sábado, 31 de julho de 2010

Risco de escolha


Ainda nos domínios do português, talvez valha a pena mencionar um interessante episódio "linguístico" para ilustrar um tipo de atitude muito comum, especialmente entre pessoas com inteligência um pouco acima da média. O caso se refere a uma expressão bastante usada antigamente, mas que tem sido preterida desde o momento em que alguém apontou, nela, um suposto erro de lógica. Trata-se da expressão "risco de vida" que, à primeira vista, parece, de fato, absolutamente equivocada. Afinal, corre-se o risco é de morrer e não de viver. Acontece que a expressão, segundo o Prof. Dr. Cláudio Moreno, já era usada há tempos na forma elíptica (elipse: figura de estilo que consiste na supressão de um termo facilmente subentendido), "risco de perder a vida", inclusive por renomados e consagrados escritores como Machado de Assis e Eça de Queirós. Além da aula de português, o professor ainda encerra seu artigo com um trecho que enseja outra reflexão:

"(...) A língua não pode estar submetida à lógica porque é incomensuravelmente maior do que ela, já que lhe cabe também exprimir as emoções, as fantasias, as incertezas e as ambiguidades que recheiam o animal humano. O Português atual, portanto, é o produto dessa riquíssima mistura, sedimentada ao longo de séculos de uso e aprovada por esse plebiscito gigantesco de novecentos anos, que deve ser ouvido com respeito e não pode ser alterado por deduções arrogantes e superficiais." (Prof. Dr. Cláudio Moreno)

Quiçá involuntariamente, Moreno, em sua análise, acaba chamando a atenção de seus leitores para algo que vai muito além de um mero embaraço linguístico. Além da arrogância intelectual de quem condenou o "risco de vida", há ainda o fato da lógica e da razão, apesar de essenciais ao ser humano, não poderem nunca, por definição, abranger todo o universo de coisas que experimentamos, por mais que isto fira os nossos brios de animais racionais. Afinal, se já a língua, conforme bem esclarece o professor, é muitíssimo maior do que a lógica, o que dizer da realidade que nos cerca, então? E embora frustrante para alguns, ao que parece, o ser humano não é uma máquina, não é exato e seu universo jamais será determinístico porque, se isto acontecer, não existirá mais o ser humano.

Importante salientar, no entanto, que respeitar a posição do outro não significa, necessariamente, concordar com ela. Provavelmente não haveria problema algum se cada indivíduo defendesse o seu próprio ponto de vista sem pretender impô-lo aos demais. Afinal se, realmente, um deles for o mais adequado, cedo ou tarde, o outro também o adotará como seu. Ou, se nunca o fizer, é porque, simplesmente, decidiu seguir um caminho diferente e está disposto a arcar com todas as consequências que advirão de sua escolha.

Ou alguém tem dúvida de que o outro pode escolher também?


sexta-feira, 30 de julho de 2010

Mutações linguísticas


O português é uma língua viva e a prova disso é a alteração a que se sujeita com o passar do tempo. Essas mudanças na língua não ocorrem por decreto (apesar disso não ser uma regra, haja vista o recente acordo ortográfico), mas pelo uso constante que, dela, o povo faz. As transformações podem, inclusive, acumularem-se ao ponto de transformar uma língua em outra. Basta ir retrocedendo no tempo para se ter uma ideia da dramaticidade dessa "mutação" linguística. O português que se falava no Brasil à época de seu descobrimento, no final do século XV, por exemplo, embora ainda seja a "mesma" língua, em muito se difere do que é usado hoje.

Esse processo de mudança sofre influência de uma infinidade de fatores que vão desde simples incorporações de palavras estrangeiras até a deliberada criação de vocábulos específicos, úteis a uma dada comunidade ou grupo. O monitoramento dessa lenta e gradativa metamorfose fica a cargo dos estudiosos da língua, entre eles, os especialistas em linguística e os especialistas em gramática. E apesar da profunda inter-relação das áreas (a bem da verdade, a gramática pode ser considerada um dos ramos da linguística), ambos os grupos parecem estar sempre se estranhando. O pomo da discórdia, claro, é a impermanência da língua que, enquanto para muitos gramáticos se apresenta como desvios de norma, para os linguistas se coloca como empolgante matéria de estudo. Já para os leigos amantes da língua, a ocorrência dessas frequentes e acaloradas discussões se traduz em oportunidades únicas para se beber de uma rica e inesgotável fonte de conhecimentos.

Há, entretanto, uma zona neutra na qual gramáticos e linguistas parecem se entender razoavelmente bem: a poesia — provavelmente porque, aí, o poeta tenha licença poética para dobrar a gramática como bem entender. E, talvez por isso, os primeiros registros literários em português acabaram sendo, justamente, poesias. Um ótimo exemplo ilustrativo é a Cantiga da Ribeirinha ou de Guarvaia, escrita por Paio Soares de Taveirós, provavelmente em 1198, que, no colégio, a gente aprende (ou aprendia) ser um dos primeiros exemplares escritos em língua portuguesa (galego-portuguesa, para ser mais preciso) de que se tem notícias. Os versos são uma típica amostra do trovadorismo medieval português (séculos XII e XIII) e fornecem, já nos dois primeiros, uma ideia das diferenças acumuladas ao longo dos séculos: "No mundo non me sei parelha, / mentre me for' como me vai, (...)", o que, em português moderno, significa "No mundo ninguém se assemelha a mim, / enquanto minha vida continuar como vai, (...)" (Nicola, J. ''Literatura portuguesa da Idade Média a Fernando Pessoa''. São Paulo: Scipione, 1992. ed. 2. p. 28).

Com um exemplo desses, não é preciso nem ser linguista ou gramático para saber que, daqui a alguns séculos, os textos aqui do Automorfo só serão entendidos por muito pouca gente...


quinta-feira, 29 de julho de 2010

Torcida pela falta de inteligência


"O difícil é você se livrar dos idiotas que pretendem lutar ao seu lado interpretando a sua negação da cultura dominante como uma afirmação de louvor à ignorância."

Millôr Fernandes

Não é muito difícil de imaginar o que Millôr deve ter ouvido antes de escrever uma frase dessas; provavelmente, muita baboseira. Interpretações equivocadas de pensamentos alheios é uma constante na vida de muita gente, especialmente de quem escreve, já que não há muito como desdizer, posteriormente, aquilo que foi registrado. Seja por uma limitação de inteligência de quem interpreta ou pela inabilidade de expressão de quem formula o conceito, a verdade é que coisas absurdas podem emergir desse processo. E talvez por isso seja tão admirável aqueles que expõem, sem rodeios, seus pensamentos e opiniões, ostentando invejáveis coragem e disposição para enfrentar a barbárie de compreensões erradas que surgirão.

Somam-se a isso, também, dois outros problemas muito comuns: a necessidade de outras pessoas que compartilhem da mesma ideia e a intencionalidade de certos "equívocos" interpretativos. O primeiro, também considerado na citação de Millôr, advém do fato de vivermos em sociedade e, consequentemente, da necessidade de uma "massa crítica" de "seguidores" para que determinados conceitos se concretizem — como disse Raul Seixas em seu Prelúdio, "um sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade". Já o segundo — o mais grave — aparece quando alguém, que deseja algo contrário ou que não deseja, simplesmente, que uma determinada ideia se concretize, lança mão de artifícios vários para induzir outras pessoas ao erro — como quando Odorico Paraguaçu, em O Bem-amado, pergunta, para a pessoa que o questiona sobre o desvio de verbas públicas para a própria campanha, se ele é contra a democracia.

A pior situação é, sem dúvidas, a última, já que o resultado final é sempre o prejuízo, tanto do autor de um determinado pensamento (o foco da deturpação) quanto das outras pessoas que poderiam dele se beneficiar. Serão, certamente, muitíssimos os exemplos desse tipo de conduta nos próximos meses de campanha eleitoral. Os mesmos candidatos terão, sempre, duas imagens absolutamente distintas: a de seus apoiadores e a de seus adversários. As ideias, também, exatamente as mesmas, serão apontadas como geniais por uns e criminosas por outros. E, assim, não cessarão as interpretações equivocadas até o final.

Pode até parecer estranho afirmar tal coisa, mas talvez o mundo fosse melhor se as distorções decorressem apenas da inteligência limitada...


quarta-feira, 28 de julho de 2010

Olé!


Um dia um amigo recusou um pedaço de pizza de mozzarella e ao ser questionado do porquê, respondeu que era adepto do "veganismo". A ignorância de quem ouvia exigiu uma explicação sobre o que, exatamente, aquilo se tratava, ao que explicou ser uma opção ideológica segundo a qual seus seguidores, deliberadamente, aboliam de suas vidas todo e qualquer produto derivado de animais, fosse alimentar ou não. A justificativa era simples: a obtenção dos derivados, especialmente na sociedade moderna, costuma implicar em um tratamento cruel, de exploração, sobre espécies animais não-humanas. Apesar de extremista, não restava dúvidas de que era um ponto de vista absolutamente respeitável, uma vez que, mesmo com provas científicas cada vez mais comuns e contundentes sobre a existência de consciência nas demais espécies (a modelo da humana, apenas menos desenvolvida), não se dispensa aos animais um tratamento à altura dessa constatação.

Nas últimas décadas, muitas discussões — bastante polêmicas, por sinal — sobre os direitos dos animais, têm sido levantadas em várias esferas. No Brasil, por exemplo, há um forte movimento na direção de se extinguir os rodeios, já que, segundo alguns, o evento se resume apenas ao emprego de tortura contra uma espécie animal visando, exclusivamente, o entretenimento de outra — nós, seres humanos. Mas, talvez, o principal golpe contra os mau-tratos animais tenha sido desferido hoje e em uma das regiões do planeta menos propícias para isso ocorrer. Acontece que o parlamento catalão proibiu as touradas em toda Catalunha a partir de 2012, mesmo sob protesto da ala conservadora espanhola que já sinalizou que deverá pedir a inclusão das touradas como patrimônio cultural da humanidade.

Tal como para os romanos, ao verem findos os macabros espetáculos de violência e morte entre gladiadores no coliseu, também para muitos espanhóis não deve ter sido fácil engolir a decisão. Parlamentares conservadores, inclusive, acusaram o parlamento catalão de ter aprovado a medida motivados por uma espécie de revanche, já que alguns pontos do novo estatuto ampliado de autonomia da Catalunha foram rejeitados, no final de junho, pelo Tribunal Constitucional espanhol. Seja como for, a decisão abre um enorme precedente e, independentemente do viés ideológico, parece que, desta vez, os animais saíram ganhando.

Agora, com um nível tão refinado de discussão na sociedade, é difícil de entender, mesmo, é como ainda pode haver seres humanos explorando outros de sua própria espécie...


terça-feira, 27 de julho de 2010

Antepassados Avançados


Revirando algumas relíquias avoengas, um recorte de uma reportagem do jornal Folha de São Paulo de 24 de fevereiro de 1968 saltava aos olhos. O texto, especial para a Folha, assinado por Cécile Clare de Paris, tratava das evidências de uma civilização avançada que, supostamente, teria vivido na Terra há pelo menos 10.000 anos atrás. E, por mais estranho que possa parecer, o termo "avançada" não se referia à biologia humana, mas ao nível de desenvolvimento tecnológico da civilização. O texto se baseia em um livro denominado "Os mapas dos antigos reis do mar. Demonstração da existência de uma civilização avançada na era glacial", escrito por Charles Hutchins Hapgood (1904-1982), então professor da Keene State College em New Hampshire, EUA.

Hapgood, que havia obtido seu título de mestre em história medieval e moderna na renomada universidade de Harvard, entrou em contato com os trabalhos de um arqueólogo, Arlington H. Mallery, sobre um mapa-múndi concebido por um almirante turco chamado Piri Reis, em 1513. Alguns detalhes do mapa chamaram a atenção de Hapgood, como traçados da América e das regiões polares. Solicitou, então, a matemáticos do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que investigassem o sistema de projeção utilizado na confecção do mapa e obteve como resposta que o sistema era válido e tomava por base uma trigonometria esférica planificada. A princípio, os mapas que teriam servido de modelo para o de Piri Reis deveriam ser atribuídos à antiguidade grega, mas informações como a indicação precisa dos Andes (inclusive, com o desenho de uma lhama, animal que só viria a ser conhecido séculos mais tarde pelos europeus), das Ilhas Malvinas ou Falklands (descobertas só em 1592), etc., não condiziam com os conhecimentos disponíveis na época.

As investigações de Hapgood continuaram com outros mapas, tais como o do cartógrafo francês Oronce Finé ou Oronteus Finaeus (1531) que apresentava o continente antártico com montanhas e rios se dirigindo ao oceano, o de Harji Hammed (1558) que mostrava o traçado do Atlântico e do Pacífico com precisão, os "portulan" de De Carnero (1502) e veneziano (1484), de Canestris (1335), de Reinel (1510), dos Irmãos Zeno (1380), de Ptolomeu, de Andrea Benincasa (1503), etc. Todos apresentavam algum indício de terem se baseado em mapas extremamente precisos de épocas ainda muito anteriores à deles. Como uma cartografia anterior tão avançada poderia existir sem que dispusessem de muitos dos equipamentos de que só conseguimos desenvolver hoje?

E, assim, questão parece continuar obscura há mais de 40 anos...


segunda-feira, 26 de julho de 2010

Se essa rua, se essa rua fosse minha...


A Alemanha é famosa por suas auto-estradas, chamadas por lá de "Autobahn". Possuem, pelo menos, duas vias de tráfego e, em muitos pontos, não apresentam limites de velocidade. Aliás, pelo contrário, em algumas delas são estipuladas velocidades mínimas que devem ser respeitadas em cada uma das faixas, ou seja, o motorista que trafegar naquela via abaixo da velocidade mínima indicada, poderá ser multado. Talvez por isso, a sinalização, a manutenção e a qualidade das pistas são impecáveis, afinal, ausentes os limites de velocidades, qualquer falha pode causar um acidente fatal — que, não por acaso, raramente ocorrem por lá. As "Autobahn" cruzam todo o território do país e constituem importantes vias de escoamento, tanto de produtos quanto de pessoas, sendo, para muitos alemães, um verdadeiro orgulho.

No Brasil, é o estado de São Paulo que, indiscutivelmente, detém a melhor malha viária do país. Uma rápida olhada no mapa rodoviário paulista, comparativamente aos dos demais estados da federação, é suficiente para comprovar tal afirmação. Além da maior quantidade de acessos, também a qualidade das vias é muito superior, nada deixando a desejar, inclusive, às auto-estradas alemãs. A única diferença é que, na Alemanha, não existem pedágios. São Paulo, por sua vez, não apenas possui um dos mais altos custos — se não o maior — por quilômetro rodado de todo o país, como também sustenta praças de pedágio até nas áreas (urbanas) restritas pela própria legislação do estado. As concessionárias, todas privadas, possuem, inclusive, o aval do governo estadual para fechar todo e qualquer acesso alternativo que não passe pelos postos de pedágios. Ir da cidade de São Paulo à cidade de Santos, por exemplo, cerca de 80 km, custa, hoje, para um veículo de passeio, a "bagatela" de R$ 18,50, independentemente do caminho que o usuário escolha, seja pela Rodovia dos Imigrantes (ampla, moderna, pouco sinuosa, etc.), seja pela Rodovia Anchieta (estreita, antiga, sinuosa, etc.). Não há alternativas.

Um outro exemplo seja, talvez, um pouco mais evidente. Morando na cidade de São Paulo, suponha que alguém viesse lhe visitar em um final de semana qualquer, mas que, por infelicidade, chegue e retorne de avião pelo aeroporto de Viracopos, na cidade de Campinas, cerca de 100 km da capital. Tanto para buscar quanto para levar a pessoa de carro, as alternativas são a Rodovia dos Bandeirantes e a Rodovia Anhanguera. Independentemente da que escolher, o usuário terá de desembolsar R$ 12,70 por trecho. Isto significa que, ao longo do final de semana, caso tenha de ir buscar a pessoa no aeroporto, voltar para a capital, levá-la novamente ao aeroporto e retornar para sua residência, o cidadão será obrigado a dispor da "justa" quantia de R$ 50,80 — mais ou menos o mesmo valor de um tanque de álcool combustível.

Mas, felizmente, parece que, para a maioria dos paulistas, as belas auto-estradas e seu altíssimo custo também são um orgulho. Se assim não o fosse, os representantes do povo que promoveram tal situação já teriam sido sacados do governo do estado há muito tempo.

domingo, 25 de julho de 2010

Haikai do cotidiano



Um agradável dia ensolarado sempre tem um fim. Pode ser que ele se repita nos dias seguintes, mas, pelo menos neste planeta, não se mantêm exatamente como são pela eternidade de uma vida humana. Também, assim, são as alegrias que, igualmente, não se perpetuam de forma contínua. Infelizmente...


sábado, 24 de julho de 2010

Ciência Transgênica


O famoso dito popular, "contra fatos, não há argumentos!", deveria poder ser aplicado, pelo menos, às pesquisas científicas nas áreas eminentemente técnicas. Supostamente, qualquer trabalho técnico-científico se baseia — ou deveria se basear — em fatos. Mesmo quando há proposição de novíssimos modelos, estes se referem, salvo raras exceções, a fenômenos ou resultados factíveis e mensuráveis. Isto, entretanto, não parece estar funcionando muito bem quando o assunto é a biotecnologia dos trangênicos.

Uma variante transgênica do algodão, conhecida como "Bollgard" ou "Bt", vem sendo usada há décadas em alguns países e foi, no ano passado, liberada para plantio e comercialização no Brasil, conforme parecer técnico da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) publicado em 29/04/2009. A espécie é, literalmente, uma planta inseticida tendo parte de seu genoma alterado pela adição de trechos genéticos extraídos de vírus e bactérias — como a Bacilus thuringiensis, Escherichia coli e o Caulimovirus — produtores de toxinas nocivas especialmente para as lagartas-do-algodão (Helicoverpa armigera). Especialistas brasileiros foram contra sua liberação, por entenderem que os benefícios não compensavam os riscos ambientais envolvidos no plantio da espécie transgênica, entre os quais, a esterilização do solo cultivado, a contaminação e perda de espécies nativas (especialmente no cerrado), transbordamento genético para outras espécies, desequilíbrio ecológico de insetos, além de outros riscos referentes à segurança alimentar humana e animal.

A conclusão do estudo técnico apresentado pela Monsanto à comissão de biossegurança não deixa margem para dúvidas: "(...) o algodão MON 15985 [variante Bt] foi considerado tão seguro quanto o algodão convencional para o meio ambiente e o uso na alimentação humana e animal." (Berger, G. U. A biossegurança do algodão geneticamente modificado resistente a insetos MON 15985: Processo nº 01200.003267/07-40. São Paulo: Monsanto do Brasil Ltda., 2007. p. 35). Apenas três anos mais tarde, entretanto, especialistas chineses publicaram um artigo na revista Science Magazine afirmando que as culturas de algodão Bt, embora eficientes no controle das lagartas-do-algodão, desencadearam o aparecimento de uma nova praga, de percevejos, prejudicando não apenas as lavouras de algodão, como também outras culturas nas mesmas regiões (Lu, Yanhui et al. Mirid Bug Outbreaks in Multiple Crops Correlated with Wide-Scale Adoption of Bt Cotton in China. Science Magazine, May 13, 2010.).

O exemplo citado é apenas um dentre tantos outros resultados contraditórios envolvendo o controverso assunto dos organismos geneticamente modificados. Longe de se pretender avaliar a relação entre riscos e benefícios, o fato, mesmo, é que há parcialidade demais em muitos dos estudos feitos e uma certa leniência das autoridades com relação ao assunto. Como comentado por aqui em "Informar pra quê?", havia um "lobby" extremamente poderoso contra a aprovação de uma lei que, simplesmente, requeria a indicação clara dos produtos contendo alimentos transgênicos, algo que não parece ser nada razoável.

É provável que nem mesmo Nietzsche — ao pensar que não eram fatos, senão interpretações, que existiam — poderia imaginar o ponto em que a ciência dos transgênicos chegaria.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Situação


"O rapaz se incomodou com um cheiro forte e desagradável enquanto esperava pelo café. Olhou para os lados, aguardou impacientemente pelo atendente, pegou a xícara e procurou um lugar longe dali para se sentar. Após alguns minutos, no entanto, percebeu que o cheiro não havia cessado — aliás, parecia que o tinha seguido. Tornou a olhar ao redor em busca de um novo local ainda mais distante. Ao avistar uma mesa vaga, levantou-se novamente com sua xícara de café e se deslocou até lá. Sentou-se, mais uma vez, reclamou da má sorte e, finalmente, pode saborear seu café em paz.

Outro rapaz se incomodou com um cheiro forte e desagradável enquanto passava em frente à lanchonete. Olhou para os lados procurando pela causa e logo se pôs atrás de uma caixa de papelão. Após alguns minutos, depois de encontrá-la e ainda sentindo o forte cheiro, reiniciou suas buscas, agora por sacolas plásticas descartáveis. Tornou a olhar ao redor e, também, não demorou a encontrá-las. Juntou o material, alegrou-se com a sorte de tê-lo encontrado ali, à mão, e, finalmente, foi ao encontro da origem daquele fedor.

Os olhares dos dois rapazes se cruzaram e ambos se cumprimentaram mutuamente. Conheciam-se. O que tomava café disse, admirado, que o forte cheiro que impregnava o ar era exalado por um cão, vira-lata, que, embora vivo, de tão machucado já tinha parte das feridas em estado de putrefação. O outro confirmou e mostrou o material que carregava para poder recolher o cão e levá-lo a alguns veterinários perto dali. Os dois se lamentaram pela situação e pelo cheiro tão desagradável que incomodava a todos no lugar.

Despediram-se, por fim. Um retornou ao seu café e o outro à sua ação.
"


quinta-feira, 22 de julho de 2010

O valor da experiência


Uma das características mais fundamentais de um bom engenheiro ou engenheira — aliás, de qualquer ser humano — é possuir suficiente humildade para ouvir, muitas sugestões e opiniões que surgem no transcorrer de seu trabalho, e perguntar, sempre que necessário. Isto porque muitos conhecimentos não são aprendidos na academia, baseando-se apenas na experiência prática dos indivíduos — especialmente aqueles originados entre o pessoal da operação. Assim, se bem avaliada, qualquer opinião pode ser útil e não deve ser ignorada logo a priori. O ideal é que sempre passem por alguma análise crítica de forma a se ter claros os motivos do porquê considerá-la, ou não, nas providências a serem tomadas. Além disso, perguntar sempre que não se está seguro a respeito de algo não é demérito para ninguém, já que por melhor que seja a formação do engenheiro, ou da engenheira, seu conteúdo acadêmico nunca englobará todo o conhecimento prático adquirido ao longo de anos por quem, de fato, executa uma determinada tarefa.

Um exemplo bastante curioso aconteceu quando alguns engenheiros, formados por escolas de primeiríssima linha, discutiam as causas da quebra de um componente produzido em aço carbono especial. Nestes casos, uma das principais análises a se fazer é a metalográfica que consiste no corte de uma seção (transversal ou longitudinal) da peça falhada e na sua preparação para ser observada em um microscópio ótico. Todos os cuidados, cruciais para a confiabilidade da análise, haviam sido tomados durante a preparação — que envolve o lixamento, o polimento e o ataque químico da superfície para dar o contraste. Ao observar a amostra no microscópio, depois de todo o processo, notou-se uma quantidade anormal de pontos de descontinuidade no metal, algo grave e que poderia, fatalmente, ter ocasionado a falha verificada na peça. Entretanto, não havia qualquer razão lógica para que um aço, aparentemente tão ruim, tivesse passado pelos controles de qualidade do fornecedor, chegando a ser usado na fabricação daquele componente específico.

Enquanto a equipe de engenheiros quebrava a cabeça para encontrar uma explicação plausível para o fato, outro engenheiro — de formação mais modesta, mas de enorme experiência — foi chamado para dar sua opinião. Olhou a microestrutura por alguns minutos e disse que não havia problema no material e, sim, na preparação daquela amostra. Os olhares incrédulos o acompanharam enquanto se encaminhava ao equipamento para polir a superfície observada uma vez mais. Ao retornar ao microscópio, analisou a amostra novamente e pediu para os demais verificarem como as tais descontinuidades haviam alterado sua distribuição na superfície — algo impossível de acontecer apenas com um rápido polimento. Explicou, então, que as descontinuidades observadas não pertenciam ao material, mas haviam sido produzidas, provavelmente, pelo resíduo de ácido usado na limpeza do pano de polimento.

E só assim aquele time de engenheiros, de melhor formação, conseguiu solucionar aquele caso aparentemente inexplicável...


quarta-feira, 21 de julho de 2010

Surpreenda-se!


Na manhã de uma outra quarta-feira dessas, o Prof. Dr. Gilberto Safra, psicanalista, expunha os dados de uma pesquisa, feita já há algum tempo, que buscava identificar as características comuns a grandes personalidades da humanidade, tais como Abraham Lincoln, Spinoza, Albert Einstein, etc. A despeito das ressalvas necessárias ao se considerar este tipo de pesquisa, os resultados são bastante interessantes e merecem ser mencionados. Basicamente, foram sete as características mais comuns identificadas na personalidade desses grandes nomes:

  1. Eram pessoas profundamente centradas na realidade do evento, sem tantas interpretações subjetivas, o que implicava um certo esquecimento de si.
  2. Possuíam enorme capacidade de estarem a sós que era usada como uma forma de contemplação da vida.
  3. Apresentavam grande resistência aos processos de aculturação, ou seja, não estavam sujeitas às constantes flutuações culturais, nem eram abatidos pelas ideologias dominantes.
  4. Tinham grande senso de humor, principalmente diante de si mesmos (o humor tem a capacidade de romper com o estabelecido).
  5. Mostravam-se bastante espontâneos e viviam com simplicidade.
  6. Eram naturalmente humildes.
  7. Nunca perderam a capacidade de se surpreender e/ou de se maravilhar diante da vida, algo que implicava em uma abertura para o inédito (similar ao que se passa com uma criança).
    O último ponto, principalmente, é digno de maiores comentários. Com o passar da idade, o ser humano tende a não mais se admirar com verdadeiros "milagres" da existência, ao contrário de uma criança que começa a compreender o mundo e se maravilha com quase tudo. Os adultos que conseguem manter essa característica "infantil" de enxergar o originário são, geralmente, os artistas mais talentosos, sendo admirados por isto. Já as crianças que, especialmente no ocidente, são consideradas imaturas, guardam, naturalmente, esse olhar tão caro aos grandes artistas.

    Como foi dito, ainda naquela quarta-feira, "filósofo é aquele que está sempre surpreendido; o sábio, aquele que se deixa surpreender".


    terça-feira, 20 de julho de 2010

    Progressos Éticos


    No início de maio, 09/05/2010, a Folha de São Paulo reportou uma questão ética muito interessante envolvendo o povo ianomâmi e os "homens brancos". Segundo o jornal, o governo brasileiro vem tentando reaver amostras congeladas de sangue ianomâmi de várias instituições dos EUA. Pesquisadores estadunidenses estiveram na selva amazônica na década de 1960, coletando amostras de saliva, fezes, urina e sangue de milhares de índios. O objetivo era proceder com estudos biomédicos naquele país. Teriam, supostamente, conseguido o material por meio de escambo, com bugigangas, sem explicar como tudo seria usado — e, portanto, sem obter o consentimento expresso dos ianomâmis para tal. Anos mais tarde, os indígenas ficariam perplexos ao saberem que o sangue de seus antepassados mortos ainda era guardado em geladeiras. Desde então, lideranças ianomâmis vêm tentando recuperar as amostras para finalizar seus rituais fúnebres.

    Recentemente, pressionado pelos índios, o Ministério Público de Roraima iniciou um processo administrativo para que as amostras fossem devolvidas. Das instituições estadunidenses contatadas, cinco universidades confirmaram manter, ainda, o material guardado. Se entregues, as amostras deverão ser inativadas microbiologicamente e retornadas ao seio do povo ianomâmi que tem o costume de queimar seus mortos e misturar suas cinzas à alimentação para que não sobre absolutamente nada dos falecidos — sequer seus nomes voltam a ser mencionados. Segundo sua tradição, não há mais lugar para os mortos entre os vivos. No caso das amostras de sangue, deverão ser jogadas nas águas do rio de onde, segundo a lenda, todo o povo surgiu.

    O assunto é bastante polêmico, principalmente entre os cientistas que esperavam poder concluir vários testes com as amostras, desde o mapeamento genético do DNA indígena até a comparação para controle de mutações nas vítimas das bombas atômicas. Mas, além do questionável método empregado para conseguir o material, várias outras questões se colocam na relação entre a ciência e a cultura do povo ianomâmi: o potencial progresso científico pode justificar o desrespeito à vontade soberana de um povo? Caso houvesse alguma descoberta nas células dos ianomâmis que pudesse ser comercialmente explorada, de quem seriam os direitos econômicos da exploração? A crença na ciência tem maior valor que a crença nos mitos da cultura ianomâmi?

    Definitivamente, a ética e a discussão de suas fronteiras continuam em franca expansão...

    segunda-feira, 19 de julho de 2010

    A "justiça econômica"


    Após vários dias de trabalho duro, o cidadão se prepara para viajar com a família em um feriado municipal qualquer. Planeja a viagem, reserva a hospedagem e as passagens com antecedência e lista tudo o que vai precisar — afinal, não é sempre que surge uma oportunidade como essa. Entre as diversas atividades que antecedem o evento, entretanto, o pagamento de uma conta com o vencimento exatamente no dia do feriado passa despercebido, ficando no meio de outras que seriam pagas no dia seguinte à volta. Ao retornar, a desagradável surpresa: multa e juros de mora acrescidos ao valor original. Apesar da chateação, nada mais justo, afinal, o valor extra faz parte de um acordo entre a empresa — que não tem culpa da distração de seu cliente — e o consumidor.

    Mas noutra ocasião, uma empresa debita um certo valor da conta corrente de um cidadão. Alguns dias depois, durante uma verificação de rotina do seu extrato bancário, o titular percebe o débito indevido e liga para reclamar com a empresa responsável. Após vários minutos do seu tempo, muita paciência e alguns números de protocolo depois, a empresa reconhece o erro e informa que o valor será restituído em alguns dias úteis. Então, após quase quinze dias contados a partir do débito, o valor retorna à conta do cidadão, rigorosamente idêntico ao que lhe fora subtraído de forma indevida.

    Injustiças como essa ocorrem inúmeras vezes por dia, com milhões de pessoas e milhares de empresas diferentes, especialmente as de serviço. Na infinita maioria das vezes, o cidadão é lesado e deixa barato, ou melhor, paga para não ter mais um problema para resolver na sua vida. E nessa brincadeira, bilhões de reais são somados de forma absolutamente irregular aos polpudos lucros empresariais. E nenhuma autoridade do país toma qualquer atitude para resolver o problema. Até a Justiça, o último recurso do cidadão, é, quase sempre, ineficiente e omissa. Aliás, atualmente, como é praxe nas empresas campeãs em reclamações, resolve-se, quando muito, somente os problemas registrados nos órgãos competentes, utilizando, assim, o sistema e o dinheiro públicos para benefício do próprio negócio e sem o menor pudor.

    Parece que a "justiça econômica" ainda será a mais justa por muito, muito tempo...


    domingo, 18 de julho de 2010

    A Lâmina de Ouro


    Os metalurgistas sabem que cada material confere propriedades peculiares ao objeto com ele fabricado. Os poetas, também...


    sábado, 17 de julho de 2010

    Sociedade póstuma


    No dia 27 de janeiro de 1756, em Salzburgo, Áustria, nascia um dos maiores compositores de todos os tempos: Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). Apenas cinco anos mais tarde, já tocando piano e violino, começou a compor suas próprias músicas e a se apresentar para a realeza europeia. Tornou-se famoso ainda muito jovem, e acabou sendo nomeado organista da corte de Salzburgo em janeiro de 1779, logo após a morte do predecessor. Embora tivesse sido contratado para servir, diligentemente, a corte e a igreja de Salzburgo, Mozart era relapso com tais obrigações. Sua atitude desafiava o poder estabelecido na sociedade da época, o que acabou por lhe proporcionar uma série de entreveros e nenhuma estabilidade financeira ao longo de toda sua vida. Em dezembro de 1991, morre e deixa a esposa e dois filhos, sendo enterrado em uma vala comum em Viena.

    A genialidade de um artista que compunha já aos cinco anos de idade parece indiscutível. Mas, ao que parece, nem toda sua capacidade artística foi suficiente para superar um problema "banal": viver dignamente na sociedade. Cônscio de seu próprio valor, recusava-se a se adaptar aos padrões da época e esta inadequação acabou por lhe custar bem caro ao longo de sua curta existência. Por outro lado, a decisão de não se sujeitar ao poder da nobreza, proporcionou-lhe a liberdade necessária para que sua genialidade se evidenciasse em toda plenitude. Como bem observa Elias em sua obra, "(...) A ideia de que o 'gênio artístico' pode se manifestar em um vácuo social, sem levar em conta a vida do 'gênio' enquanto ser humano na convivência com os outros, pode parecer convincente se a discussão permanecer num plano muito genérico. Mas, se examinamos casos exemplares, considerando todos os detalhes relevantes, a noção de um artista se desenvolvendo autonomamente no interior de um ser humano perde muito de sua plausibilidade." (Elias, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Zahar. p. 125-6.).

    Sua história mostra que indivíduo e sociedade vivem em um eterno estado de negociação. Se, por um lado, uma espécie de "coerção" social tenta preservar seus membros de perigosos extremismos, por outro, acaba por privá-los de valiosos progressos em determinadas áreas. Se Mozart tivesse se submetido às vontades da nobreza austríaca, talvez sua vida fosse mais confortável, longa e profícua do que foi sob o peso das suas dificuldades financeiras. Neste caso, entretanto, talvez também não legasse à posteridade obras com tão alto nível, até hoje reconhecidas como tal. Gênio que era, optou por não deixar nada menos do que o melhor de si para a mesma sociedade que o preteriu. Talvez soubesse, no íntimo, que a sociedade era muito mais do que os poucos que tentam controlá-la.

    No final, venceu, mesmo que, como tantos outros, não tenha visto isto acontecer.

    sexta-feira, 16 de julho de 2010

    Bueiros mal criados


    Os mais velhos, antigamente, costumavam alertar as crianças para não caminhar sobre as tampas de bueiro espalhadas pela cidade. A sábia orientação se baseava, provavelmente, no risco de algumas delas estarem mal encaixadas ou danificadas, havendo, portanto, o perigo de uma queda nos buracos que tampavam. Além dos eventuais transtornos que a sujeira ou a perda de tempo poderiam causar, havia, claro, toda uma preocupação com respeito à integridade física das crianças, já que a gravidade dos traumas resultantes de uma queda poderiam variar de simples arranhões até a quebra de alguns ossos. O que poucos, entretanto, poderiam imaginar naquela época é que um bueiro fosse capaz de infligir danos físicos a ponto de ameaçar a vida de qualquer pessoa, algo que, por mais absurdo que possa parecer, viria a ocorrer muitos anos mais tarde.

    No Rio de Janeiro, já somam oito as explosões em bueiros ao longo dos últimos seis meses, resultando em danos materiais e ferimentos a várias pessoas. Dois turistas estadunidenses, inclusive, tiveram boa parte do corpo queimado em um dos incidentes, sendo que a mulher, com 80% do corpo queimado, permanece entre a vida e a morte no hospital já há algum tempo. A responsabilidade das instalações subterrâneas parece ser da concessionária de energia elétrica do estado que, em meio à frequência incomum dos acidentes, afirmou manter um planejamento estratégico das ações necessárias para toda a rede de distribuição, tendo mais que dobrado os investimentos previstos para a rede subterrânea neste ano. Agora, na última quarta-feira (14/07/10), o prefeito da cidade convocou os representantes das concessionárias (energia elétrica e gás) para discutir a situação.

    Longe dali, mesmo sem notícias de explosões, São Paulo também foi palco de uma morte causada por outro "bueiro". No início deste ano, uma jovem de 27 anos morreu após ter caído em uma galeria aberta de água pluvial durante um dos temporais que assolaram a cidade no verão passado. A fatalidade, aparentemente casual, poderia ter sido facilmente evitada com uma simples grade de proteção na entrada da galeria. Neste caso, entretanto, muito pouco se falou sobre as responsabilidades do incidente.

    Que nossos avós nos protejam dessas bocas-de-lobo criadas, assim, para ser tão ferozes!


    quinta-feira, 15 de julho de 2010

    O Plano


    "Todos, sem exceção, com quem havia conversado durante a semana anterior, disseram-lhe que não deveria seguir por aquele caminho. Além de extremamente perigoso, não parecia nada coerente com o objetivo que pretendia alcançar. Para alguns, chegou às minúcias de desenhar o esquema montado, enumerando os pontos favoráveis e contrários à sua opção, mas não houve quem lhe apoiasse naquela ideia. Seu plano era por demais mirabolante aos olhos de qualquer um e ninguém conseguia enxergar a oportunidade que ele avistava ali. Mesmo assim, não desistiu e ainda enquanto buscava algum suporte à sua pretensa estratégia de ação, continuou firme na análise e registro de cada uma das etapas pensadas que, vez por outra, ainda buscava aperfeiçoar.

    Naquele dia, voltou mais cedo e começou a repassar ponto a ponto tudo o que planejara fazer. Ao final, colocou as ações em marcha, uma a uma, e foi seguindo à risca seu planejamento prévio. Estava disposto a enfrentar a infinidade de opiniões contrárias que encontrou pelo caminho, bem como as consequências que um eventual fracasso seu poderia proporcionar. Conforme o tempo passava, a cada avanço, ia ganhando mais e mais segurança. Seus olhos faiscavam ante a perspectiva, cada vez mais concreta, de conquistar o objetivo final. Não faltaram, obviamente, imprevistos pelo caminho, mas nada que não conseguisse contornar com a sua determinação.

    Por fim, como desde o início imaginara, concluiu que suas previsões estavam absolutamente corretas. A despeito do percurso tortuoso e arriscado que escolhera, o seu sucesso era a prova final e inconteste de que sempre esteve com a razão. Chegara, finalmente, onde pretendia e o resultado provaria a todos, que não haviam acreditado nele, que suas posições também eram dignas de respeito. Sentia uma satisfação tão grande que seu semblante, ainda tenso, não conseguia disfarçar. Acabava de atingir uma condição jamais experimentada, uma espécie de êxtase...

    Sua mãe, então, chamou-o, da cozinha, para o jantar e exigiu que desligasse o 'videogame' pelo resto da noite.
    "

    quarta-feira, 14 de julho de 2010

    Proibindo a palmada


    Ontem fez vinte anos que a lei 8.069 de 13 de julho de 1990 instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil. A lei foi concebida com base nas diretrizes da atual Constituição Federal de 1988, englobando uma série de normativas internacionais definidas pela Organização das Nações Unidas, antes mesmo de sua vigência se tornar obrigatória. O estatuto trata dos direitos fundamentais das crianças (pessoas de até 12 anos incompletos) e adolescentes (de 13 a 18 anos incompletos), além dos órgãos e procedimentos com eles relacionados. Com a legislação, também foram criados mecanismos de proteção nas áreas de educação, saúde, trabalho e assistência social.

    Por ocasião da data comemorativa, o Executivo anunciou que encaminharia, hoje, um projeto de lei para ser discutido no Congresso Federal, alterando a lei 8.069/1990 de forma a coibir o emprego de quaisquer tipos de castigos físicos (tapas, beliscões, puxões de orelha, etc.) contra crianças e adolescentes, mesmo que para fins pedagógicos. Apelidada de "Lei da Palmada", a alteração visa acabar com o uso da violência física na educação infantil. A ideia não é nova, já que desde 2003 tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2654, de semelhante teor, da Deputada Federal Maria do Rosário, aprovado em caráter conclusivo por todas as comissões, mas que, devido a recursos, aguarda discussão e votação em plenário desde 2006.

    O tema, extremamente polêmico, tem suscitado calorosas discussões entre os favoráveis ao "direito" dos pais baterem em seus próprios filhos e os adeptos da completa ausência de violência na educação infantil. Nos debates, as abordagens percorrem um amplo espectro de questões que vão das estritamente técnicas — se o Estado poderia ou não legislar sobre o assunto, por exemplo — até as de cunho pessoal — como as que envolvem a manutenção de tradições familiares violentas. De modo geral, entretanto, ambos os lados possuem um mesmo objetivo: criar crianças e adolescentes de forma a torná-los adultos melhores para a sociedade. A divergência é apenas com relação ao método mais adequados para se atingir esse objetivo.

    A discussão que se travará no plenário — algo que já deveria ter acontecido, diga-se de passagem — será bastante útil para dirimir os principais pontos discordantes a respeito do problema. Mesmo porque, ainda que a violência, de maneira geral, seja considerada danosa à formação do indivíduo pela maioria dos especialistas, nacionais e internacionais, não se pode deixar de levar em conta, também, os efeitos que a implementação dessas alterações causará em boa parte da sociedade, já que, infelizmente, ainda há muita gente que não conheça outra forma de educação sem o uso da agressão física (ou psicológica). Assim, a criação de mecanismos eficientes e acessíveis a que os pais possam recorrer quando em face de situações limites no decorrer da educação de seus filhos pode ser tão necessário quanto apenas puni-los pelo uso de "violência moderada".

    A polêmica não deve amainar tão cedo, afinal, como Mahatma Gandhi deve ter percebido ao longo da vida, embora plenamente possível, mudar certos padrões sociais de pensamento não é algo, assim, tão trivial.


    terça-feira, 13 de julho de 2010

    A Revolução Constitucionalista IV


    Com o gradativo desabastecimento do estado, ocasionado pelo bloqueio de suas fronteiras, a situação das tropas revolucionárias começou a se tornar insustentável. Os paulistas tentaram adquirir armamentos e munição nos EUA, mas o navio que transportava o carregamento foi apreendido pela Marinha do Brasil. O governo federal, além do cerco militar e fronteiriço, bloqueou o porto de Santos, infiltrou diversos agentes entre a população — a fim de desanimá-la — e promoveu uma pesada campanha de difamação do movimento em todo país, atribuindo, inclusive, o caráter separatista da revolução que é, por vezes, mencionado.

    Sem saída, o estado de São Paulo se viu obrigado a utilizar todos os recursos internos de que dispunha. Com lastro no ouro que havia sido doado pela população em favor da revolução, o estado criou uma moeda própria (que também foi falsificada e distribuída entre o povo pela ditadura) e desenvolveu, com a ajuda dos engenheiros da Escola Politécnica do Estado e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), muitos de seus equipamentos bélicos, entre eles, a "matraca", um dispositivo capaz de simular o som das metralhadoras. Os revolucionários, no entanto, só puderam resistir às tropas federais até o dia 2 de outubro daquele mesmo ano quando, com a rendição dos homens da Força Pública Paulista, a liderança do movimento acaba se rendendo.

    Depois da revolução, o estado voltou a ser governado por paulistas, e, dois anos mais tarde, uma nova constituição foi promulgada. Para os partidários do Governo Provisório, a Revolução Constitucionalista de 1932 foi uma tentativa de trazer a oligarquia cafeeira de volta ao poder do estado, uma vez que as duas principais reivindicações de São Paulo já haviam sido atendidas por Getúlio Vargas — a nomeação de um interventor paulista e a convocação para as eleições de uma assembleia constituinte. Já para os revolucionários, se a revolução não tivesse ocorrido, a nova constituição brasileira jamais teria sido promulgada em 1934.

    Para o proletariado paulista... Bem... Restou, ao menos, o feriado na data cívica.

    segunda-feira, 12 de julho de 2010

    A Revolução Constitucionalista III


    Estabelecido no poder pela Revolução de 1930, Getúlio Vargas, então, dissolve os corpos legislativos em todos os níveis — federal, estadual e municipal —, nomeando interventores para todos os estados da federação, exceto para Minas Gerais. Tais medidas acirram ainda mais os ânimos em São Paulo e frustra, de vez, os planos do Partido Democrático — que havia apoiado a candidatura de Getúlio Vargas — de assumir o poder no lugar dos republicanos. Com toda elite paulista ferida em seus brios, ambos os partidos decidem se unir para derrubar o Governo Provisório e promulgar uma nova constituição brasileira. Iniciava-se, aí, a campanha que culminaria, finalmente, na Revolução Constitucionalista de 1932.

    A morte de cinco jovens, no centro de São Paulo, assassinados por partidários da ditadura, no dia 23 de maio de 1932, foi o estopim da revolta paulista. Seguiu-se a criação do MMDC, ou MMDCA (Martins, Miragaia, Dráusio, Camargo e Alvarenga, iniciais dos nomes dos jovens mortos), ao redor do qual se uniriam praticamente todos os setores da sociedade paulista. A intensa propaganda dos revolucionários recorre, novamente, ao povo em busca de suporte (humano e financeiro) para o movimento armado que se tramava contra o governo federal. Assim, unidos todos — inclusive a maçonaria paulista — em torno de um mesmo ideal constitucionalista, a revolução eclode, em 9 de julho de 1932, alçando Pedro Manuel de Toledo, o então interventor federal, como governador do estado de São Paulo.

    A estratégia paulista, que até então contava com o apoio de outros três estados — Minas Gerais, Rio Grande do Sul e o sul de Mato Grosso —, enfraquece-se com o recuo de todos, à exceção dos sul-mato-grossenses, deixando as tropas revolucionarias sós para enfrentar as fileiras federais. O interventor gaúcho, que contava com o exército mais bem armado da federação, não apenas deixou de enviar as tropas para apoiar os revolucionários, como também se uniu às forças federais para sufocar a revolução. Cerca de 200.000 voluntários chegaram a se alistar na Junta Revolucionária, sendo que por volta de 60.000 combateram nas fileiras do exército constitucionalista. Mesmo com um grande número de combatentes, sem o apoio esperado, os flancos desguarnecidos foram ocupados pelos homens de Getúlio, cercando, econômica e militarmente, os revolucionários paulistas.

    O fim era só uma questão de tempo...

    domingo, 11 de julho de 2010

    Haikai Revolucionário



    E já que se está falando sobre lutas e revoluções, poetizemo-las, então, ao falar de um exemplo sui generis. Terra natal do saudoso Karol Józef Wojtyła que se tornaria João Paulo II, o papa mais popular de nossos tempos, do Nobel da Paz, Lech Wałęsa, além de outros nomes de destaque no cenário internacional, a Polônia foi palco de inúmeros conflitos ao longo de toda sua história. Assemelhado a uma fênix, o povo polonês — massacrado, subjugado, perseguido e maltratado tantas vezes por tantas nações diferentes — continua firme, contagiando com sua alegria quem tem contato com eles. Muitos dos monumentos urbanos — como um na cidade de Poznań, no qual um militar e um civil aparecem, lado a lado, lutando para romper barreiras — relembram o sofrido passado e a responsabilidade de todos na luta por um futuro melhor.


    sábado, 10 de julho de 2010

    A Revolução Constitucionalista II


    Quando, então, em 1929, a oligarquia paulista quebra o pacto de alternância de poder com os mineiros (a chamada República do Café com Leite), apoiando, com a salvaguarda de 17 outros estados da federação, o paulista Júlio Prestes na sucessão do também paulista Washington Luís, a reação é rápida e Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba se juntam para formar a Aliança Liberal, lançando Getúlio Vargas à Presidência da República. Sua candidatura também contava com o apoio do Partido Democrático de São Paulo, interessado em remover o Partido Republicano Paulista do poder. Neste ponto, o Partido Democrático e seus agregados não só retiram o apoio que vinham dando ao BOC, como também passam a acusar os republicanos de lenientes com relação à "ameaça" comunista que "assombrava" o país.

    O resultado seria a Revolução de 1930, quando, após Júlio Prestes vencer as eleições com mais de 90% dos votos, em 17 estados e no Distrito Federal, a ala mais radical da Aliança Liberal se revolta, pega em armas, assume o comando dos três estados (MG, RS e PB) e marcha para a capital federal. No dia 24 de outubro de 1930, o golpe militar, liderado por comandantes do Rio de Janeiro, depõe Washington Luís, exila Júlio Prestes, antes de sua posse, e coloca Getúlio Vargas como chefe do Governo Provisório. Tão logo assume o cargo, Getúlio não só começa a empreender uma verdadeira caçada aos comunistas (entre eles, diversos ativistas do movimento sindical), como também aumenta, sobremaneira, e consolida os mecanismos de repressão e controle dos movimentos operários.

    Para se ter uma ideia, "com o objetivo de aprimorar o aparelho repressivo, uma das primeiras providências do 'revolucionário' Batista Luzardo, novo chefe de polícia do Rio de Janeiro, foi a contratação, em março de 1931, de dois técnicos do Departamento de Polícia de Nova Iorque, a fim de organizar, no Brasil, um 'serviço especial de repressão ao comunismo', nos moldes do existente nos Estados Unidos." (Tronca, I. Revolução de 1930: a dominação oculta. São Paulo: Brasiliense, 1990. 7 ed. p. 92). Não obstante o reconhecimento dos sindicatos pelo Estado como legítimos representantes da classe trabalhadora, as leis impostas pelo governo de Getúlio Vargas descaracterizaram completamente o movimento sindical e afastaram os líderes mais combatentes, em sua maioria estrangeiros, da direção dessas instituições.

    Pronto, aniquilado o problema do proletariado, as elites estavam de volta à cena política para disputarem, entre si, seus quinhões de poder, culminando na Revolução Constitucionalista de 1932.


    sexta-feira, 9 de julho de 2010

    A Revolução Constitucionalista I


    Hoje se comemora a Revolução Constitucionalista de 1932, movimento armado ocorrido no estado de São Paulo, que tinha por objetivo derrubar o Governo Provisório (a ditadura) do gaúcho Getúlio Vargas e promulgar uma nova constituição para o Brasil. Orgulho do povo paulista, o Nove de Julho é a data cívica mais importante de sua história, sendo feriado estadual. O episódio marca o início do violento conflito entre as forças paulistas e as tropas federais, durante o conturbado período entre o final da República Velha (1889-1930) e o início da República nova no país. Por detrás dos nobres ideais ostentados pelos revolucionários, entretanto, esconde-se, uma desigual luta de classes — ou, entre o capital e o trabalho, como preferem alguns — que, obviamente, passa à margem dos fatos históricos destacados na historiografia oficial.

    Tudo começa um pouco antes da Revolução de 1930, no final dos anos 1920. São Paulo já era um dos estados economicamente mais poderosos da federação e, além da oligarquia agrária — dona do poder político —, ostentava também uma florescente elite urbana e industrial que já não mais aceitava se submeter, passivamente, ao poder político dos coronéis do café. Paralelamente, no cenário nacional, crescia, nas principais cidades brasileiras, a mobilização do operariado na busca por condições mais dignas de trabalho, ao mesmo tempo que, no mundo, os movimentos comunistas e socialistas iam ganhando força, incentivados principalmente pelo sucesso obtido na Revolução Russa de 1917.

    Ao longo desses anos que precederam a Revolução de 1930, o Partido Comunista do Brasil (PCB), fundado em 1922, rezando à risca a cartilha da Internacional Comunista, passou a empreender uma ampla campanha para arregimentar apoio e formar uma frente única, com o propósito de ganhar força e conseguir participar ativamente da vida política no país — no campo de batalha parlamentar. Apoiados pelo Partido Democrático, que se opunha ao governo de Washington Luís, sua estratégia acabou por sufocar os movimentos operários dissidentes no interior dos sindicatos, especialmente o dos anarco-sindicalistas que não reconheciam a autoridade da direção do partido, e conseguiu o apoio do campesinato — formando o Bloco Operário e Camponês (BOC). Assim, segundo Tronca, o proletariado, com a colaboração do próprio PCB, caía na mais ardilosa armadilha criada pelas elites para sufocar a luta de classes que emergia no Brasil dos anos 1930 (Tronca, Ítalo. Revolução de 1930: a dominação oculta. São Paulo: Brasiliense, 1990. 7 ed.).

    Mas esses seriam apenas os primeiros movimentos no xadrez político que se iniciara...

    quinta-feira, 8 de julho de 2010

    Esperança Imune


    Em meio a um sem-número de bizarrices sendo noticiadas pela imprensa nos últimos dias, uma pequena nota dava conta da primeira grande descoberta em mais de trinta anos de pesquisas sobre a AIDS: a identificação de anticorpos capazes de neutralizar cerca de 90% das cepas, ou linhagens virais, conhecidas do HIV. Naturalmente produzidos pelo organismo de um afro-americano de 60 anos, esses anticorpos foram estudados por cientistas do Centro de Pesquisas em Vacinas do National Institute of Health, EUA, que tentam, agora, compreender melhor o mecanismo responsável pela neutralização do vírus. Segundo os autores do artigo publicado na revista Science, trata-se do primeiro resultado realmente animador na direção do desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a doença que atinge mais de 33 milhões de pessoas ao redor do mundo. Todas as outras tentativas na mesma linha, realizadas nos EUA e na Tailândia, mal chegaram a 40% de eficácia.

    Aparentemente, os novos anticorpos identificados, VRC01 e VRC02, acessam uma região invariável do envelope viral de uma maneira que imita, parcialmente, a interação entre o receptor CD4 e a glicoproteína gp120 do vírus (Wu, Xueling et al. Rational design of envelope identifies broadly neutralizing human monoclonal antibodies to HIV-1. Sciencexpress, July 8th, 2010. p. 3.). Em outras palavras, os anticorpos em questão se aderem ao vírus justamente na chave química que ele utiliza para adentrar os linfócitos e iniciar seu ciclo de replicação. Este fato explicaria o amplo espectro de mutações que o VRC01 e o VRC02, em conjunto, são capazes de neutralizar.

    A nova técnica usada pelos cientistas para isolar os anticorpos é bastante similar àquelas empregadas nos estudos com o vírus influenza — tal como o HIV, também com alto índice de mutação. O Dr. Gary Nabel, diretor do Centro de Pesquisa em Vacinas, e sua equipe vasculharam cerca de 25 milhões de células somáticas para isolar apenas 12 capazes de produzir os anticorpos. Segundo o The Wall Street Journal, o doador imune, infectado pelo vírus, viveu mais de 20 anos sem desenvolver a síndrome, antes que fosse diagnosticado como soropositivo. Por este motivo, os cientistas acreditam ser possível estimular a produção do VRC01 e do VRC02 no organismo de outros seres humanos. O atual desafio, e objetivo prioritário nos próximos estudos, consiste no desenvolvimento de um processo viável capaz dessa proeza.

    Nessa fabulosa odisseia, entretanto, há pelo menos dois detalhes, aparentemente irrelevantes, que merecem destaque especial. O primeiro se refere à atitude de um cidadão comum em doar (e não vender, licenciar, etc.) suas células para estudos. O segundo é que, mesmo nos EUA, baluarte do capitalismo moderno, foi um órgão governamental de pesquisas quem deu um passo tão importante na direção da descoberta de uma vacina viável contra a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida humana (AIDS) e não algum representante da milhonária indústria farmacêutica. Detalhes tão mínimos podem significar tudo, ou nada.

    E isso sempre fica a critério de cada um...


    quarta-feira, 7 de julho de 2010

    Inversões Científicas


    Quem não fugiu das aulas de ciências na escola deve se lembrar da variação de temperatura segundo a altitude — quanto mais alto, mais frio. E mesmo os que detestavam a disciplina devem saber ao menos, quase instintivamente, que a média de temperaturas em uma cidade no alto da serra — como Campos do Jordão no interior paulista — costuma ser menor do que uma cidade litorânea em uma latitude similar — como Santos, por exemplo, também no litoral do estado de São Paulo. Isto se deve, em grande parte, ao efeito da pressão atmosférica que é maior no nível do mar — recordando: para um volume de ar constante, a pressão é diretamente proporcional à temperatura (P=T·cte), ou seja, quanto maior a pressão (mais baixo), maior deve ser a temperatura. Bom seria se tudo fosse, assim, simples como a equação dos gases ideais...

    Ironias à parte, a variação da temperatura com a altitude é a base de um fenômeno atmosférico comum no inverno paulistano: a inversão térmica. Ela ocorre quando uma camada de ar quente fica acima de outra, mais fria, próxima à superfície terrestre, impedindo a convecção natural que dispersa os poluentes, infelizmente, tão comuns às grandes cidades. O problema, a princípio, pode ocorrer em qualquer época do ano, mas é agravado — e, portanto, mais percebido — durante o inverno por causa das estiagens prolongadas. Assim, altas concentrações de monóxido e dióxido de carbono, enxofre, ozônio, poeira e uma infinidade de outras substâncias tóxicas transformam a vida de milhares de pessoas em um pesadelo alérgico, aumentando sobremaneira as internações e mortes por complicações respiratórias.

    Quem teve a oportunidade de voar, hoje, pelo céu de São Paulo, pôde ver uma espessa camada de poluição cobrindo toda a cidade, assustadoramente escura e densa. Uma clara — ou, com perdão do trocadilho, escura — visão do que vai pulmão adentro dos milhares de pessoas nestes dias. E enquanto São Pedro não resolve dar aquela necessária enxaguada celestial, talvez fosse o momento de refletir no que vem sendo feito para, pelo menos, minimizar o problema. Definitivamente, o problema não vai se resolver com o contínuo aumento da frota de veículos automotores à combustão rodando por aí, nem com a diminuição das áreas verdes nos centros urbanos para a construção de belíssimas avenidas asfaltadas cujo tráfego é saturado tão logo são inauguradas — quanto menor a área verde disponível, menor a umidade próxima ao solo e mais rápido é o resfriamento da camada de ar adjacente, aumentando a probabilidade de ocorrência da inversão térmica.

    Por outro lado, talvez o fato de São Paulo, até hoje, não possuir uma linha férrea interligando os três principais aeroportos do estado, por exemplo, tenha seu lado pró-ambiental, afinal, um único avião em uma única viagem pode lançar mais poluentes na atmosfera do que o uso anual de qualquer veículo automotor à combustão altamente poluente. Não fossem o deficit logístico histórico e os altos pedágios das exemplares vias paulistas, talvez o acréscimo gerado no setor aéreo — e na economia, em geral — tivesse produzido maiores danos ambientais ainda.

    Notou como há coisas muito mais difíceis de se entender — e de explicar — do que a matéria das saudosas aulas de ciência sobre a termodinâmica dos gases perfeitos e suas consequências meteorológicas? O conceito de sustentabilidade é um exemplo típico disso!

    terça-feira, 6 de julho de 2010

    Organizando a Anarquia


    Um amigo no trabalho contava que, certo dia, estava conversando com alguns amigos sobre política. Todos, entre si, reclamavam do diretório de um partido político na cidade que parecia não corresponder nem à ética, nem à responsabilidade social nas quais se fundava a filosofia da diretiva nacional. Após alguns minutos de conversa, chegaram à conclusão de que eram em número suficiente para assumir, eles mesmos, o diretório e resolver os problemas sobre os quais reclamavam. Assim foi feito e, tão logo assumiram a diretoria, foram, gradualmente, restabelecendo a credibilidade e a força daquela regional, resistindo, inclusive, às interferências políticas do diretório estadual que desejava impor o nome do presidente naquela região. Mesmo politicamente fortes, ao ponto de impedir a arbitrária nomeação, nenhum deles, curiosamente, era afeito ao poder preferiram chegar a um consenso sobre o nome a ser apoiado.

    Em outra ocasião, anterior e sem relação com a primeira, este mesmo amigo dissera que era adepto do anarquismo, o que causou um certo estranhamento em quem o escutava — a ignorância costuma gerar esse tipo de reação. Boa parte da surpresa sobre aquela afirmação, claro, vinha do desconhecimento a respeito do que é o anarquismo. Como há quase nenhum interesse na conscientização política dos cidadãos, a anarquia acabou se tornando, para o senso comum, sinônimo de desordem, bagunça ou confusão. O anarquismo, entretanto, é um sistema político, de fato, que se baseia no princípio da negação de autoridade, priorizando a total autonomia, liberdade e independência dos indivíduos. Em uma sociedade anárquica, não existiria um governo que imponha, pela força, as obrigações a serem cumpridas, sendo que a ordem e as necessidades se dariam por instituições organizadas voluntariamente. Seria uma espécie de federalismo que — nas palavras de A Plebe, um antigo jornal anarquista de São Paulo — "é a doutrina que, ao contrário do Centralismo dos políticos e dos soitanas (referência ao clero), congrega homens diversos em organismos ou sociedades, sem perda de sua autonomia individual, congrega organismos ou sociedades na federação, sem perda da autonomia societária, congrega ainda as federações nas confederações e estas nas internacionais, mas tendo impoluta a autonomia em toda a sua plenitude" (A Plebe, São Paulo: 23/07/1927 apud Tronca, 1990).

    O anarquismo, com raízes ainda na escola grega de filosofia, teve, entre seus pensadores, nomes como o do russo Mikhail Bakunin e do francês Pierre-Joseph Proudhom. Experiências anárquicas — aparentemente utópicas — surgiram em bem poucas localidades e durante muito pouco tempo. O exemplo mais relevante talvez seja o da Comuna de Paris (1871), um "governo" revolucionário instaurado na cidade de Paris em meio a guerra franco-prussiana. Este acontecimento, tão superficialmente mencionado nos livros oficiais de história, resistiu de março a maio de 1871 sob constante ataque de ambos os exércitos, o francês e o prussiano. Mesmo tendo, os "communards", estabelecido como primeiro decreto a abolição do serviço militar obrigatório, os membros daquela sociedade anárquica se mobilizaram, voluntariamente, em prol do objetivo comum, sendo detidos apenas pela imposição de um massacre promovido pelo exército francês auxiliado pelo prussiano.

    Com tudo isso, fica fácil entender o porquê de nenhum daqueles amigos desejarem ocupar a presidência do diretório regional...

    segunda-feira, 5 de julho de 2010

    A poesia de João Cabral


    Hoje, em algum lugar da capital mineira, um pequeno grupo de estudiosos e interessados em literatura se encontraram para falar sobre poesia. Não era a primeira vez, sendo que nas oportunidades anteriores já haviam discutido outros grandes nomes da poesia brasileira como Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. O poeta da vez era o pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999), conhecido como o "poeta da razão" ou o "poeta do concreto". A apresentação, intitulada de "João Cabral Para Mulheres", que se seguiu, entretanto, versava sobre uma faceta pouco conhecida do poeta, mas tão evidente em alguns de seus trabalhos que chega a ser estranho a rara menção da característica. Trata-se do seu lado sensual, musical, especialmente quando escrevia sobre as mulheres.

    João Cabral nasceu em Recife no dia 9 de janeiro de 1920, mas passou parte de sua infância em meio aos engenhos de açúcar no interior pernambucano. De volta a Recife, com a família, inicia seu curso primário no Colégio Marista e passa a jogar futebol — uma de suas paixões — tornando-se campeão juvenil, aos 15 anos de idade, pelo Santa Cruz Futebol Clube. Aparentado de eminentes personalidades como Gilberto Freyre e Manuel Bandeira, já aos 18 anos, João Cabral começa a frequentar as rodas literárias da cidade. Em 1940, viaja para o Rio de Janeiro onde conhece Carlos Drummond de Andrade e outros intelectuais. Publica seu primeiro livro, Pedra do Sono, em 1942 e quatro anos mais tarde ingressa na carreira diplomática. A partir daí, João Cabral viaja o mundo, sempre acompanhado de suas memórias nordestinas e sua infindável dor de cabeça. Entre seus principais trabalhos, Morte e Vida Severina (1955) talvez seja o mais conhecido, tendo sido, inclusive, adaptado para o teatro e televisão. Em meados de 1969, ingressa na Academia Brasileira de Letras na cadeira de Assis Chateubriand, mas continua vivendo fora do Brasil até que, em 1990, aposenta-se como embaixador. Falece nove anos depois, no dia 9 de setembro, tendo acumulado ao longo da vida inúmeros prêmios, inclusive o Jabuti e o Luís de Camões, e condecorações.

    De sua vasta obra, foram escolhidos, para a apresentação, o texto Os três mal amados e as poesias: Catar feijão, O ovo de galinha, Uma faca só lâmina ou Serventia das ideias fixas, Dois estudos, A mulher e a casa, Paisagem pelo telefone, Jogos frutais e Tecendo a manhã. Há, em cada um, algo único da genialidade de João Cabral de Melo Neto que, não por acaso, foi, quando vivo, o nome brasileiro mais bem cotado para ganhar um Nobel de Literatura. Surpreenda-se com o viés social de Tecendo a manhã ou aprenda as similaridades entre uma mulher e uma casa, em A mulher e a casa, ou uma mulher e as várias frutas, em Jogos Frutais. Mas deixemos esses como isca à curiosidade do leitor ou da leitora e apresentemos aquele que, talvez, melhor reflita o pensamento de Cabral sobre a arte de poetar...

    Catar Feijão
    João Cabral de Melo Neto

    Catar feijão se limita com escrever:
    jogam-se os grãos na água do alguidar
    e as palavras na da folha de papel;
    e depois, joga-se fora o que boiar.
    Certo, toda palavra boiará no papel,
    água congelada, por chumbo seu verbo:
    pois para catar esse feijão, soprar nele,
    e jogar fora o leve e oco, palha e eco.


    2

    Ora, nesse catar feijão entra um risco:
    o de que entre os grão pesados entre
    um grão qualquer, pedra ou indigesto,
    um grão imastigável, de quebrar dente.
    Certo não, quando ao catar palavras:
    a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
    obstrui a leitura fluviante, flutual,
    açula a atenção, isca-a com o risco.

    domingo, 4 de julho de 2010

    O Tempo e o Templo


    Entre tudo o que surpreende na vida, está a forma como certas coisas se dão ao longo do tempo. Às vezes, é necessário que tudo o mais desvaneça para que se possa enxergar algo que, apesar de estar sempre ali, nunca fora percebido. E depois, mesmo tomado conhecimento do novo elemento, pode ser que muito pouco ou nada se altere no todo, a depender da ação que for escolhida — se é que existirá alguma a ser tomada. É um dos mistérios poéticos da existência...


    sábado, 3 de julho de 2010

    "Origami"


    O "origami" é uma tradicional forma de arte japonesa que remonta ao século XVII, no período Edo, e consiste na dobradura do papel com o objetivo de formar diferentes representações de plantas, objetos, animais, etc. No princípio, como outras tradições ancestrais, não havia registro das instruções de como fazer as dobraduras, tendo sido passadas oralmente de geração em geração. Com o tempo, a arte se popularizou — principalmente com a redução no preço do papel — e acabou ganhando adeptos dentro e fora do Japão. Hoje, ensinado até em algumas escolas primárias, o "origami" teve várias de suas técnicas aprimoradas, tornando-se acessível a, virtualmente, qualquer pessoa. Integra o rico conjunto de sabedoria popular japonesa, sendo, inclusive, mencionado em lendas e histórias reais, tal como no exemplo seguinte.

    No dia 6 de agosto de 1945, um avião militar dos Estados Unidos da América lançava sobre a cidade de Hiroshima, no Japão, uma das duas únicas bombas atômicas utilizadas contra seres humanos na história do planeta Terra — a outra foi lançada por outro avião estadunidense, três dias depois, sobre a cidade de Nagasaki, no mesmo país. Dez anos mais tarde, uma garota visitava sua melhor amiga, Sadako Sasaki, internada no hospital devido a complicações médicas causadas pela radioatividade daquela explosão. Sadako, com apenas dois anos de idade no momento do ataque, havia sobrevivido mesmo estando somente a cerca de 2 km do ponto-zero, na ponte Misasa. Durante a visita, sua amiga fez um "tsuru" com uma folha de papel dourado e a presenteou, contando-lhe a lenda japonesa na qual dizia ser concedido um desejo à pessoa que fizesse mil dobraduras como aquela. Desde então, Sadako passou a fazer aquele "origami" em todos os momentos livres de que dispunha no hospital, sempre com o mesmo pedido: recuperar-se e ter uma vida normal como as demais crianças. Mas, no dia 25 de outubro daquele mesmo ano, aos 12 anos de idade, Sadako faleceu sem conseguir terminar todas as dobraduras. Posteriormente, seus amigos se encarregaram de terminar as que faltavam, enterrando-as com ela.

    Mas a despeito da história com um final tão triste, o "tsuru" simboliza a felicidade, a riqueza, a amizade e a longevidade. Recebê-lo de alguém é um sinal de profunda estima e consideração. A figura apresentada no final do texto mostra, passo-a-passo, como fazer a dobradura. Para quem nunca fez um "origami", a dica é que as linhas pontilhadas são dobras intermediárias e servem como marcas para a dobra final.

    Fica a questão se os mil "tsurus" poderão ser feitos amanhã, durante a comemoração do 4 de julho...


    sexta-feira, 2 de julho de 2010

    Equilíbrio


    Um aquário é um mini-ecossistema que, tal como o globo terrestre, deve funcionar em perfeito equilíbrio. Perfeito, na realidade, talvez seja um termo um tanto inadequado para um ambiente tão reduzido. Não há como mantê-lo perfeitamente equilibrado porque sempre há trocas com o meio externo: ar, comida, água, etc. Mas, na medida do possível, o aquário deveria sempre fechar um ciclo completo de transformações, no qual os resíduos dos peixes possam servir como fonte de nutrientes para as plantas e o resíduo metabólico destas, como elementos úteis aos peixes. Traduzindo em miúdos, os peixes respiram e se alimentam, excretando compostos orgânicos e nitrogenados os quais fertilizam as plantas que, por sua vez, crescem, absorvendo da água o gás carbônico e compostos nitrogenados (tóxicos aos animais), liberando, por fim, parte do oxigênio consumido pelos peixes.

    Há nessa equação, entretanto, algumas variáveis que desequilibram o sistema e outras extremamente difíceis de balancear. Algas, por exemplo, usualmente não só prejudicam a beleza do aquário, como alguns tipos podem matar plantas (por sufocamento) e peixes (por intoxicação). Virus e bactérias diversas, também, têm efeito catastrófico em um ambiente tão pequeno. Já com relação ao balanceamento, não há como saber, por exemplo, se a quantidade de gás carbônico produzido pela respiração dos peixes é exatamente a necessária para o bom crescimento das plantas, já que sua dinâmica depende também da presença de outros elementos como ferro, molibdênio, etc. Some-se a tudo isso um rígido controle de pH (acidez, neutralidade ou alcalinidade da água), da iluminação e da temperatura.

    Contudo, todo trabalho desenvolvido na manutenção do aquário é o que proporciona uma infinidade de lições ainda a serem aprendidas por cada um de nós. Com um pouco de atenção, pode-se perceber a constante lição de responsabilidade, humildade e respeito que é ensinada em cada etapa — responsabilidade porque a vida (ou a morte) não espera; humildade porque é a própria pessoa quem usualmente executa as tarefas, conscientizando-se das próprias limitações; e respeito porque não há como um ser humano, no mais profundo significado do termo, não se encantar e se surpreender com a manifestação da vida em sua plenitude naquele pequeno espaço. E mesmo quando se falha em manter o mini-ambiente saudável, extrai-se valiosas lições sobre o quão danoso um desequilíbrio mínimo pode ser para todo o ecossistema — algo que não parece muito crível para várias pessoas, mesmo sabendo que, no caso da Terra, seríamos nós os peixes a perecer.

    Há quem diga, também, que as tarefas proporcionam um verdadeiro estado de meditação, antes, durante e depois do aquário equilibrado, mas isto já é uma outra história...

    quinta-feira, 1 de julho de 2010

    O Encontro


    "Ajeitou a camisa e se olhou no espelho como que por reflexo, já que sequer notou a mancha de creme dental no colarinho. Dirigiu-se apressado para a porta. Já estava atrasado e não poderia mais adiar aquele encontro, afinal, era a terceira vez que o remarcava e não saberia como fazê-lo mais uma vez. Havia algum tempo que vinha adiando o momento repetidamente. Pensara durante toda a noite nas ocasiões anteriores e chegara à conclusão de que se tratava de uma espécie de auto-boicote. Evidentemente, não era algo perceptível no nível da consciência, mas bastou uma única e corajosa reflexão para entender todo o mecanismo: o inesperado incidente com o carro, a hora-extra no trabalho e até aquela batida policial na qual foi parado... Tudo, agora, fazia sentido.

    Calçou os sapatos, colocou os objetos pessoais no bolso, bateu a porta e quis trancá-la tão rápido que a chave travou na fechadura. Após algumas tentativas infrutíferas de soltá-la, usou a blusa que carregava nas mãos como proteção e tentou girar com toda a força que dispunha, ao que a chave acabou se quebrando. Verificou a maçaneta e notou que a porta, pelo menos, estava trancada. Guardou o pedaço da chave no bolso e correu para a garagem, pensando que após consumado o encontro resolveria aquilo, nem que precisasse passar a noite na casa de algum conhecido. Estava decidido a não deixar que nada o impedisse de cumprir com sua palavra novamente.

    Deu-se por falta da chave do carro apenas quando nele chegou. Revirou a carteira, os bolsos, mas nada; a chave do carro havia, provavelmente, ficado no seu mais costumeiro lugar, ou seja, sobre o aparador da sala-de-estar. Começou a desesperar-se com o exíguo tempo disponível. Pensou em várias possibilidades de como entrar novamente na residência, mas não encontrou nada que fosse viável em tão curto período. Correu, então, para a rua em busca do primeiro transporte que encontrasse e viu o ônibus virar a esquina. Procurou por um táxi, mas não havia sinal deles em nenhuma das ruas do quarteirão. Sentou-se, por fim, no meio-fio, sacou o celular e ligou para desmarcar o encontro pela quarta vez.

    Alguns minutos depois, um chaveiro conhecido apontava ao final da rua...
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