Ainda nos domínios do português, talvez valha a pena mencionar um interessante episódio "linguístico" para ilustrar um tipo de atitude muito comum, especialmente entre pessoas com inteligência um pouco acima da média. O caso se refere a uma expressão bastante usada antigamente, mas que tem sido preterida desde o momento em que alguém apontou, nela, um suposto erro de lógica. Trata-se da expressão "risco de vida" que, à primeira vista, parece, de fato, absolutamente equivocada. Afinal, corre-se o risco é de morrer e não de viver. Acontece que a expressão, segundo o Prof. Dr. Cláudio Moreno, já era usada há tempos na forma elíptica (elipse: figura de estilo que consiste na supressão de um termo facilmente subentendido), "risco de perder a vida", inclusive por renomados e consagrados escritores como Machado de Assis e Eça de Queirós. Além da aula de português, o professor ainda encerra seu artigo com um trecho que enseja outra reflexão:
"(...) A língua não pode estar submetida à lógica porque é incomensuravelmente maior do que ela, já que lhe cabe também exprimir as emoções, as fantasias, as incertezas e as ambiguidades que recheiam o animal humano. O Português atual, portanto, é o produto dessa riquíssima mistura, sedimentada ao longo de séculos de uso e aprovada por esse plebiscito gigantesco de novecentos anos, que deve ser ouvido com respeito e não pode ser alterado por deduções arrogantes e superficiais." (Prof. Dr. Cláudio Moreno)
Quiçá involuntariamente, Moreno, em sua análise, acaba chamando a atenção de seus leitores para algo que vai muito além de um mero embaraço linguístico. Além da arrogância intelectual de quem condenou o "risco de vida", há ainda o fato da lógica e da razão, apesar de essenciais ao ser humano, não poderem nunca, por definição, abranger todo o universo de coisas que experimentamos, por mais que isto fira os nossos brios de animais racionais. Afinal, se já a língua, conforme bem esclarece o professor, é muitíssimo maior do que a lógica, o que dizer da realidade que nos cerca, então? E embora frustrante para alguns, ao que parece, o ser humano não é uma máquina, não é exato e seu universo jamais será determinístico porque, se isto acontecer, não existirá mais o ser humano.
Importante salientar, no entanto, que respeitar a posição do outro não significa, necessariamente, concordar com ela. Provavelmente não haveria problema algum se cada indivíduo defendesse o seu próprio ponto de vista sem pretender impô-lo aos demais. Afinal se, realmente, um deles for o mais adequado, cedo ou tarde, o outro também o adotará como seu. Ou, se nunca o fizer, é porque, simplesmente, decidiu seguir um caminho diferente e está disposto a arcar com todas as consequências que advirão de sua escolha.
Ou alguém tem dúvida de que o outro pode escolher também?
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