sábado, 17 de julho de 2010

Sociedade póstuma


No dia 27 de janeiro de 1756, em Salzburgo, Áustria, nascia um dos maiores compositores de todos os tempos: Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791). Apenas cinco anos mais tarde, já tocando piano e violino, começou a compor suas próprias músicas e a se apresentar para a realeza europeia. Tornou-se famoso ainda muito jovem, e acabou sendo nomeado organista da corte de Salzburgo em janeiro de 1779, logo após a morte do predecessor. Embora tivesse sido contratado para servir, diligentemente, a corte e a igreja de Salzburgo, Mozart era relapso com tais obrigações. Sua atitude desafiava o poder estabelecido na sociedade da época, o que acabou por lhe proporcionar uma série de entreveros e nenhuma estabilidade financeira ao longo de toda sua vida. Em dezembro de 1991, morre e deixa a esposa e dois filhos, sendo enterrado em uma vala comum em Viena.

A genialidade de um artista que compunha já aos cinco anos de idade parece indiscutível. Mas, ao que parece, nem toda sua capacidade artística foi suficiente para superar um problema "banal": viver dignamente na sociedade. Cônscio de seu próprio valor, recusava-se a se adaptar aos padrões da época e esta inadequação acabou por lhe custar bem caro ao longo de sua curta existência. Por outro lado, a decisão de não se sujeitar ao poder da nobreza, proporcionou-lhe a liberdade necessária para que sua genialidade se evidenciasse em toda plenitude. Como bem observa Elias em sua obra, "(...) A ideia de que o 'gênio artístico' pode se manifestar em um vácuo social, sem levar em conta a vida do 'gênio' enquanto ser humano na convivência com os outros, pode parecer convincente se a discussão permanecer num plano muito genérico. Mas, se examinamos casos exemplares, considerando todos os detalhes relevantes, a noção de um artista se desenvolvendo autonomamente no interior de um ser humano perde muito de sua plausibilidade." (Elias, Norbert. Mozart: sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Zahar. p. 125-6.).

Sua história mostra que indivíduo e sociedade vivem em um eterno estado de negociação. Se, por um lado, uma espécie de "coerção" social tenta preservar seus membros de perigosos extremismos, por outro, acaba por privá-los de valiosos progressos em determinadas áreas. Se Mozart tivesse se submetido às vontades da nobreza austríaca, talvez sua vida fosse mais confortável, longa e profícua do que foi sob o peso das suas dificuldades financeiras. Neste caso, entretanto, talvez também não legasse à posteridade obras com tão alto nível, até hoje reconhecidas como tal. Gênio que era, optou por não deixar nada menos do que o melhor de si para a mesma sociedade que o preteriu. Talvez soubesse, no íntimo, que a sociedade era muito mais do que os poucos que tentam controlá-la.

No final, venceu, mesmo que, como tantos outros, não tenha visto isto acontecer.

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