domingo, 28 de fevereiro de 2010

Pensamentos fugazes


A postagem de hoje era outra. Foi adiada para amanhã. Isto porque, como é domingo, nada melhor do que poesia para iniciar bem a semana. Esta, por exemplo, foi escrita em uma longínqua segunda-feira de fevereiro, em 2004, inspirada em alguns momentos de devaneios ao observar a paisagem, passando ao longe, a partir da janela de algum meio de transporte. Coincidência, ou não, o mês de março que neste ano principiará exatamente em uma segunda-feira vai encerrando, para muitas pessoas, os agradabilíssimos períodos de viagens de férias.


E como dizem que a correria do ano começa agora, prepare-se para a velocidade da vida e dos pensamentos! O Automorfo receita pelo menos um poema por semana para profilaxia homeopática contra a tensão. Experimente...

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Filosofia dos mitos


Cronos, Zeus, Hera, Ares, Atena, Poseidon, Afrodite, Teseu, Hércules, Perseu... A mitologia grega é formada por uma miríade de deuses, semideuses e heróis que, envolvendo-se com os seres humanos, deram origem a uma série de mitos, lendas e "relatos maravilhosos" que influenciam toda história ocidental até os dias de hoje. Como o próprio nome indica, a mitologia — distinta do saber filosófico que procura compreender o mundo por princípios lógicos e racionais — busca explicar as verdades universais através dos mitos. Nestes, acredita-se ou não, segundo a própria vontade.

Na filosofia, por outro lado, lança-se mão da racionalidade humana para buscar explicações sobre como o mundo funciona. A própria origem da palavra, junção dos termos gregos philos ("que ama") e sophia ("sabedoria"), já denunciava a vocação da filosofia ("que ama a sabedoria") para a investigação e ampliação do saber racional. E dela, vários ramos da ciência se desenvolveram — matemática, astronomia, biologia, ética, etc. — buscando abranger toda a realidade experimentada pelos seres humanos. E foram justamente os grandes filósofos gregos que estabeleceram os alicerces de todo o pensamento moderno ocidental.

Mas ao contrário do que possa parecer à primeira vista, a filosofia não decretou o desaparecimento da mitologia que conviveu em perfeita harmonia com os genitores do pensamento racional ao longo dos séculos. Quem nunca, por exemplo, ouviu falar sobre o complexo de Édipo, tão propalado pelo fundador da psicanálise Sigmund Schlomo Freud (1856-1939) mais de dois milênios depois? Ainda hoje, aliás, a mitologia é usada como uma forma de se compreender nuances do saber humano que não podem ser satisfatoriamente representados apenas pela racionalidade. Segundo Pierre Grimal (Grimal apud Cotrim, 1989), a mitologia "atrai em torno de si toda parcela do irracional existente no pensamento humano; por sua própria natureza, é aparentado à arte, em todas suas criações". É, portanto, uma ferramenta capaz de atingir níveis profundos de nosso inconsciente, algo tão importante quanto a racionalidade, na busca por uma descrição fiel da realidade em que estamos imersos.

Não seria por acaso que, Platão (427-347 a.C.), um dos maiores nomes da filosofia grega, pensava que, sendo a alma parte humana e parte divina, deveria se relacionar com tudo o que é e não apenas uma dessas partes.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Etologia


Quando o naturalista britânico Charles Robert Darwin (1809-1882) lançou sua revolucionária obra, A Origem das Espécies (1859), pouca gente poderia supor o impacto de sua teoria sobre a seleção natural teria nas demais áreas do conhecimento humano. Uma de suas afirmações — a de que os processos seletivos naturais influenciariam não apenas a estrutura orgânica, como também o padrão de comportamento dos seres vivos — deu origem a uma nova área de estudos, chamada de etologia.

A disciplina da etologia tem, por objeto de estudo, o comportamento animal, cujos métodos e descobertas podem ser aplicados às observações do comportamento humano. Os trabalhos do austríaco Konrad Lorenz (1903-1989) e do neerlandês Nikolaas Tinbergen (1907-1988), ambos laureados com o Prêmio Nobel de Medicina/Fisiologia (1973), estabeleceram as bases clássicas do estudo etológico. Segundo Tinbergen, o comportamento animal pode ser explicado através da análise de quatro itens: sua causa imediata (causal), seu aparecimento e evolução no desenvolvimento do indivíduo (ontogenética), sua função adaptativa ao meio ambiente (funcional) e sua história evolutiva (filogenética).

Em uma das experiências de Lorenz, filhotes de ganso o adotaram como "mãe" por ter sido a primeira coisa móvel vista pelas aves logo após saírem do ovo, no período crítico que compreende o intervalo entre 13 e 16 horas do nascimento. O mesmo fenômeno, chamado de "imprinting", foi demonstrado, mais tarde, quando aves migratórias foram induzidas a seguir objetos voadores, tal como um ultra-leve, o que possibilitou, até mesmo, a reintrodução bem sucedida de exemplares cativos à vida selvagem. A partir das décadas de 1950 e 1960, percebeu-se que o comportamento dos animais, principalmente do superiores como os primatas, é mais flexível. Mesmo assim, tais estudos são fundamentais para ajudar na compreensão dos comportamentos humanos, principalmente em crianças — ainda não influenciadas por convenções sociais.

Mas se você não entendeu lhufas e acha que não sabe nada de etologia, não se preocupe. Talvez haja uma maneira mais simples de se explicar do que tudo isso se trata. Lembra da história do "Patinho Feio", na qual um filhote de cisne nasce em meio a uma família de patos e sofre por ser fisicamente diferente? Pois então, é um caso típico de "imprinting" filial inter-específico entre cisnes e patos, no qual o filhote de uma espécie pode reconhecer o adulto da outra espécie como seu genitor.

Viu como você já conhecia um estudo-de-caso da etologia?


quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

...E o preconceito agrário.


Enquanto isso, no mesmo jornal, porém na data de anteontem, 23/02/2010, Arno A. Goettems, professor de geografia do colégio Santo Américo, publicou um pequeno artigo no caderno Fovest, direcionado aos vestibulandos. Partindo de uma evidência — uma placa de trânsito na rodovia RS-406, município de Nonoai (RS), que liga o norte do Rio Grande do Sul a Santa Catarina, onde se lê: "ATENÇÃO INDÍGENAS NA PISTA A 300 m", ao invés de "ATENÇÃO PEDESTRES NA PISTA A 300 m" — da diferenciação que os órgãos de governo fazem entre os povos indígenas e os demais brasileiros, analisa a situação dos índios na América Latina e sua relação com a situação fundiária da região.

Segundo Goettems, é nesse tipo de diferenciação, por parte de órgãos governamentais, em "que está a raiz da situação de exclusão social em que se encontram diversos povos indígenas latino-americanos". Aponta também que "a questão indígena está cada vez mais vinculada à questão agrária", histórica fonte de conflitos, por vezes, negligenciada pelos meios de comunicação.

Os indígenas americanos — seres humanos, apesar de não compartilharem o mesmo modelo de vida — dominavam todo o continente antes da chegada dos colonizadores europeus. A partir do final do século XV, foram perseguidos, escravizados e mortos, tendo sido, nos dias de hoje, relegados à exclusão social e econômica nos vários países americanos. Os descendentes de povos poderosos como os Incas, Maias e Astecas, por exemplo, vivem em condição de extrema pobreza nos países que hoje ocupam seus antigos domínios, assim como diversas tribos no Brasil. E, simplesmente por destoarem da lógica econômica dominante, é provável que muitos conhecimentos valiosos, no que tange às relações sociais, tenham se perdido ao longo do processo, algo que ainda vêm ocorrendo.

E enquanto entidades defensoras de grandes proprietários de terra como o MNP (Movimento Nacional de Produtores) acusam os índios de serem os maiores latifundiários do Brasil, já que as reservas somam 12% do território nacional (quase 2,5 mil hectares por indivíduo), as ações de movimentos sociais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) são exibidas como crimes hediondos no noticiário, sem que ninguém se pergunte se tais ações, obviamente inaceitáveis, não sejam, talvez, um grito agonizante de milhões de brasileiros esquecidos pelos cantos deste imenso país.


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Posições difusas...


No final do ano passado, precisamente em 21 de dezembro de 2009, a Folha de São Paulo publicou uma entrevista (página A14) com o promotor do Ministério Público, Marcelo Goulart, 52. Ativo defensor da reforma agrária e combatente daquilo que considera um desvirtuamento da função social da propriedade, Goulart atua como promotor da Justiça do Meio Ambiente em Ribeirão Preto, São Paulo. Acusado de atuar ao lado do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e entidades ligadas ao meio-ambiente, é apresentado como uma figura polêmica, inimigo do agronegócio e da concentração fundiária. Alguns excertos da entrevista ilustram os pontos de vista do entrevistado e dos entrevistadores:

"Jornal: O senhor é conhecido por atuar ao lado do MST e de entidades ambientais. Esse é o papel de um promotor?
Goulart:
A visão do Ministério Público como mero agente processual está superada desde a promulgação da Constituição de 1988. O membro do Ministério Público é agente político e, hoje, tem a incumbência constitucional de defender o regime democrático e implementar a estratégia institucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária.

(...)

Jornal: Como o sr. distingue as entidades progressistas das outras?
Goulart:
As forças sociais democráticas são aquelas que assumem o compromisso de implementar o projeto democrático da Constituição de 1988. A Constituição definiu para o país um modelo de Estado social e de democracia participativa. Os sujeitos políticos que atuam na defesa desse projeto são aliados naturais do Ministério Público na luta pela construção da hegemonia democrática. Não é difícil identificá-los.

Jornal: Por que os produtores rurais não seriam progressistas?
Goulart:
Aqueles grupos que defendem um modelo de agricultura social e ambientalmente sustentáveis estão no campo democrático. Aqueles que, ao contrário, defendem um modelo que leva ao descumprimento da função social do imóvel rural estão no campo dos adversários do projeto democrático da Constituição da República. Esses defendem o padrão de produção agrícola hoje prevalecente no Brasil.

Jornal: Que padrão é esse?
Goulart:
O padrão que gera a concentração fundiária, que utiliza de forma inadequada os recursos naturais e que degrada o ambiente por ser baseado na monocultura e na agroquímica. É um padrão concentrador da propriedade, da renda, da riqueza e do poder político. Por isso, contraria o projeto da Constituição.

(...)

Jornal: Por que a promoção da reforma agrária deveria ficar a cargo de promotores?
Goulart:
O papel do Ministério Publico é claro: defender a função social da terra e o direito difuso à reforma agrária, utilizando os instrumentos jurídicos que a Constituição e as leis lhe conferem, firmando aliança com os setores da sociedade civil que tenham o mesmo objetivo. A atuação radicalmente contrária a essa está presente na história desse país desde as capitanias hereditárias. Seus agentes são por demais conhecidos; com eles o Ministério Público da Constituição de 1988 não se alinhará.

Jornal: Como o sr. definiria uma propriedade rural que não cumpre sua função social?
Goulart:
A improdutiva, a que utiliza de forma inadequada os recursos naturais, degrada o ambiente ou impõe condições sub-humanas de trabalho.

Jornal: Uma área produtiva que não se curve à sua definição de função social pode ser desapropriada?
Goulart:
Minha definição, não. A da Constituição. Juridicamente, pode. Agora, tem muita propriedade antes dessa para ser desapropriada. Tem que começar pelos casos mais graves.

(...)

Jornal: O senhor é socialista?
Goulart:
Como promotor de Justiça, sou defensor da Constituição, do projeto democrático. Essa é a minha missão. Minhas convicções pessoais são só isso: minhas convicções pessoais.

Jornal: Quais convicções?
Goulart:
Utopicamente? Acredito na possibilidade de construir uma sociedade socialista. Sob um ponto de vista gramsciano, se avançarmos na linha da Constituição, vamos dar grandes passos para, no futuro, caminhar para uma sociedade socialista.

(...)

Jornal: O senhor tem chefe?
Goulart:
Não existe hierarquia funcional no Ministério Público. Um de nossos princípios é o da independência funcional, que ganhou força com a Constituição de 1988. Esse princípio serve para proteger o membro do Ministério Público das pressões do poder político, econômico e interno.
"

E o seu ponto de vista, caro leitor, qual seria?


terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

À Deus rogando e com o malho dando...


Na cultura japonesa, há uma tradição em se presentear os amigos e amigas com talismãs. São diferentes objetos e significados, tais como o "tsuru" — representação de um pequeno pássaro, geralmente feito em "origami" (dobradura em papel), significando a amizade e a paz — e o "daruma" — boneco representativo de um sábio hindu, o lendário Bodhidharma, representando perseverança e determinação. Este último, o "daruma", é uma espécie de boneco-dos-desejos, usado para ajudar o presenteado a conquistar aquilo que deseja.

A história de Bodhidharma é imprecisa, envolvendo muitas lendas a seu respeito. Um delas diz que o monge permaneceu por sete, talvez nove, anos meditando sem piscar para atingir a iluminação. A despeito da factibilidade do que é dito, o monge que viveu, provavelmente, entre os séculos V e VI e é considerado o fundador do Zen Budismo, tornou-se um símbolo de perseverança e determinação. São estas as características que, naturalmente, foram transferidas para a simbologia do boneco "daruma".

Às vezes confeccionado com sua base arredondada e mais pesada, de forma a mantê-lo sempre de pé, o boneco vem sem as pupilas desenhadas em seus olhos. É o dono do "daruma" que pintará um de seus olhos, enquanto faz um pedido, guardando-o, então, junto de seus pertences até a realização de seu desejo. Apenas nesta ocasião é que o outro olho deve ser pintado.

O boneco, entretanto, não é visto como algo mágico que trará, por si só, o desejo solicitado. É visto, sim, como um símbolo que sempre remete aquele que o possui ao próprio desejo, lembrando-lhe, pela incompletude dos olhos do "daruma", que para se consegui-lo, deve perseverar em seu caminho e trabalhar duro. Esta é a mensagem e a simbologia desse talismã na cultura japonesa. Há muito mais informação a respeito na página da Aliança Cultural Brasil-Japão.

Fazer tudo o que está ao seu alcance e pedir intersessão divina pelo que não está, parece inteligente para qualquer cultura. Afinal, como dizem no Japão: “Nana Korobi Yaoki” (caia sete vezes, levante oito). E não esqueça de pintar o outro olho no "daruma" ao final...

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Os sensos comum e crítico


O termo "senso comum" se refere a conhecimentos adquiridos no cotidiano, através do contato com outras pessoas, sendo, geralmente, vagos, superficiais e sem fundamento científico. Refletem, normalmente, as impressões que a maioria das pessoas têm a respeito de um determinado assunto. Entre os exemplos concretos de senso comum estão alguns ditados populares, receitas de remédios caseiros, simpatias e coisas afins. Segundo Gilberto Cotrim, as principais características do senso comum são a incoerência, a fragmentação e a imprecisão dos conceitos.

A incoerência se manifesta quando conceitos contraditórios ou incompatíveis são usados para a formulação de um mesmo raciocínio lógico, coisas como "retas paralelas se encontram no infinito" ou em "paradoxos" resultantes do encontro de uma força irresistível com um objeto irremovível.

A fragmentação se dá quando não se tem claro o alcance ou a extensão dos conceitos. Um exemplo didático, talvez fosse a frase "filho de peixe, peixinho é", já que a conclusão — óbvia em se tratando da reprodução de uma espécie animal aquática — não é válida, necessariamente, quando o conceito de "ser" é estendido — como para personalidades humanas, sentido em que a frase, em geral, é invocada.

Por fim, a imprecisão aparece em ideias válidas mas que não apresentam informações precisas para serem confirmadas. Quem leu no Automorfo sobre o "Futebol Quântico", já deve ter se lembrado da frase "o futebol é uma caixinha de surpresas" como exemplo.

Mas apesar de tudo, o senso comum não deve ser considerado de todo mal. Se interpretada com cautela, a sabedoria popular pode ser fonte de muitas coisas interessantes e úteis. A principal dificuldade em se conseguir tal feito, entretanto, é atingir um equilíbrio ótimo entre dois sensos fundamentais para o ser humano: o comum e o crítico. Ou seja, ser humilde o suficiente para não negar tudo e cético o suficiente para não aceitar tudo.

Como quando um médico, ao ser interrogado por que tomava chás e fazia inalações caseiras para se livrar de uma gripe, respondeu serenamente: "Estou tomando todos os remédios necessários, o que ainda não resolveu. Como sei que as receitas caseiras não farão mal nenhum, por que não tentar?".


domingo, 21 de fevereiro de 2010

Haikai do Fim do Horário de Verão



Foi-se. O horário de verão acabou e com ele o prazer de ter o dia claro até depois das 20:00 h. Ao mesmo tempo que confunde um pouco nossos organismos, também traz a alegria da claridade por um tempo útil maior. Nos países mais setentrionais que adotam o horário de verão, como a Alemanha, por exemplo, o dia só vai morrer próximo das 22:00 h. Tem-se que admitir, entretando, que a diferença de horário é boa para alguns e péssima para outros. Quem acorda muito cedo tem de enfrentar a escuridão da noite, mas, em compensação, pode admirar, quase todo dia, o resplendoroso nascer do sol.

Mas por enquanto é só. Mais do horário de verão só no final de 2010, provavelmente... Por agora, contentemo-nos com a melancolia poética do anoitecer mais cedo...


sábado, 20 de fevereiro de 2010

Soprando...


Contava a anedota que o cidadão havia empenhado as economias de toda uma vida na compra do carro de seus sonhos. Desses, mais modernos, que, a despeito de toda a tecnologia embarcada, mantêm todo apelo de um clássico automobilístico. Saiu radiante da concessionária, mas sua alegria durou o tempo do percurso de alguns quarteirões. Em um cruzamento, outro veículo não parou e acabou colidindo com a lateral de seu carro zero, amassando a porta do passageiro. Desceu do carro em um misto de pânico e fúria, olhou para o estrago e tudo que conseguiu foi pôr-se a chorar, lamentando todo sacrifício que havia feito para adquirir aquele bem.

O outro motorista, que havia avançado o sinal (farol para nós paulistas), pensou logo em uma solução para se safar o mais rápido possível da situação, já receando juntar muita gente por causa do choro desconsolado daquele homem sentado na sarjeta. Foi até ele, pousou uma das mãos em seu ombro e desatou a falar:

— Calma, homem, calma! Por que tamanho desespero!

— Não acredito... A economia de uma vida!

— Ei, fique tranquilo! O carro é novo, não?! Você só precisa assoprar no escapamento que a porta desamassa!

— Quê?! Tá louco?!

— É, ué... O carro é novo, não?!

— Sim.

— Você acabou de tirá-lo da concessionária, certo?

— É.

— Então... Assopre ali no escapamento que a porta desamassa num instante. Esses modelos novos já vêm com a mais recente tecnologia de manutenção. Vai lá, tente! Não precisa se preocupar... Mas eu preciso ir porque estou atrasado... Tchau!

E o infrator, que já ia entrando no carro, sumiu. Enquanto isso, o homem, ainda meio atordoado, pôs sua fé a prova e foi para trás do seu novíssimo modelo abalroado e começou a assoprar no cano do escapamento. Logo um outro cidadão parou e, prestativo, quis ajudar. Perguntou para o desconsolado motorista, deitado atrás do carro, se ele precisava de ajuda, no que ouviu, como resposta, toda a história do ocorrido e a explicação do porquê ele insistia em soprar no cano do escapamento. O que queria ajudar começou a rir:

— Ah... Você deve estar de brincadeira! Acha realmente que vai conseguir desamassar o carro assim?

— Bom, foi o que o outro motorista disse. Por que? Você acha que não funciona?

— Lógico que não funciona! Veja, a porta do motorista está aberta! Como é que você vai encher para desamassar?!


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A Fenda no Tempo


"— O que lhe faz pensar que pode viver eternamente?
— Mas eu não penso assim...
— Mas age como se pudesse.
— Você vai querer me analisar agora?
— Não. Foi você quem me disse estar agindo sem pressa na vida e me perguntou o que eu achava. Não era para responder?
— Talvez eu não quisesse, realmente, ouvir a resposta...
— Não tivesse me perguntado, então.
— Mas você acha que é possível?
— O que?
— Viver pra sempre... Ou pelo menos viver mais tempo do que se vê por aí...
— Certamente que sim. Mas para isso, você vai ter de viver com uma certa urgência, com uma certa pressa, como se amanhã fosse o último dia de sua vida.
— É... Um dia a gente acerta!
— Não estou brincando. Se quiser realizar algo relevante, terá de correr porque o tempo joga contra você. E se seu corpo é mortal, talvez sua obra não o seja. Realize-a e talvez sua presença dure a eternidade.
— Do alto da minha idade e depois de tudo o que eu passei, o que eu ainda poderia fazer? Não saberia nem por onde começar...
— Não sei. Mas talvez, procurando a certeza de que se tudo terminasse, não se arrependeria por ter deixado de fazer alguma coisa.
— Deixe de besteiras... Já estão me chamando. Vou entrar.
— Só mais uma coisa...
— O que?
— Corra...
"

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Rá!


Claudio Angelo e Rafael Garcia, respectivamente, editor de Ciência e repórter do jornal Folha de São Paulo, resolveram fundar a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvanÉlio. Com o apoio do departamento jurídico do jornal e um escritório de advocacia, gastaram um pouco menos de R$ 500,00 e, sem quaisquer outros requisitos, conseguiram o registro e o CNPJ da nova congregação religiosa. Pronto! Divinamente ungidos pela lei, estavam aptos a abrirem contas bancárias livres de tributação, registrarem bens isentos de impostos em nome da igreja e dispensarem seus sacerdotes, escolhidos por eles mesmos, do serviço militar obrigatório.

É sabido que, para o Estado, não há como pretender legislar sobre cultos religiosos uma vez que a opção por acreditar em A, B, C ou em nada, é um direito fundamentalmente individual do cidadão. Não poderia ser justo, entretanto, permitir que a República proveja regalias a este ou aquele grupo, maculando a isonomia que deveria prevalecer em um Estado de Direito.

O problema é que lidar com matérias que envolvam zonas nebulosas, onde o coletivo e o individual se misturam, é extremamente delicado, porque demanda um discernimento apurado para definir o onde termina o grupo e começa o indivíduo. Pouquíssimas são as pessoas — se é que existem — preparadas para essa difícil tarefa, haja vista a demanda por um perfil raríssimo devido a combinação de habilidades necessária. Para tal missão, por exemplo, não bastaria que a pessoa fosse apenas inteligente, haveria também de ser altamente sensível a questões relativas à natureza humana. Tampouco bastaria que fosse apenas inteligente e sensível, teria de possuir a habilidade comunicativa necessária para se fazer entender pela maioria. E, ainda assim, na hipótese de se encontrar alguém assim, inclusive com a competência técnica necessária, ele ou ela deveria ser ético, ou ética, altruísta e persistente ao extremo.

Um exemplo dessa dificuldade de discernimento e escassez do perfil adequado é o esforço legislativo — entenda-se como gasto de recursos públicos — para se livrar de símbolos religiosos nas instituições públicas, para mudar nomes de ruas e avenidas que se refiram a figuras religiosas e coisas do gênero. Enquanto isso, novas "igrejas" são fundadas, mais inocentes aliciados, mais concessões fiscais são dadas e mais regalias continuam a alimentar a iniquidade social.

"Senhor heliocêntrico, dai-nos o discernimento e a paciência necessários para continuar aparando as arestas legislativas em busca de uma sociedade melhor, se não para nós, pelo menos para nossos descendentes..."

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Lobisomem


Imagine a cena: você chega tarde ao cinema e descobre que não há mais sessões previstas. Como sua vontade de assistir algum filme é do tamanho da tela, confere as exibições em andamento e percebe que uma delas começara há apenas dez minutos. Mais do que rapidamente, checa as informações sobre o filme e lê no cartaz os nomes como o de Benicio Del Toro, Anthony Hopkins, Hugo Weaving e Emily Blunt em um clássico do terror, produzido pela monstruosa Universal Studios. Provavelmente, você pensa, deve valer a pena correr e pegar um lugar.

Cinematográfico engano! O Lobisomem (The Wolfman), recém estreado no Brasil, dilacera, com a violência própria do monstro homem-lobo, as credenciais que seu elenco e produção lhe proporcionam. O filme dirigido por Joe Johnston é uma refilmagem da história publicada no final da década de 1880. Exceção feita à vila inglesa onde se passa a história e o destino do irmão do protagonista, o roteiro segue a mesma linha da história original.

Lawrence Talbot (Benicio Del Toro) retorna da América pela ocasião da morte de seu irmão Ben Talbot (Simon Merrels) na sua cidade natal, Blackmore, na Inglaterra vitoriana. Lá encontra seu pai, Sir John Talbot (Anthony Hopkins), a noiva de seu irmão, Gwen Conliffe (Emily Blunt), e todos os fantasmas de seu passado, tais como a morte de sua mãe, a estranheza de seu pai e o período que ficara internado no manicômio.

Ao perseguir o monstro suspeito de matar seu irmão, é atacado por ele e passa, também, a carregar consigo a maldição da licantropia. Um inspetor da Scotland Yard, Aberline (Hugo Weaving), é designado para investigar o caso, mas se depara com uma série de acontecimentos inexplicáveis racionalmente. No desenrolar do enredo, também, há várias cenas que se passam na antiga cidade Londres.

Com um texto cheio de "clichês" e personagens estereotipados, o filme só se sustenta pela atuação de seu elenco e pelo "clássico" da história que lhe deu origem. Parcos efeitos especiais, poucos belos cenários e fatos desconexos complementam o horror do filme.

E para ninguém dizer que a crítica é de todo horripilante, parece que o uivo do lobisomem foi produzido com base na voz de um barítono e ficou legal. Talvez você queira conferir...


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Ecletismo ambiental


Se não serviu para fechar um acordo decente para o meio-ambiente, a COP-15, no final do ano passado, pelo menos mostrou a importância do ecletismo na busca por soluções difíceis. Afinal, fazer com que 194 nações, com interesses econômicos absolutamente diversos, cheguem a um acordo comum pode ser tudo, menos fácil, principalmente quando o pomo de discórdia é o dinheiro.

Mas eis que em meio às acaloradas discussões sobre ações de mitigação nos países em desenvolvimento, cortes nas emissões de gases de efeito estufa (gás carbônico, metano, etc.) nos países desenvolvidos, preservação dos "depósitos de carbono" (florestas) nas regiões tropicais, estabelecimento de limites para aumento da temperatura média e concentração de gás carbônico na atmosfera, etc., uma figura controversa do sistema financeiro mundial, George Soros, surge com uma alternativa viável para se conseguir os recursos necessários ao financiamento de boa parte das medidas ambientais pleiteadas. Segundo ele, cerca de US$ 100 bilhões dos US$ 283 bilhões de um fundo criado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) para enfrentar a crise econômica de 2008 poderiam ser empregados para viabilizar a adoção de tecnologias mais limpas nos países pobres. A proposta foi aplaudida por várias organizações não-governamentais ali presentes, inclusive pelo Greenpeace.

George Soros, húngaro de nascimento e estadunidense por opção, aprendeu seu ofício no berço financeiro anglo-saxão, Londres, tão bem que quase quebrou o Banco Inglês e dezenas de outros países pelo mundo, especulando, principalmente, com as taxas de câmbio. Inteligente que é, não poderia deixar de manter relevantes instituições filantrópicas e usar boa parte de sua fortuna em ações de caridade. Foi esta inteligência, ou talvez sua perspicácia em enxergar lucro onde a maioria vê prejuízo, que encontrou um caminho plausível para mobilizar recursos inativos em prol do meio-ambiente. Seria uma burrice desconsiderar sua ideia por causa de suas atitudes controversas, mas é o tipo de coisa que acontece com frequência em situações similares — você já deixou de aproveitar algo só porque foi fruto do trabalho de um arqui-rival?

Ainda bem que a controvérsia convive pacificamente na zona de conflito entre meio-ambiente e desenvolvimento econômico. No Brasil, por exemplo, parte do dinheiro proveniente da exploração das reservas petrolíferas do pré-sal, financiará ações para a preservação do meio ambiente. Tal como no caso do insaciável especulador, também aqui, desprezar valiosos recursos porque não vêm de uma fonte de energia limpa não parece ser uma atitude muito inteligente, uma vez que, no atual estado das coisas, dificilmente a extração e uso desse petróleo poderá ser evitada. Conformar-se com a situação, tampouco demonstra inteligência, já que não extingue o problema.

O ecletismo talvez demonstre com mais clareza que, hoje, é o dinheiro o que determina a viabilidade de uma ideia. Há quem diga até que os ecléticos que perceberam isto no passado estão entre bilionários de atualmente.


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Seu Governo... É tudo!


A poesia é do século passado. De lá para cá, muita coisa melhorou, mas ainda há tanta coisa para melhorar que o tema do soneto continua atual. Na realidade, a torcida é para que o assunto se torne ultrapassado o quanto antes.

Inicialmente, o protesto poético que se segue foi publicado em um eclética página de poesias chama de "A Garganta da Serpernte", aliás, para quem gosta de alternativas poéticas, vale dar uma garimpada por lá e até — quem sabe — participar, contribuindo com alguma aventura poética própria. E não se preocupe se você acha que não escreve bem, apenas continue tentando. O importante, como para tantas outras conquistas na vida, é náo desistir nunca...


domingo, 14 de fevereiro de 2010

A insustentável bruteza do PIB


Em meados do ano passado, uma dupla de economistas, Joseph Stiglitz e Amartya Sen, divulgaram um estudo em que criticavam o atual conceito de que o desenvolvimento econômico pode ser, adequadamente, medido apenas pelo crescimento do produto interno bruto (PIB) de um país. Segundo eles, um acompanhamento da renda e consumo de famílias típicas, associado à disponibilidade de serviços de saúde e educação, seria muito mais preciso para indicar o grau de desenvolvimento de uma nação. Não por acaso, de acordo com o caderno "The New York Times" da Folha de São Paulo de 05/10/09, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, recomendou o relatório a uma comissão criada, justamente, para tentar eliminar as insatisfações com as ferramentas de avaliação econômica daquele país.

Stiglitz é estadunidense, fez parte do governo Clinton na década de 1990, chegou à cadeira de Economista Chefe do Banco Mundial e dividiu o Nobel de Economia com Michael Spence e George Arthur Akerlof em 2001. Sen é indiano, foi professor na Delhi School of Economics, London School of Economics, Oxford e Harvard, chegando a se tornar reitor de Cambridge. Em 1998, ganhou o Nobel de Economia pelas suas contribuições ligadas ao bem-estar social e, também, foi um dos fundadores do Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento da ONU. E se seus currículos não são desprezíveis, tampouco o são suas palavras.

Já há tempos o modelo de desenvolvimento econômico que o mundo persegue não é sustentável, mas buscar novas alternativas vem se mostrando quase um tabu. Há ainda muito preconceito, parte originado durante a "Guerra Fria" e parte pela curteza intelectual de gente gananciosa, que impede uma ampla discussão sobre como o desenvolvimento pode ser bom tanto para o indivíduo quanto para toda a coletividade. A sustentabilidade é uma parte indispensável de qualquer plano de desenvolvimento de longo prazo, seja econômico, financeiro, ambiental, social, etc., porque traz em em seu âmago a responsabilidade para consigo mesmo e para com os demais. Fugir dela transforma ações ousadas em aventureiras, algo extremamente perigoso em qualquer área.

A história tem mostrado que privilegiar, exclusivamente, um ou outro sistema parece não funcionar muito bem. Quem sabe a valiosa contribuição de Stiglitz e Sen não seja uma semente fértil que, se adequadamente plantada e cuidada, possa trazer frutos mais doces e por mais tempo para toda a humanidade?

sábado, 13 de fevereiro de 2010

A salvação da lavoura haitiana


Pouca gente se deu conta da significação, mas a ajuda "humanitária" que os Estados Unidos da América enviou para o Haiti, depois da catástrofe sísmica, foi, basicamente, tropas militares. Mais de nove mil soldados estadunidenses desembarcaram no pequeno país caribenho e tomaram conta de seus portos e aeroportos. Suspenderam a aterrisagem em Porto Príncipe de qualquer avião que não tivesse agendamento de pouso prévio e impediram o acesso da Minustah (Missão de Paz da ONU no Haiti) ao local. Aviões do Brasil, país com o controle militar da Minustah, e de diversos outros países que levavam ajuda às vítimas tiveram de pousar em outros aeroportos. No caso brasileiro, dos oito aviões enviados ao Haiti, logo após o desastre, apenas três conseguiram pousar em Porto Príncipe. Outros três tiveram de pousar em Santo Domingo na República Dominicana e dois tiveram de aguardar autorização em Boa Vista, Roraima. O ocorrido rendeu, inclusive, um certo mal-estar diplomático entre Brasil e EUA.

No dia 12 de janeiro de 2010, um terremoto de sete graus na escala Richter, e cujo epicentro se deu há cerca de 15 km de Porto Príncipe, matou mais de cem mil pessoas, incluindo 17 brasileiros, e deixou cerca de um terço da população haitiana desabrigada. E mesmo assim, segundo Sandra Quintela, economista integrante do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS)/ Rede Jubileu Sul, a sanha militar estadunidense foi de tal ordem que os alimentos enviados pela China chegaram ao Haiti antes de qualquer ajuda material do vizinho EUA que está há menos de uma hora de voo. A primeira remessa estadunidense, aliás, foi um contingente de mais de dois mil soldados.

Se considerarmos o fato da Colômbia ter permitido a instalação de sete bases militares em seu território, da Quarta Frota ter sido reativada em 1° de julho de 2008, de haver uma unidade de intervenção anfíbia estacionada em Nassau, nas Bahamas, entre de outras inúmeras intervenções militares estadunidenses espalhadas por toda a América, não é de se estranhar que tanta gente ao redor do mundo esteja preocupada com os reais objetivos do Nobel da Paz, Barack Obama. Quem aprecia um pouco de história, deve se lembrar que gastos militares, há tempos, têm sido uma excelente forma de se gerar, indefinidamente, demandas produtivas na economia, minimizando crises em diversos países. O problema é a necessidade de estourar alguma guerra de vez em quando.

Mas, conforme vários comentários, o Haiti deve, realmente, estar em boas mãos, já que a capacidade dos EUA em coordenar a reconstrução de um país é inquestionável. Haja vista o excelente trabalho que fizeram no Japão, depois dos únicos dois ataques nucleares que se tem notícia na história da humanidade, desintegrando duas cidades inteiras e matando instantaneamente mais de 200 mil pessoas — a maioria civis — no final da Segunda Grande Guerra Mundial em 1945.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Quem falou?!


Uma águia que arranca seu próprio bico, unhas e penas para se renovar e viver mais algumas décadas, um misterioso fóssil de sereia, naves espaciais flagradas acidentalmente por um turista em alguma praia do Caribe, sequestros cinematográficos, assaltos impensáveis, tráfico de órgãos, correntes, promessas... São tantas as histórias disponíveis, todos os dias, trazidas pelo correio eletrônico que a gente chega a se espantar com a extensão da criatividade humana.

Não é de se admirar que tanta gente, vez por outra, tenha seu computador infectado por algum virus após clicar em um vínculo ("link", se preferir) de alguma mensagem de "spam" (lixo comercial eletrônico). Basta utilizar algum componente para aguçar a curiosidade do, ou da, internauta e pronto! Lá está instalado outro "trojan" ou "cavalo-de-tróia" furtando informações pessoais. Confesse... Você também já deve ter ficado tentado a baixar ou abrir anexos nas primeiras vezes que recebeu mensagens do tipo: "Você está sendo traído(a)! Veja as provas...", "Aí estão nossas fotos picantes!" ou "Prezado contribuinte, sua declaração foi retida na malha fina da Receita Federal. Acesse o extrato através do link!"...

Se você é veterano na internet, já deve saber que mensagens sem o seu nome (usuário ou alguma referência pessoal) nem precisam ser lidas, devendo ser encaminhadas à lixeira, não importando se estão assinadas pelo presidente da república ou pelo papa. E mesmo quando apresentam alguma referência pessoal, devem SEMPRE ter a autenticidade verificada e NUNCA, em hipótese alguma, executar um anexo, nem se a mensagem vier de alguém próximo — pode ser que o micro do remetente esteja contaminado sem que ninguém saiba. Deve saber também que um antivirus atualizado, eventualmente também um "firewall" e perfil sem privilégios de administrador são indispensáveis para complementar a segurança de qualquer computador ligado à rede.

Já as "lendas da internet", estas precisam de muito bom senso e talento investigativo. Não dá para descartar qualquer informação aparentemente absurda — porque, acredite, existem fatos "absurdos" por aí — nem crer em qualquer coisa que aparece. Em novembro, o texto "O Plágio e a Inocência." já alertava os leitores do Automorfo sobre a necessidade de referências e, principalmente, um mínimo de critérios para se creditar alguma confiança nas informações a que temos acesso diariamente.

Mas há um lado muito bom que as lendas na internet trazem com elas: o pensamento crítico. Quase instintivamente, as pessoas são levadas a verificar uma informação e a pensar sobre ela, antes de tomar qualquer atitude. Este padrão de comportamento acaba por se estender aos demais contatos pessoais do cotidiano.

Por outro lado, a tiração de sarro deve diminuir...

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O desgoverno da informação


No final de 2008, o Contran (Conselho Nacional de Trânsito) publicou as resoluções 303 e 304 que regulamentam o uso das vagas especiais para idosos e portadores de deficiência, respectivamente. Segundo o texto, os infratores que desrespeitarem a sinalização incorrem em falta leve, estando sujeitos a três pontos na carteira, R$ 53,00 em multa e remoção do veículo, sendo que as medidas são válidas para todo país. As pessoas aptas a deixarem seus veículos nas respectivas vagas, entretanto, devem portar um selo próprio que deverá ser deixado à mostra no interior do veículo.

A lei estabelece que um mínimo de 5% das vagas — como as de Zona Azul — sejam destinadas a idosos com mais de 60 anos (inclusive) e deficientes. A partir deste mês, os órgãos de trânsito já podem fiscalizar e multar quem desobedecer a determinação, segundo informações no caderno de Veículos da Folha de São Paulo de 24/01/2010. Estacionamentos privados, como os de centros comerciais e supermercados, no entanto, estão fora da fiscalização. E, como já ocorre com os cartões de identificação para pessoas com deficiência, os idosos também terão de solicitar a credencial no DSV (Departamento de Operações do Sistema Viário) de sua cidade.

A parte mais interessante, entretanto, é que muitos idosos, já usuários dessas vagas especiais, sequer têm ideia de que a regulamentação, já vigente, possibilita que seus veículos sejam multados pela autoridade que não encontrar exibido, no painel, o selo, devidamente registrado no órgão de trânsito responsável. Nenhuma palavra sobre o assunto, pelo menos até o momento, foi publicada na página da Prefeitura de São Paulo, por exemplo, cidade que conta com cerca de 1,5 milhão de idosos. Também não há informações na página da CET/SP (Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo), responsável pela fiscalização na cidade.

Infelizmente, as informações de utilidade pública têm chegado atrasadas, já há algum tempo, tanto no estado quanto na cidade mais abastada da federação. Precisou chover mais de 40 dias, morrerem mais de 20 pessoas e milhões em prejuízos serem gerados pelas enchentes para que, só então,  surgissem na televisão as primeiras campanhas educativas da Prefeitura de São Paulo sobre a matéria. Já a CET, no ano passado, para quem não se lembra, instalou uma sinalização indicando aos caminhões que trafegassem nas faixas 3 e 4 da Marginal Pinheiros, próximo à ponte do Jaguaré, mas, logo à frente, um radar multava todos os veículos pesados que trafegavam nessas faixas. Após 15 dias do evidente equívoco, mesmo sobre insistente pressão da imprensa e da opinião pública, a CET não tinha sequer se pronunciado a respeito do fato, fazendo com que, mais tarde, o governador do estado tivesse de vir a público para garantir o cancelamento das multas absurdas.

E pensar que essa é a era da informação...


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Ética transgênica


O decreto Nº 4.680/03 regulamenta o direito à informação do cidadão, consumidor, sobre a utilização de organismos geneticamente modificados (OGM) — mais conhecidos como transgênicos — na composição de produtos alimentares para consumo humano e animal. Segundo o decreto, qualquer produto que apresente mais de 1% de OGM entre seus ingredientes devem ser adequadamente rotulados de forma que o consumidor possa, no momento da compra, decidir se deseja ou não adquirir o produto.

À despeito da antipatia — não sem razão — dos ambientalistas pelos OGM, uma luta atroz, entre membros da indústria agro-alimentícia e representantes de entidades civis, vem sendo travada há anos nos bastidores dos poderes Legislativo e Executivo. De um lado, um poderoso "lobby" econômico tenta, por todos os meios possíveis, derrubar empecilhos legais à comercialização de seus produtos. De outro, abnegados membros da sociedade, por vezes voluntários, apelam ao bom senso e à humanidade dos políticos que compõem ambas as casas.

Se a questão fosse a proibição total da produção e comercialização de produtos transgênicos, talvez a luta fosse até justificável, mas tentar barrar a exigência da rotulagem de tais produtos, como tentou fazer o "lobby" da indústria, denota, no mínimo, má fé. Senão, qual seria a justificativa para não querer informar o consumidor sobre o que ele realmente está comprando? Para olhos atentos, tal atitude é uma pequena mostra dos escrúpulos de alguns setores empresariais, principalmente quando se trata dos lucros em suas atividades.

Há uma série de boas razões para se tomar o máximo de cuidado com os OGM, não apenas de saúde pública, uma vez que ainda não é seguro afirmar que sua ingestão não traga consequências nocivas para os seres vivos, mas também sociais — uma plantação transgênica, geralmente, inviabiliza a produção tradicional nas adjacências — e ambientais — não se sabe ao certo as interações possíveis de OGM com o meio-ambiente. Por isso, o que vem sendo pedido, incessantemente, por diversos membros da sociedade é, simplesmente, cautela, algo que muitos empresários parecem não estar dispostos a fornecer para não ver seus lucros no mesmo patamar.

Pesquisemos, portanto, formas de manter o DNA da ética vigente, longe do RNA virótico da ganância capitalista...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa...


Você também já deve ter ouvido justificativas de ações equivocadas que se baseiam em absurdos éticos do tipo: "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão". Antes de mais nada e correndo o risco de ser demasiadamente preciosista, há a necessidade de uma explicação: talvez isto seja algo aceitável em algum outro conjunto de costumes sociais, em algum outro mundo de algum outro universo por aí, mas, na humanidade como a conhecemos hoje, tal afirmação pode, tranquilamente, ser considerada um absurdo ético.

Pois bem, como todo dito popular, esse também reflete um padrão de raciocínio que ainda encontra algum eco na ética das pessoas hoje em dia. E não por acaso, em um momento remoto do passado da civilização, pode-se encontrar pistas se sua origem na instituição da "vingança" como uma forma válida de justiça. Talvez, os primeiros registros que se tem notícia datem de mais de 3700 anos atrás, quando, no Código de Hamurabi, surgiam os primeiros sinais do que viria a ser a Lei de Talião. Segundo esta lei, alguém que infligisse dano a outrem poderia ser punido com o mesmo dano, ou outro similar nas mesmas intensidade e condições — "olho por olho, dente por dente". Com a evolução intelectual, percebeu-se o óbvio: matar o assassino de outrem, por exemplo, não traz a vítima de volta à vida. Logo, outras formas de justiça começaram a ser empregadas para preservar a ordem e o bem-estar coletivo. Entretanto, tal sentimento parece não ter desaparecido por completo da sociedade até hoje.

Justificar uma atitude péssima com outra pior é um costume que já deveria ter sido absolutamente extinto, mas ainda está presente em diversas áreas de nossas vidas. Quando se furta material de escritório da empresa porque se sente explorado, quando se sonega impostos porque o governo não os aplica de forma adequada, quando se prejudica alguém porque foi prejudicado por ela, etc., está-se rebaixando ao mesmo patamar — ou até a um nível inferior — daquele em cujo o mal se estabelecera. E nenhum progresso ou melhoria podem surgir daí, fazendo com que o problema, ao invés de diminuir, apenas aumente, prejudicando a si e aos demais.

Outra coisa — e que nada tem a ver com a primeira — é quando a pessoa, deliberadamente, mobiliza-se por melhores condições de trabalho, quando faz campanha contra um governo corrupto, quando alerta outras pessoas contando sua própria história de prejuízo por causa de alguém, etc. Note que nestes casos, a atitude deixa de ser "vingativa" e passa a ser "inteligente", simplesmente porque gera condições para que o problema não mais se repita, nem consigo mesmo, nem com o próximo.

Mas se você ainda não adota tal atitude, não se desespere. Apesar da ideia ser simples, sua implementação está mesmo longe de ser fácil. Basta, por agora, não confundir uma coisa com outra e o primeiro passo para um futuro melhor já estará dado...


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Em que creem os que não creem?


"Também o senhor atribui ao leigo virtuoso a convicção de que o outro está em nós. Não se trata, porém, de uma vaga propensão sentimental, mas de uma condição fundadora. Assim como ensinam mesmo a mais laica entre as ciências, é o outro, é seu olhar, que nos define e nos forma. Nós (assim como não conseguimos viver sem comer ou sem dormir) não conseguimos compreender quem somos sem o olhar e a resposta do outro. Mesmo quem mata, estupra, rouba, espanca, o faz em momentos excepcionais, e pelo resto da vida lá estará a mendigar aprovação, amor, respeito, elogios de seus semelhantes. E mesmo àqueles a quem humilha ele pede o reconhecimento do medo e da submissão. Na falta desse reconhecimento, o recém-nascido abandonado na floresta não se humaniza (ou, como Tarzan, busca o outro a qualquer custo no rosto de uma macaca), e poderíamos morrer ou enlouquecer se vivêssemos em uma comunidade na qual, sistematicamente, todos tivessem decidido não nos olhar jamais ou comportar-se como se não existíssemos."

Umberto Eco (Eco, U., Martini, C. M. Em que crêem os que não crêem?. 10 ed. Record: Rio de Janeiro, 2006.)

Quem nunca se questionou, nem por alguns instantes, sobre a origem da própria existência e os motivos de existir neste mundo? Um dos desdobramentos naturais deste tipo de questionamento é, justamente, a reflexão sobre a existência, ou inexistência, de Deus. Altamente polêmico, este assunto alimenta discussões intermináveis — e por vezes acaloradas — entre grandes nomes da filosofia, religião e mesmo do mundo "leigo" ao redor de todo o planeta.

Em março de 1995, promovido pela revista italiana Liberal, iniciava-se um debate entre dois expoentes do pensamento contemporâneo da escola italiana de filosofia: Umberto Eco e Carlo Maria Martini. Eco, 78, filósofo pela Universidade de Torino com uma tese de estética sobre Santo Tomás de Aquino, trabalhou em programas culturais da RAI (TV estatal italiana) e na Editora Bompiani, lecionou semiótica na Universidade de Bolonha e, como estudioso, dedica-se à estética medieval, à arte de vanguarda e aos fenômenos da cultura de massa, tendo publicado livros como O nome da rosa e Kant e o ornitorrinco, entre outros. Martini, 82, sacerdote ordenado pela Companhia de Jesus em 1952, formou-se em Teologia fundamental pela Universidade Gregoriana de Roma em 1958 — tornando-se, mais tarde, seu reitor —, exerceu a docência no Pontifício Instituto Bíblico — vindo a tornar-se diretor — e, em 1983, foi elevado a cardeal pelo então Papa João Paulo II.

O debate, transcorrido por meio de cartas abertas publicadas pela Liberal ao longo de um ano, apresenta as argumentações de Eco, um dos mais importantes pensadores laicos da modernidade, dirigidas a Martini, cardeal de uma das mais importantes instituições cristãs do planeta, sobre a "invenção" de Deus, bem como a necessidade de Sua presença no contexto atual da humanidade. À visão de Eco, somam-se as opiniões dos fiilósofos Emanuele Severino e Manlio Sgalambro, dos jornalistas Eugenio Scalfari e Indro Montanelli, do teórico de extrema esquerda Vittorio Foa e do ex-ministro e ex-secretário do Partido Socialista Italiano Claudio Martelli. Diligente e pacientemente, Martini responde a todos, resultando em uma discussão de ideias em altíssimo nível e com ampla liberdade dialética.

Posteriormente, as cartas foram reunidas em uma coletânea — originalmente publicada na Itália sob o título de In cosa crede chi non crede? — editada e publicada no Brasil pela Editora Record com o título "Em que crêem os que não crêem?" (tradução de Eliana Aguiar, 10ª edição). Na obra, diversos pontos de vista são fundamentados, ou refutados, evocando-se temas variados, muitos deles indigestos à tradição católica, como as mulheres e o sacerdócio, o aborto, as perseguições religiosas e até a engenharia genética. Ao longo de uma cuidadosa fundamentação ética de ambos os lados, são discutidos muitos pontos de interesse comum entre crentes e não-crentes, oferecendo ao leitor uma valiosa reflexão sobre os valores do homem contemporâneo.

Naturalmente, e apesar do provocativo título da coletânea, o objetivo original não era o de resolver o mistério da existência de Deus, mas, sim, jogar luz em zonas obscuras do pensamento humano, tanto crente quanto laico, mostrando que, no fim, todos estão em busca das mesmas coisas, mesmo que por caminhos diferentes.

"(...) Podem escolher o bem até mesmo aqueles que não o percebem em teoria ou o negam. Um ato bom, realizado por quem é bom, veicula uma afirmação de transcedência. 'Se Deus não existe, tudo é permitido', observou Dostoievski. Palavras vãs? Mas até Sartre admite, mesmo de um ponto de vista ateu: 'Com Deus desaparece qualquer possibilidade de reencontrar valores em um céu inteligível; não pode mais existir um bem a priori, pois não há nenhuma consciência infinita e perfeita para pensá-lo; não está em parte nenhuma que o bem existe, que é preciso ser honesto, que não se deve mentir' (O existencialismo é um humanismo)."

Carlo Maria Martini (Eco, U., Martini, C. M. Em que crêem os que não crêem?. 10 ed. Record: Rio de Janeiro, 2006.)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Haikai das Chuvas Torrenciais



Infelizmente, falhas técnicas atrasaram a publicação deste haikai — pelo menos desta vez, não foi por causa das constantes falhas de fornecimento elétrico que, apesar de breves, são desastrosas para usuários de "desktops", mesmo com "nobreaks". Mas, ainda em tempo, há que perdurar a poesia, não a dramaticidade meteorológica...


sábado, 6 de fevereiro de 2010

Quem tudo quer...


A vida é única e, portanto, nada mais natural do que a urgência em se conseguir tudo aquilo que se deseja ao longo dela. Mas quem consegue obter tudo o que deseja ou, quem sabe, desejar apenas o que consegue? Pessoas assim, caso existam, devem ser muito felizes. A maioria dos mortais costuma desejar muito mais do que pode conseguir.

Analisando por uma certa perspectiva, a ambição é até saudável, uma vez que gera a força necessária às ações essenciais ao desenvolvimento. Por outro lado, quando desmedida, pode ser também uma fonte ilimitada de problemas. Basta desejar algo que não possa conseguir, não enxergar outra alternativa e nem se conformar com o fato. Pronto! Eis o início de uma lista sem fim de problemas.

Uma filósofa brasileira disse, certa feita, que gostaria de ter escrita, em sua lápide, a seguinte frase: "Não teria dado tempo.". O contexto era de que ela não conseguiria ler todos os clássicos que desejava, mesmo empenhando toda sua vida neste objetivo. A aparente resignação da frase, entretanto, refere-se apenas à limitação do tempo, não a da sua vontade em lê-los até o último dia de sua vida.

Assim deveria ser a atitude de qualquer ser humano diante das limitações impostas pela vida, mas isto também é uma utopia. Não são poucos os casos em que, simplesmente, desistimos ou esmorecemos, como que aguardando algo, ou alguém, que se compadeça da situação e elimine nossos problemas para que, aí sim, o que há de melhor em nós mesmos possa aflorar sem esforço. Mais ou menos como um perfeccionista que deixa de fazer qualquer coisa para não fazer algo imperfeito ou indigno de si.

Lida em algum recanto cibernético, uma outra frase, apesar de cheirar a "auto-ajuda", dá uma visão, digamos, positivista da realidade limitada a que estamos imersos. Isto porque dá esperança ao mesmo tempo que lembra da dura e inevitável tarefa da escolha: "Você pode até ter tudo o que quiser, mas não tudo ao mesmo tempo.".

Dureza, né?!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Abstinência Estatística


Se há alguma coisa que os estadunidenses fazem melhor do que todo mundo são suas pesquisas estatísticas. Bom, melhor dizendo, provavelmente até exista quem as faça melhor, mas, definitivamente, não com a mesma frequência nem com a mesma variedade de temas. Levantamento de quase tudo e em quase todas as áreas são realizados e, muitas vezes, servem como base para tomadas de decisões importantes. Mas qualquer um que tenha um mínimo de conhecimento estatístico sabe que se pode encontrar "relações" entre conjuntos de valores absolutamente independentes entre si. Isto é potencialmente perigoso, em especial quando o trabalho não pode ser repetido facilmente e, mesmo assim, deve servir de apoio para decisões sobre ações futuras.

E é justamente a interpretação do trabalho e suas implicações os maiores problemas das pesquisas estatísticas. Na década de 1930, Pitigrilli, um humorista italiano, já alertava que a estatística era "a ciência que diz que se eu comi um frango e você não comeu nenhum, teremos comido, em média, meio frango cada um". Claro que, hoje, há inúmeros cuidados para que os números reflitam a realidade da forma mais fidedigna possível, mas a perfeição é uma utopia.

Um recente estudo nos EUA ilustra com maestria esses problemas. Pesquisadores concluíram que, para se evitar uma gravidez precoce entre jovens e adolescentes, apenas pregar a abstinência sexual nas escolas é mais efetivo do que, simplesmente, prover educação sexual. A questão apareceu na mídia com o "status" de uma eventual "virada-de-mesa" nos atuais moldes educacionais do país. Ortodoxos e liberais se apressaram em defender e condenar o trabalho, respectivamente. E, com um pouco de esforço, até daria para enxergar um risinho de satisfação na boca dos educadores católicos daquele país. Paralelamente às questões éticas envolvidas, claro, está também a alocação de verbas federais para os programas educacionais de "abstinência sexual", que já haviam sofrido cortes da ordem de US$ 170 milhões no primeiros meses da administração Obama, e de "educação sexual" para jovens e adolescentes.

Por mais esquisito que isto possa parecer, pouca gente, entretanto, questionou os elementos que compõem o estudo, tais como os métodos utilizados, a reprodutibilidade, a adequação do modelo à realidade e uma série de outras coisas que, apesar de neutras, são muito mais relevantes para o objetivo final que é, simplesmente, evitar uma gravidez precoce e indesejável na adolescência, bem como uma série de efeitos colaterais, tais como doenças sexualmente transmissíveis. Mas andamos, talvez, tão preocupados com os próprios pontos de vista, sobre o que é certo ou errado, que até nos esquecemos do pragmatismo que moldou nossa racionalidade ao longo de milhares de anos.

E se o estudo estiver equivocado, refletindo apenas uma pequena amostra do universo pesquisado? E se estiver correto, não deveria ser considerado? E por que não combinar os dois tipos de programa educacional? Não é um espanto, também, descobrir que a arrogância e o preconceito não apresentam uma boa correlação estatística com "patentes" sociais e níveis de inteligência?

Mas em meio a tantas opiniões, as palavras de James Wagoner, presidente da Advocates for Youth é um ponto fora da curva para mostrar porque o gérmen do bom senso, tal como a esperança, nunca morre: "This is a legitimate study from a legitimate researcher. So those of us who believe in legitimate research have to pay attention." (ou, livremente traduzido: "Este é um estudo legítimo de pesquisadores com legitimidade. Então, aqueles de nós que acreditam em pesquisas legítimas devem prestar atenção.").

Simples, não?!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Na Natureza Selvagem


Há vinte anos atrás, um jovem, Christopher McCandless (Emile Hirsch), 22 anos, larga tudo e parte para uma experiência única em busca de si mesmo. Inconformado com as mentiras em seu próprio meio familiar e com o materialismo a que a sociedade se condenou, Christopher abandona seu carro, doa todas suas economias à caridade, queima o dinheiro que carregava, muda de identidade, adotando o nome de Alexander Supertramp, e passa a vagar pela América do Norte apenas com o mínimo necessário, longe aos olhos da formalidade, desaparecendo, assim, para seus familiares.

Ao longo de sua jornada — empreendida à pé, de carona, ou mesmo clandestinamente de trem e de caiaque, estendendo-se até o México — vai se relacionando com várias pessoas que o influenciam e também são influenciadas por ele, porém somente alguns clássicos literários, como Thoreau e Tolstoi, acompanham-no, efetivamente. Seu objetivo final era o Alasca, onde poderia viver por algum tempo completamente isolado e em absoluta comunhão com a natureza selvagem.

O filme, dirigido por Sean Penn, baseia-se no livro homônimo do jornalista Jon Krakauer que conta a história real de Christopher Johnson McCandless. Na Natureza Selvagem ("Into The Wild") foi produzido em 2007, depois que a família do jovem finalmente concordou ceder os direitos da história para o cinema. O trabalho não decepcionou e, além da deslumbrante fotografia e da premiada trilha sonora, ainda conta com a atuação de destaque de Emile Hirsch.

O drama também abre espaço para uma série de reflexões relevantes sobre as várias facetas do ser humano e suas relações sociais, como sobre o modo de vida a qual sociedade moderna se condenou, as atitudes de cada um com relação à própria existência e a revelação de verdades pessoais que só o auto-conhecimento pode trazer. Tal como no final quando o jovem compreende que, apesar de condenar a arrogância de seu pai, não havia tido uma atitude muito diferente ao deixar sua família completamente sem notícias, registrando, então, em seus apontamentos: "happiness only real when shared" (ou em tradução livre, "a felicidade só é verdadeira quando compartilhada").

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Chuva de culpa


Quem vive em São Paulo deve ter percebido que as últimas semanas foram sui generis em termos meteorológicos. Choveu muito, mesmo antes das "águas-de-março" darem as caras por aí. Durante um noticiário da TV no dia primeiro de fevereiro, por exemplo, dava para notar, na apresentadora da previsão do tempo, uma certa frustração pelo recorde histórico do índice pluviométrico não ter sido ultrapassado no mês anterior. Ela chegou a lamentar que as medições do último dia do mês considerassem apenas o índice registrado até às 10:00 h da manhã, método diferente do que fora usado em 1974, na ocasião do maior registro histórico para janeiro.

O fato é que o excesso de chuvas tem causado uma série de transtornos, tanto para os moradores quanto para os transeuntes da maior cidade da América Latina. E as causas a que recorrem são várias: clima planetário bagunçado por alterações antrópicas, excessiva impermeabilização do solo, diminuição das áreas verdes, rios assoreados, poluição, lixo entupindo redes de coleta pluvial, etc. Daria para escrever uma postagem só com as prováveis causas das enchentes, desmoronamentos, surtos epidêmicos e uma série de outros problemas causados pelo grande volume de água.

Não omissa aos problemas, a prefeitura da capital paulista se apressou em culpar São Pedro, pela quantidade de água que cai do céu, e sua própria população, pelo lixo que tem jogado nas ruas ou abandonado nas calçadas em dias sem coleta prevista. Nenhuma palavra foi dita, entretanto, sobre incompetência na gestão de recursos públicos.

Como o recorde de chuvas para o mês não foi superado, fica difícil alegar que a principal causa de tantas atribulações não pudesse ser prevista e evitada. Aliás, mesmo se o índice pluviométrico fosse um pouco maior do que o máximo registrado da década de 1970, mais de trinta anos não seriam suficientes para se tomar providências contra inundações? E como explicar que um bairro da periferia, com instalações da própria prefeitura, fora deixado dias sob as águas, sem que qualquer medida de contenção fosse adotada? E o que dizer da falta de fiscalização efetiva contra a ocupação irregular em áreas de risco? Da ausência de campanhas educativas para a população no período? Dos cortes nas verbas de limpeza urbana no início do ano passado? Da total inexistência de programas de recuperação de áreas verdes e permeabilização de solos?

Não bastasse tudo isso, o Imposto Predial Territorial e Urbano (IPTU) ainda aumentou e foi cobrado, indevidamente, de famílias que tiveram suas casas invadidas pela água. Em sua maioria carentes, essas pessoas terão de se virar para conseguir provas do ocorrido, caso desejem o benefício da lei municipal que as isentam do pagamento imposto nestes casos.

Mas, considerando que nenhum candidato a cargos eletivos da administração pública se elege por conta própria, temos de admitir que a culpa deve ser nossa mesmo...


terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Reishin Kawai Shihan


Infelizmente, no dia 26 de janeiro deste ano, um dos maiores mestres do Aikidô nos deixou. Ou, melhor, como escreveram na página da União Sul-americana de Aikido, Kawai Shihan renasceu para eternidade.

Nascido no Japão em 1931, Reishin Kawai, 8º Dan (nível), imigrou para o Brasil e introduziu o Aikidô em São Paulo no ano de 1963. Acupunturista por profissão e benemérito aikidoca, dedicou quase toda sua vida ao ensinamento da arte marcial no país que escolheu para viver. Entre seus incontáveis discípulos estão muitos dos mestres e shihans (mestres acima do 6º Dan) que hoje atuam em vários países da América Latina.

Além de honorável mestre, Kawai Shihan também era um grande homem, constantemente preocupado em contribuir para uma sociedade mais humana e mais justa. Quem teve a oportunidade de presenciar qualquer um dos eventos de sua organização, certamente acompanhou alguns de seus longos discursos, sempre pregando a paz, a harmonia, a compreensão e, sobretudo, o respeito para com todos os seres humanos, independentemente de sexo, raça ou religião.

Mas se a transitoriedade da vida nos deixou órfãos de sua presença física, certamente sua conduta de verdadeiro "samurai" e seus ensinamentos estarão presentes em nossa memória pela eternidade.

Kawai Sensei, domo arigato gozaimashita! (Mestre Kawai, muitíssimo obrigado!)

Reishin Kawai (1931-2010)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Tanto lá, quanto cá!


E por falar em instituições, pode-se dizer que sem a solidez e a credibilidade destas, não há como conceber uma sociedade nos moldes atuais. São as instituições científicas, religiosas, políticas, jurídicas, policiais, civis, entre várias outras, que estruturam toda a civilização moderna, fornecendo aos indivíduos as referências necessárias para seus próprios julgamentos éticos. Por isso, não há nada pior para uma instituição — e para sociedade a qual pertence — do que cair no descrédito da opinião pública, algo que, fatalmente, ocorre quando não cumpre o papel que se espera dela. E, justamente por serem referências, é que se espera das instituições atitudes e posicionamentos exemplares, não só em relação aos outros mas, principalmente, em relação a si mesmas.

Infelizmente, como toda criação humana, as instituições também estão sujeitas a muitas falhas e limitações. Entretanto, não são estas, propriamente ditas, que comprometem a credibilidade de uma instituição, senão o não-reconhecimento desses equívocos. Ao se reconhecer um erro, abre-se a possibilidade de remediá-lo ou, pelo menos, de se tomar as providências necessárias para que outros, de mesma natureza, não se repitam. Esta atitude de humildade, referência da grandiosidade humana, é uma virtude relativamente rara nas instituições e por um motivo muito simples: também é rara nos seres humanos.

Em 22 de julho de 2005, uma das mais famosas instituições policiais, a Scotland Yard, assassinou, por engano, com sete tiros na cabeça, o brasileiro Jean Charles de Menezes, 27 anos, depois de confundi-lo com um procurado terrorista etíope, Hussain Osman, na estação de Stockwell em Londres. O caso ganhou repercussão por aqui porque Jean era brasileiro, mas a fatalidade poderia ter ocorrido com qualquer outra pessoa de qualquer outra nacionalidade.

A questão é que a instituição de Vossa Majestade não só se esquivou da responsabilidade pelo ocorrido, como ainda jogou a culpa em Jean por ter fugido quando viu os policiais. Fugiu, talvez, por achar que uma instituição policial de referência internacional não tentaria pará-lo com sete tiros na cabeça. No máximo alguns tiros nas pernas ou nos braços, já que o lógico seria um terrorista suicida, já dentro de uma estação de metrô e próximo dos policiais, tentasse se explodir e não fugir.

E para quem acha que "pizza" costuma ser uma especialidade brasileira (afinal, no Brasil, não é tão raro alguém ser fuzilado por alguma autoridade, mesmo sem ser suspeito de terrorismo, e nada acontecer com o responsável), saiba que lá, como cá, tudo terminou em uma bela rodada de "pizzas" institucionais: a Suprema Corte declarou "veredicto aberto", impossibilitando qualquer condenação criminal dos responsáveis, a família de Jean teve de engolir uma indenização à brasileira (que, segundo a Folha de São Paulo de 24/11/2009, não deve chegar a R$ 300 mil) e a comandante da operação, Cressida Dick, 47 anos, ainda recebeu uma condecoração real pelos serviços prestados na polícia britânica.

E quando instituições tão diferentes apresentam desfechos tão semelhantes, é de se suspeitar que, sobre todas as diferenças, o problema é o que há em comum entre elas, ou seja, o ser humano. E, portanto, tanto lá, quanto cá, as instituições devem ir melhorando à medida que nós também formos melhorando. Nunca o contrário...