


* No sentido de "fora da normalidade", considerando que "normal" seja uma coexistência pacífica.

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