domingo, 31 de janeiro de 2010

Eles sabem o que é melhor para a gente IV


Caso você seja cliente do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Real ABN AMRO (agora do grupo Santander) e já tenha usado um dos respectivos serviços de "home banking" pela internet, saiba que, provavelmente, já deve ter o "bichinho" rodando, sorrateiramente, no seu computador. Pior ainda, se você, como muitos, utiliza o sistema com privilégios de administrador, TODOS os perfis da sua máquina devem estar comprometidos. O G-Buster Browser Defense instala seus processos diretamente no "winlogon" (o cérebro do Windows), atingindo todos os usuários, independentemente, se acessam, ou não, os serviços bancários.

Bom, até aí, "cada um no seu quadrado": a tal da GAS Tecnologia desenvolveu um programa, usando todos os artifícios possíveis para blindá-lo, e o comercializa, sendo bem remunerada por isso. Não haveria nenhum problema se o usuário, ciente de todas as implicações, tivesse optado por este tipo de proteção no seu computador. O problema, mesmo, é quando instituições da magnitude de um Banco do Brasil se sujeitam a um papelão desses, instalando um programa — mais parecido com um virus — nos computadores de seus clientes e à revelia destes.

Tal atitude, além de absolutamente anti-ética, denota uma irresponsabilidade incrível. Como o usuário comum sequer suspeita de que o programa exista, muito menos de como age, na eventualidade de um problema externo qualquer, o sistema operacional, à mercê do programa, pode ruir, soterrando qualquer possibilidade de recuperação de preciosos dados pessoais. Sem mencionar o tempo totalmente desnecessário que pode ser perdido apenas para se descobrir o que está errado com a máquina. Além do mais, o computador com o tal "programa de segurança" está protegido apenas dos ataques mais comuns, muito distante de evitar os profissionais de invasão — ou, talvez, a GAS devesse vender seus produtos para o Governo Estadunidense que acabou de ter uma série de páginas invadidas por "hackers" brasileiros. Aliás, muito pelo contrário, como se trata de uma tecnologia comum a vários bancos, o "software" abre um perigoso precedente para ter sua segurança quebrada, expondo todos os usuários que o utilizam de uma vez só.

Para quem já está com o problema, pode tentar ligar para o atendimento do banco e exigir que o caso seja resolvido. Mas se quiser se aventurar sozinho, as melhores referências sobre a "peste virtual de segurança" estão em dois "blogs": Insane Bits e Pseudo-random tech thoughts. Não adianta tentar remover o G-Buster Browser Defense com as dicas apresentadas nos respectivos textos porque a GAS já se encarregou de eliminar as "falhas" de seu sistema na última versão. Mas não desanime! Apesar de perigoso e trabalhoso, ainda é possível eliminá-lo do seu micro. Fique ciente que, no caso particular da história, a remoção do emplastro mais recente pôde, também, ser realizada com sucesso, mas não convém publicar o método aqui. Primeiro porque equipamento em questão é bastante peculiar e, segundo, porque a raiva não permite dar a oportunidade à GAS de fechar outra porta.

No final, a conclusão é de que, hoje em dia, vale tudo, pois como diria Maquiavel, "os fins justificam os meios" e pode-se fazer o que bem entender com a privacidade e a liberdade do cidadão, ou da cidadã, desde que seja para "protegê-lo", ou "protegê-la". Afinal de contas, eles sabem o que é melhor para a gente... Nós, não.


sábado, 30 de janeiro de 2010

Eles sabem o que é melhor para a gente III


O nome do emplastro:  G-Buster Browser Defense
O nome dos criadores: GAS Tecnologia
O nome do banco:      Banco do Brasil S/A


Apesar da liguagem figurada, a história contada não é de todo ficção, senão uma dura realidade ética deste país. Tudo começa com uma tela azul (decorrente de um erro fatal de sistema) do Windows XP, logo após uma queda da rede elétrica. A primeira providência foi verificar a integridade dos dados no disco rígido através do "Scandisk" e eis que surge o primeiro sinal de anormalidade: após a verificação, sem acusar qualquer problema no disco, o sistema reinicia com um "erro de hardware desconhecido" ("Unknown hardware error"). Como se tratava de um equipamento já com uns bons anos de uso, o nível de preocupação, naturalmente, começa a aumentar. Na primeira tentativa de restabelecer o sistema, outra tela azul e o desespero já toma providências para que se anote os incompreensíveis códigos de depuração da memória da máquina.

Principia-se, então, uma longa (semanas) e exaustiva investigação das várias estranhezas que o sistema passara a apresentar, cada qual com suas minúcias, requerendo estudos específicos sobre o que e como fazer, tais como o arquivo de paginação que se recusava a ficar com o tamanho especificado, a desinstalação de programas suspeitos de estarem causando o problema, a instalação de outros programas para detecção da falha, etc. Até que, subitamente, durante um dos acompanhamentos da memória, desempenho e processos do computador, algo, até então desconhecido, é notado: um estranho serviço (ou, em linguagem leiga, um programa rodando no sistema operacional) e alguns processos, ligados a ele, que, apesar de transparentes ao usuário, consumiam quase a totalidade dos recursos de processamento nos momentos que precediam a tão apavorante tela azul.

A primeira providência, claro, foi terminar com o serviço, mas logo em seguida, lá estava ele novamente, funcionando firme e forte. A segunda, foi ir até o painel de controle do sistema para remover o programa da máquina. Outra surpresa: ele não aparecia na lista de instalação.

Começava, então, uma segunda jornada, tão custosa e ainda mais dolorosa do que a primeira: descobrir o que era aquilo e como eliminá-lo da máquina. Muitas pesquisas depois, surgem as primeiras pistas: o emplastro, melhor dizendo, o G-Buster Browser Defense é um programa de "proteção" para os navegadores da máquina. Disto decorria uma pergunta natural: como é que ele havia parado lá sem que o administrador de sistema o tivesse instalado? O leitor, provavelmente, já deve ter advinhado a resposta: através de um módulo de segurança do Banco do Brasil.

Aquele programa, furtivo e persistente como um virus, fora instalado sem prévio aviso — a página do banco solicita permissão para instalar o módulo de segurança, dando a entender que se trata de uma simples biblioteca de criptografia, sem qualquer alerta específico sobre o funcionamento ininterrupto de um programa — na máquina de um usuário comum de serviços bancários e sem fornecer qualquer opção de remoção para o dono do microcomputador. Aliás, o pateta do usuário sequer desconfia que exista um "cavalo-de-tróia" ("do bem", segundo alguns!) em sua máquina, rodando incessantemente, embaralhando dados do registro de seu sistema operacional, consumindo recursos preciosos de processamento e enviando informações pela internet, sabe-se lá para quem e para qual finalidade.

Mas, como disse um dos defensores da "inovadora tecnologia" em um comentário deixado em um "blog" que explicava o funcionamento do programa, aquilo serve para proteger as pessoas comuns dos "bandidos" virtuais, deixando subentendido que eles sabem o que é melhor para a gente.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Eles sabem o que é melhor para a gente II


Assim que descobre o efeito colateral do emplastro, você tenta retirá-lo, mas ele não sai. Vai, então, até o banheiro e, em frente ao espelho, tenta novamente. Dói à beça, mas o adesivo acaba saindo, junto com a pele do local. Mais aliviado que dolorido, joga tudo fora — enquanto xinga a mãe de quem inventou o tal emplastro — e vai dormir. Só que no dia seguinte, de tão exausto, nem consegue se levantar e quando, instintivamente, põe a mão no ferimento que não parava de arder, descobre, chocado, que o emplastro ainda continuava lá, grudado no mesmo lugar.

Você reúne o que lhe resta de suas forças, corre novamente para a frente do espelho e o arranca, de novo, dessa vez urrando de dor — as cabeças da mãe do criador do emplastro e do gerente do banco já não são mais suficientes para aplacar sua ira. Então, você se arrasta até a cozinha para tomar café, mas logo percebe que o emplastro apareceu grudado no mesmo lugar outra vez! Sem entender nada, corre para acessar o Google e descobrir como se livrar daquele inconveniente. Acha uma porção de coisas, tenta de tudo e, mesmo assim, não consegue se livrar do maldito emplastro — as recomendações que encontrou se tratavam de versões anteriores e o gerente do banco teve o cuidado de lhe entregar a última novidade.

Aquilo se torna uma questão de honra e você começa a pesquisar mais sobre o assunto, tentando absolutamente tudo, tanto o que leu quanto o que não leu. Como resultado, algumas vezes você desmaia e outras acha que morreu definitivamente, e sempre que recobra a consciência, descobre que o emplastro continua no lugar, firme e forte. Você luta, sozinho, bravamente contra aquele abuso, já que seus recursos financeiros já não mais permitem contar com auxílio profissional especializado — como última alternativa, deixa um guru indiano de sobreaviso para transferir sua alma a outro corpo, caso alguma fatalidade irreversível aconteça.

Finalmente, depois de meses, desde que se iniciaram os desagradáveis sintomas, você consegue se livrar da praga definitivamente. Não sem antes fazer coisas inimagináveis com o próprio corpo, coisas que jamais ousaria tentar em situações convencionais. Veio a saber, nesse ínterim, que o maldito emplastro usava uma tecnologia de integração gênica, praticamente impossível de ser dissociada do corpo da pessoa por métodos comuns. O mecanismo, furtivo como um virus, funcionava de forma a se reconstituir, indefinidamente, nem que para isso tivesse de sacrificar o próprio hospedeiro.

E você, então, pensa, por um instante, sobre o que fazer com relação ao banco, ao gerente e aos criadores de tamanha aberração, mas se lembra que a instituição bancária, com seu infinito poderio jurídico, é inatingível pelas leis de seu país e que, da mesma forma, tal proteção da justiça, inevitavelmente, também se estenderia ao gerente do banco e aos criadores do emplastro, haja vista todos estarem legalmente constituídos. Por fim, vislumbra uma certa descrença pela humanidade, conforma-se com sua própria insignificância e decide fazer a única coisa que lhe resta: contar sua história em um "blog" para que outras pessoas também possam ser alertadas.


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Eles sabem o que é melhor para a gente I


Um dia você vai ao banco e o gerente, sorridente e afável, pergunta-lhe se você deseja a última novidade em proteção contra bandidos. Sem hesitar, mais do que depressa, você aceita o que lhe oferecem. O homem diz se tratar apenas de um emplastro, muito simples, que deveria ser colado à sua pele. Sem muitas perguntas, já que o banco exigia seu uso para acessar o interior de suas agências, você prende o adesivo em alguma parte escondida do corpo e vai para casa. E eis que, de fato, nenhum mal lhe acomete depois disso, se bem que nunca lhe ocorrera nada assim, afinal você já tomava todas as precauções necessárias para evitar tais dissabores.

Passado algum tempo, você nem se lembra mais que, em um dia, o gerente do banco lhe dera um emplastro para usar. Suas preocupações se voltam para problemas mais imediatos, como uma inusitada sensação de cansaço antes de terminar o dia. Parece que algo vem lhe sugando parte das forças, mas de forma tão sutil que você é incapaz de apontar a causa objetivamente. Começa, então, a tomar vitaminas, fazer exercícios mais regularmente, fazer exames com mais frequência, mas nada aparece como causa daquele incômodo. Sem muitas esperanças de resolver o problema, apela até para o sobrenatural, indo a sessões de descarrego, ouvindo e fazendo as mais diversas simpatias, ao mesmo tempo que aguente os comentários, por vezes irônicos, de familiares, amigos e conhecidos. Entretanto, nada, o esgotamento só aumenta...

Até que, em um final de tarde, alguém lhe dá um esbarrão, ocasionando sua queda e a fratura de seu fêmur. Nada que um bom gesso e uns dias de molho não resolvam. Só que, assim que tira o gesso, escorrega e quebra a tíbia, ficando mais uns dias de cama e gastando o que não recebeu. Logo a tíbia sara, mas ao descer as escadas do hospital, sente uma tontura e despenca lá de cima... À essa altura, você já encomendou a viagem de um padre do Vaticano para vir lhe exorcizar, vem tomando todas as medicações e vitaminas possíveis e tem pesquisado toda a internet em busca de um meio para se transferir para outro corpo.

Já quase sem perspectivas, observa, por mero acaso, algo estranho em suas costas, revelado por uma das ressonâncias magnéticas que fez há pouco. Corre até o espelho para verificar e, pouco abaixo da linha da cintura, redescobre o emplastro esquecido daquele gerente do banco. E, em uma louca associação de ideias, pensa que, talvez, o emplastro pudesse ser o causador de tudo aquilo e corre para o Google para saber se você não pirou de vez. A pesquisa, no entanto, é reveladora: aquele emplastro, para protegê-lo contra assaltos, consume uma pequena parte de sua vitalidade, ininterruptamente.


quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A ideia e o fato


Há uma distância enorme entre o que se idealiza e o que, de fato, acaba acontecendo. E não seria absurdo algum resumir o mundo todo nestas duas coisas: a ideia e o fato. É como nosso universo funciona e, acaso o leitor conheça alguma exceção, esteja à vontade para apresentá-la em comentário.

Tome como exemplo algo complexo, tal qual uma empresa. Um dia você acorda com uma ideia ótima para prestar um serviço útil à sociedade, gerar emprego e renda, além de contribuir com um futuro melhor para seu país e para o mundo. Pensa em tudo: como conseguir o capital inicial, precaver-se de depressões econômicas, manter a qualidade do produto ou serviço, etc. Aí, quando o raciocínio está redondo, fechado, vai até o órgão público competente e recebe os primeiros golpes: necessidade de prestar informações inexistentes, prazos inviáveis, impostos sobre presunção de ganhos, taxas, formulários e um mar intransponível de burocracia.

Claro que ninguém pensou em criar leis, impostos e procedimentos para prejudicar a sua vida, assassinando sua boa ideia. Quem construiu a citada barreira burocrática tinha o louvável objetivo de prevenir os abusos das pessoas de má-fé contra a sociedade. De qualquer forma, a despeito da boa intenção, perceba a distância entre o que se pretendia — a ideia — e o que ocorre na realidade — o fato.

Mas suponha que você seja um incansável batalhador pelos seus sonhos e ultrapasse todos os obstáculos burocráticos colocados em seu caminho. No segundo nível, você terá de colocar sua ideia para funcionar, trocando um produto ou serviço de qualidade por uma remuneração justa, da qual deverá extrair o lucro que dará o vigor necessário ao crescimento da sua empresa. Eis que você recebe outro choque de realidade, descobrindo que as pessoas não estejam dispostas, talvez, a pagar aquele preço. Subitamente, você se encontra na difícil situação de ter que escolher entre diminuir a qualidade de seu produto, ou serviço, para adequar o preço de venda ou, simplesmente, fechar as portas. E, novamente, surge a dialética entre a sua boa ideia e o péssimo fato — também conhecido como realidade.

O exemplo é meramente ilustrativo, haja vista a ocorrência disso em qualquer aspecto da vida — inclusive os mais corriqueiros. Por exemplo, quando você não consegue dormir, ou acordar, na hora desejada, quando não dá conta dos compromissos diários com os quais acreditava poder lidar, quando não consegue dizer algo a outra pessoa, mesmo tendo ensaiado horas a fio, enfim, quando algo em que pensou não se concretiza. Não é surpreendente, portanto, que o sucesso chegue, mais amiúde, àqueles com maior habilidade em unir o que se pensa ao que acontece e vice-versa.

Houve até quem pensasse (ideia), um dia, ser trivial a produção de um texto diferente diariamente, gerando um "blog" que fosse lido, de forma regular, por alguém em algum lugar do planeta... Mas não é trivial (fato).



terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Resmungando...


Tudo bem! Pode até ser implicância, mas que a galera das grandes cidades parece estar muito louca, atualmente, isso parece. Qualquer um que resolva passear por aí pode presenciar uma extensa série de ações absolutamente ilógicas realizadas por algumas pessoas. Se serve de consolo, a falta de lógica — razão, bom senso, educação, etc. — atinge qualquer um, sem distinção de idade, sexo, etnia ou religião.

Observe, por exemplo, alguma das milhares de escadas rolantes espalhadas pela cidade. Já percebeu que inúmeras pessoas simplesmente param no primeiro degrau e esperam, pacientemente, que este as conduza para o outro piso? Não seria exagero arriscar que a condução pela escada rolante é quase um fetiche para alguns. Há quem chegue correndo, esbaforido, trombando com os demais transeuntes, para chegar a uma escada rolante e parar. Pode até reclamar do tempo que leva para um degrau da escada atingir outro andar. Tal fato passaria despercebido se fosse algo exclusivo de senhores e senhoras de idade — ou alguém com alguma limitação física — que não podem dispender o esforço em escadas, entretanto, é incompreensível que isto se passe com crianças, jovens e adultos que, por vezes, gastam pequenas fortunas para malhar todo santo dia em alguma academia da cidade.

E se restar alguma dúvida sobre estar sendo intransigente com relação às escadas, é possível observar o mesmo fenômeno nas suaves rampas rolantes de grandes supermercados. Muitos desses estabelecimentos, inclusive, já desistiram de construir escadas de acesso, disponibilizando apenas rampas, móveis ou não.

Há coisas muito mais bizarras como gente absolutamente saudável usando elevadores exclusivos de deficientes para subir ou descer um único andar! Ou pessoas, também saudáveis, estacionando nas vagas reservadas para idosos e deficientes apenas para não ter de se deslocar cinco ou seis metros a mais. Ou gente acelerando o veículo logo que percebem o sinal do motorista ao lado, pedindo passagem. Ou alguns fumantes reivindicando respeito para poderem desrespeitar quem não compartilha do "suicídio homeopático". Ou gente ouvindo som alto no meio de outras pessoas na rua, no trem, no ônibus... Enfim, a galera parece estar muito louca, mesmo.

Mas, nada é tão surreal quanto ouvir os resmungos dessas mesmas pessoas, ilógicas, reclamando quando alguém tenta passar por elas nas escadas e rampas rolantes, quando se fiscaliza o uso de elevadores apenas por pessoas com deficiência, quando se multa um carro parado em uma vaga reservada para idosos, quando se entra na frente do veículo assim que a seta é ligada, quando se proíbe fumar em locais públicos fechados, quando se multa alguém com o aparelho sonoro no último volume em coletivos...

Tomara que seja só loucura mesmo...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Parabéns, São Paulo!


Era um outro momento — ainda no século passado — quando uma poética declaração de amor foi escrita por um leigo em poesia à sua cidade natal. Mas apesar disto, a força do sentimento que a originou foi suficiente para fazê-la ser ouvida bem longe daqui.

E como o sentimento legítimo não é corroído pelo tempo — pelo contrário, alimenta-se dele — nada melhor do que oferecê-lo, assim, in natura, a quem o inspirou. E pelo lirismo — apesar de tantos tropeços e do muito que ainda falta ser feito — dizer ao mundo que os paulistanos não desistimos nunca desta cidade!

Parabéns, São Paulo, pelos seus 456 anos...



domingo, 24 de janeiro de 2010

O Principezinho


Há algumas leituras cuja "alma" precisa ser "sintonizada" pelo leitor, ou este corre o sério risco de "passar batido" pelas ideias que o autor quis transmitir. Um sintoma típico desse problema é quando não se gosta de uma obra à primeira vista. Em geral, não gostamos daquilo que não entendemos.

Mas antes que se atire a primeira pedra, é bom explicar que você pode gostar, ou não, de qualquer coisa: você pode detestar Machado de Assis e adorar Paulo Coelho. O que se está dizendo é que o contexto sempre ajuda a entender a que o autor se referia quando produziu a obra, o que acaba "cativando" seu gosto pela mesma. Como entender as deformidades nas pinturas de Picasso sem associá-las à dor e ao sofrimento da Guerra Civil Espanhola, por exemplo?

Este autor confessa que nunca conseguiu gostar de "O Pequeno Príncipe", clássico de Antoine de Saint-Exupéry, até recentemente, quando uma querida amiga italiana mandou, de presente de natal, uma versão lusitana da obra — talvez o melhor presente deste final de 2009. Em Portugal, o livro possui o nome de "O Principezinho" (Tradução de Joana Morais Varela, Editorial Presença, Lisboa, 2008) e traz, além das aguarelas (aquarelas, no Brasil) do autor, várias expressões típicas de além-mar. Uma verdadeira delícia literária francesa regada com o melhor azeite português!

A despeito das particularidades que envolveram a chegada do exemplar por aqui, a obra de Saint-Exupéry, escrita na década de 1940, é praticamente atemporal e transcultural, com, pelo menos, duas leituras possíveis: a de uma criança — que se deixa envolver pela magia da fábula — e a de um adulto — engolido pelas críticas feitas, em linguagem figurada, a seu mundo "adulto". A viagem do Pequeno Príncipe vai descortinando o "outro", cada qual em "seu planeta", a partir de uma visão crítica de uma "pessoa crescida", porém com a "ingenuidade" de uma criança, atitude indispensável para se tentar entender sem, no entanto, julgar. Como quando encontra com o rei:

"(...) — Ah! Cá temos um súbdito! — exclamou o rei, mal avistou o principezinho. O principezinho estranhou:
'Como pode ele saber quem eu sou se nunca me viu?'
Ainda não tinha aprendido que o mundo se encontra extremamente simplificado para os reis. Todos os homens são súbditos.
— Aproxima-te, para eu te ver melhor — disse-lhe o rei, cheio de orgulho por ser finalmente rei de alguém.
O princepezinho bem olhou em volta, à procura de um sítio para se sentar. Mas o planeta estava todo atravancado pelo magnífico manto de arminho. Teve de ficar de pé e, como estava cansado, bocejou.
— É contra a etiqueta bocejar na presença de um rei — disse o monarca. — proíbo-te que bocejes!
— Não consigo parar — respondeu o pricipezinho, muito atrapalhado. — Fiz uma grande viagem sem dormir...
— Então ordeno-te que bocejes — disse-lhe o rei. — Não vejo bocejar há anos. Para mim, um bocejo é uma verdadeira raridade. Anda! Boceja! E isto é uma ordem!
— Assim fico intimidado... Já não consigo... — disse, corando, o principezinho.
— Então, então, ordeno-te que umas vezes bocejes e que outras...
Tartamudeava. Parecia vexado.
Porque ao rei importava sobretudo que a sua autoridade fosse respeitada. Não tolerava desobediências. Era um monarca absoluto. Mas também era muito bom, e por isso só dava ordens sensatas. Costumava dizer:
'Se eu ordenasse a um general que se transformasse em gaivota e ele não me obedecesse, o general não tinha culpa. Eu é que tinha.' (...)
"

Pena algumas autoridades não serem, cá na Terra, tão sábias quanto aquele rei!

sábado, 23 de janeiro de 2010

Em busca da "psico-alopatia"


Ainda no viés psicológico, nota-se que há uma grande polêmica quando se fala sobre doenças psicossomáticas. Muitos dos pontos que geram toda essa polêmica, só para variar, decorre da confusão com uma série de conceitos. Não é nada raro encontrar, inclusive, absurdas associações do termo com curandeirismos ou o charlatanismo — este é o extremo da ignorância sobre o assunto.

A definição do que seja psicossomático, segundo o Houaiss, por exemplo, é, simplesmente, o "que pertence ao mesmo tempo ao orgânico e ao psíquico". Como não se pode separar a mente do corpo de um ser humano, a maioria das coisas que se relacionam com ele, ou ela, podem ser consideradas psicossomáticas. Senão, vejamos: fazer exercícios liberam endorfinas (orgânico) que favorecem o bom-humor (psíquico), ou a exaustão mental (psíquico) pode gerar problemas no sistema gastro-intestinal (orgânico).

O avanço da medicina tradicional ao longo da história direcionou seu foco de atuação, quase que exclusivamente, aos sintomas e efeitos físicos das enfermidades — também pudera, o efeito é imediato, algo essencial em momentos críticos. Atualmente, porém, mesmo entre os próprios médicos, começa a surgir uma crescente preocupação em tratar as doenças de uma forma integral, cuidando da pessoa como um todo e não em partes — psíquica e orgânica. A Psicossomática estuda justamente a relação entre a causa psíquica e o efeito somático, em busca de uma solução definitiva para o problema.

Quando se diz que uma doença foi originada na mente de alguém, isto não significa que a pessoa tenha, conscientemente, desejado isto e, muito menos, que os sintomas não existam na realidade. Quer dizer apenas que algum fator psíquico contribuiu para que a desordem aparecesse e, se tratado adequadamente, após ministrados os medicamentos para controlar os sintomas, o problema não deverá mais retornar — ou, se retornar, ocorrerá com menor frequência. Um exemplo típico é quando a pessoa está demasiadamente triste e/ou desanimada. Seu sistema imunológico tende a se debilitar, facilitando a instalação de agentes infecciosos em seu organismo que, em condições normais, seria mais dificultado.

Além do desconhecimento, o preconceito ainda possui outra fonte certa: o imediatismo de resultados. Mas isto é assunto para outro "post". Sobre isto, hoje, basta dizer que se alguém inventasse pílulas de felicidade, prazer e bem-estar imediatos, seria, muito provavelmente, a pessoa mais bem sucedida do mundo.



sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Maria-vai-com-as-outras


Solomon Asch (1907-1996) foi um psicólogo polonês, nascido em Varsóvia, que emigrou para os EUA na década de 1920. Formou-se na Faculdade da Cidade de Nova York e obteve seus títulos de mestre e doutor na Universidade de Columbia na década de 1930. Entre seus relevantes trabalhos, estavam uma série de experimentos sobre a pressão social, capaz de fazer com que um indivíduo aceitasse algo evidentemente errado como certo.

Um dos experimentos consistia em perguntar a um grupo de alunos, qual de três linhas era do mesmo tamanho de uma quarta. Todos os alunos, exceto um, eram instruídos a darem uma resposta falsa. O estudo verificou que em mais de 30% dos casos, a resposta do que não fora instruído seguia a opinião da maioria. Aumentando-se o número de alunos, desde que mantida a fração de respostas erradas, este percentual não se alterava, porém diminuía rapidamente com a redução da fração de respostas falsas.

Os resultados foram valiosos para embasar as críticas que Asch fazia aos seus colegas comportamentalistas que separavam os fatores psicológicos de seus contextos. Muitas foram as implicações dos trabalhos também na área de sociologia, explicando alguns comportamentos sociais verificados. Em linguagem leiga e, mais uma vez, lançando mão da sabedoria popular, pode-se dizer que o trabalho respaldou, cientificamente, o perfil "maria-vai-com-as-outras".

Mas, por favor, não entenda o termo pejorativamente, afinal, somos animais sociais e não parece, mesmo, fazer sentido que tal comportamento não se manifeste entre nós. O fato, inclusive, chama-nos à responsabilidade pelo que tornamos público e ressalta a importância do engajamento social em torno de ideias que realmente valham a pena. Isto porque, pelo menos em teoria, após algo ser aceito por uma massa crítica de pessoas, tende a ser seguido pelo resto do grupo.

O importante é estar sempre do lado de quem pensa, tendo a humildade necessária para seguir o rebanho quando as marias estiverem indo para o lugar certo.




quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A teoria na prática


Há aspectos fascinantes na engenharia que frequentemente passam absolutamente despercebidos a quem não é da área. Algumas vezes são apenas curiosidades que qualquer aluno, minimamente interessado nas maçantes aulas de física do colegial, saberia, não fosse o desinteresse em unir a teoria à prática manifestado por alguns professores. Não há dúvidas de que é muito mais fácil reter conceitos, mesmo os mais abstratos, se fosse mostrada, pelo menos, alguma situação na vida em que aquele conhecimento fosse útil.

É o caso do atrito, por exemplo. Quem apertar a memória aí vai se lembrar da fórmula usada para se calcular a força de atrito de um corpo sobre uma superfície rugosa: Fat=µ·N, sendo Fat a força de atrito em Newton, µ o coeficiente de atrito (sem unidade) e N a força normal à superfície também em Newton. Sem problemas, certo? Acontece que o coeficiente de atrito muda se o corpo estiver em movimento (dinâmico, µd) ou parado (estático, µe), sendo que o coeficiente de atrito estático é sempre maior que o dinâmico (µe>µd).

E se você não for da área de exatas e, ainda assim, leu o texto até aqui, já deve estar se perguntando para que "diabos" serve isso, a não ser para um bando de engenheiros — ou físicos, ou matemáticos, etc. — "nerds", não? Serve, por exemplo, para você não gritar quando estiver ao lado de alguém que esteja dirigindo, já que, se o motorista brecar de repente e travar as rodas do veículo, o carro demorará bem mais para parar, aumentando a probabilidade e a gravidade de um acidente de trânsito. Ou para entender o porquê do seu companheiro, ou companheira, preferir torrar mais de R$ 2000,00 colocando como opcional um sistema de freios ABS (sigla para "Antiblockier-Bremssystem" ou "Anti-lock Braking System", sistema de frenagem anti-travamento) ao invés de um jogo de rodas de liga-leve. Ou para saber que, se um piso é escorregadio, você deve andar o mais devagar possível. Enfim, para uma infinidade de coisas absolutamente práticas.

Mas um efeito muito mais sutil do atrito, entretanto, é o desperdício de energia. Um carro, por exemplo, gasta boa parte do combustível superando o atrito com o ar, com o chão e, principalmente, entre as partes móveis internas de sua mecânica. Estima-se que o custo econômico da perda de energia gerada pelo atrito, só nos EUA, ultrapasse os US$ 100 bilhões anuais. O uso de tecnologias mais eficientes, envolvendo os mais recentes dispositivos tribológicos (a tribologia estuda a interação entre superfícies), poderia liberar quantias significativas para serem usadas em áreas carentes de recursos financeiros ou, então, para financiar novas pesquisas. Some-se aos custos diretos do consumo de energia, os custos do tempo gasto em manutenção, das peças de reposição, das horas de máquinas paradas devido a falhas, etc., e você terá uma vaga noção do tamanho do problema. Sem mencionar que a economia de recursos naturais e combustíveis também faria um bem enorme ao meio-ambiente.

E pensar que aquele coeficiente mixo, mal ensinado no colegial, era tão importante assim...

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Jóias do acaso


Ainda sobre a pseudo-dialética científico-religiosa, seria cômico, não fosse trágico, a ocorrência de inúmeros casos cotidianos, cujos desfechos parecem alimentar a fogueira de dúvidas acendida pela discussão entre laicos e crentes. Tivessem os deuses características humanas, como se acreditava na Grécia Antiga, poder-se-ia dizer que a ironia de alguns acontecimentos lhes seria peculiar.

Recentemente, uma família, voltando das festividades de final de ano no litoral paulista, foi assaltada próximo de onde residiam na zona sul de São Paulo. Os bandidos levaram o veículo das vítimas e, mesmo sem reação, dispararam em direção ao peito de uma senhora de 66 anos e fugiram. Milagrosamente, o tiro acertou em um pingente de ouro da mulher, desviando a bala que acertou a boca de seu afilhado de 8 anos. Felizmente, ambos passam bem.

Uma rápida pesquisa na internet e vários outros casos semelhantes aparecem, como o do médico de 35 anos, Eduardo Vinícius Melhem, irmão do ator Marcius Melhem — o "Radesh" da novela "Caminho das Índias", da TV Globo — que ao sair do plantão foi vítima de um sequestro-relâmpago. Mas antes mesmo de o abordar, os assaltantes dispararam também contra o peito dele. A bala desviou em uma medalha de seu anjo-da-guarda e foi parar no seu ombro direito. O médico também passa bem.

Para uma pessoa que vivencia uma experiência como esta, deve ser difícil aceitar que sua vida tenha sido salva por um mero capricho do acaso. Tanto quanto o fato deve parecer absolutamente trivial para quem acredita no surgimento de todo o universo por obra do mesmo capricho da casualidade. E como não é possível ter certeza de uma coisa ou outra, dizer que foi um milagre ou um fortuito final feliz tem exatamente a mesma validade prática.

Mas analisemos os fatos à luz de um ponto de vista neutro, deixando que cada um decida por si mesmo se foi uma divindade, ou não, que resolveu os problemas. Considerando apenas os fatos, o leitor há de concordar que, se as vítimas não tivessem lá suas crenças, elas não teriam se salvado, uma vez que não deveriam estar usando o tal amuleto de proteção durante o incidente, no máximo uma correntinha...

E aí, quem você acha que está com a razão?



terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A ciência e a religião


De vez em quando, um cientista ou outro se debate com as visões religiosas sectárias de algumas pessoas, principalmente quando publica suas ideias em algum grande veículo de comunicação. Conflitos desse tipo vêm de longa data mas, como sempre, nascem de uma certa confusão gerada por conceitos mal esclarecidos, principalmente no que diz respeito à religião e à ciência. A primeira trata das convicções filosóficas de cada um, é metafísica, transcendendo o observável. A segunda, observa fenômenos e tenta explicar o funcionamento do universo em que existimos. Mas se uma não interfere — ou não deveria interferir — na outra, por que há tanta confusão?

Acontece que a fé religiosa nada tem a ver com a ciência, mas a fé na ciência tem tudo a ver com a religião. Esclarecendo o trocadilho, não são os conteúdos, mas os comportamentos, com relação ao que se acredita, que geram tantos mal entendidos entre crentes e descrentes. Infelizmente, ainda há cientistas absolutamente certos de que religiosos não pensam, não são lógicos ou não usam a razão. Assim como ainda há religiosos que enxergam os cientistas como a encarnação do próprio mal. Mas, por incrível que pareça, existem religiosos que pensam e cientistas tementes a Deus.

Quando se diz que os religiosos não possuem atitude crítica com relação a certos fenômenos, enquanto que os cientistas, pela própria natureza da atividade, costumam ser questionadores e prontos para mudar tudo o que pensam tão logo uma nova teoria se mostre consistente, trata-se apenas uma generalização. E aí começa o problema, já que as generalizações, apesar de não serem mentiras, também não são verdades. Existir padrões de comportamento comuns a um determinado agrupamento humano não significa, necessariamente, que todos os elementos daquele grupo possuam as mesmas características.

Se alguém tem certeza de que Deus existe e sente-se feliz por seguir os preceitos de sua religião ou, então, tem certeza de que Deus não existe e sente-se feliz por não seguir preceito religioso algum, tudo fica ótimo. A coisa começa a ficar péssima a partir do momento em que um tenta impor seu o ponto de vista ao outro. E esta atitude é comum tanto em fánaticos religiosos quanto em cientistas fanáticos. Claro que isto não significa que não se possa expor o próprio ponto de vista e os motivos pelos quais é levado a pensar daquela forma, nem, tampouco, que não se deva cobrar, do outro, atitudes dignas para com um terceiro. Significa, simplesmente, que a crença da pessoa nada tem a ver com seu comportamento, já que há outros tantos que acreditam na mesma coisa e agem de forma totalmente diferente.

Um caso típico são certas posições assumidas por algumas instituições religiosas que, às vezes, causam mais prejuízos que benefícios às pessoas. Estas posições podem e devem ser criticadas e até combatidas, conforme o caso. Mas isto — correndo o risco de se tornar repetitivo — nada tem a ver com as crenças dos seguidores daquela instituição. Condenar a fé de alguém por causa de uma posição da instituição religiosa ou do comportamento de alguns de seus pares é tão absurdo quanto condenar a ciência por ter produzido a bomba atômica. Sem mencionar o fato de que tanto a religião quanto a ciência são criações do mesmo ser humano, estando, portanto, sujeitas a todas as nossas imperfeições humanas.

Mas, independentemente se você é um fiel seguidor da religião ou da ciência, saiba que há um deus que sempre poderá adorar chamado Respeito.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O Monstro da Censura e suas aparições públicas


Quem ainda não viu, não perca a campanha contra a censura criada pela agência F/Nazca para o Centro de Referência sobre Liberdade de Expressão, instituto cultural criado pela parceria entre o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) e a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo. Uma pérola, em toda a plenitude de sentido que a analogia pode encerrar: elegante, bonita, rara e originada da sujeira que incomoda a ostra. Um dos motivos é a Anvisa ter começado a interferir na publicidade de certos produtos — do tipo: "lenço magnético para alzheimer", "flôr da lua para câncer", etc. — e caminha, agora, para proibir as campanhas de alimentos não-saudáveis, principalmente para as crianças. Quem leu o texto "E a liberdade de indigestão?", recentemente postado, deve ter percebido que havia uma certa esperança de que a neurose da censura fosse exclusiva de um pessoal ligado à imprensa. Ledo engano!

Há uma monumental diferença entre os atos de controle de um regime democrático e as intervenções de um regime autoritário, mas parece que há quem não saiba — ou não queira saber — disso. O que é mais importante, o bolso dos anunciantes ou a saúde da população? É legítimo anunciar e vender um placebo qualquer como se fosse um remédio milagroso? É tão fundamental que propagandas de cigarro, por exemplo, não sejam proibidas para não se macular a "liberdade de expressão"? Aliás, não seria absurdo nenhum dizer que, se a autoregulamentação funcionasse em prol da população, nada disso estaria sendo sequer discutido pelas agências reguladoras do governo.

Outro caso interessante da confusão entre liberdade e irresponsabilidade é o caso do jornal O Estado de São Paulo que se diz estar sob censura (da Justiça?) há quase duzentos dias. A história começou com os escândalos envolvendo a família Sarney, tanto o senador e ex-presidente José Sarney quanto seu filho, Fernando Sarney. Longe de se pretender julgar o mérito de quem quer que seja — já há profissionais altamente qualificados fazendo isso —, é necessário fazer algumas perguntas de ordem prática: se um processo corre sobre sigilo de justiça, há alguma informação disponível para ser publicada? Se há, onde e como estas informações foram obtidas? Caso um jornalista tenha pagado alguém para conseguí-las, ele é obrigado a entregar sua fonte? E se não, pode, ele próprio, ou o meio de comunicação para o qual trabalha, ser responsabilizado na hipótese das informações serem mentirosas?

Mas coloquemos só um pouco mais de lenha nessa fogueira já monstruosa... Em uma entrevista, com membros da Anvisa, UNB e de uma ONG, defensores da restrição da publicidade de alimentos infantis não-saudáveis, a representante da Anvisa comentou sobre as dificuldades financeira enfrentadas quando se planeja lançar campanhas nacionais na televisão, dado o alto custo do espaço publicitário. Mais uma vez, perguntar não ofende: se o serviço de televisão é uma concessão pública — devendo, portanto, ser de utilidade pública — por que o Estado tem de desembolsar vultosas quantias de dinheiro público para que as concessionárias cedam espaço para campanhas úteis, por exemplo, à saúde pública?


domingo, 17 de janeiro de 2010

Homem de ferro


Já foi comentado aqui alguma coisa sobre os metais e suas aplicações em nossas vidas. Mas você tem ideia do quão importante esses materiais foram — e continuam sendo — para toda a humanidade? A metalurgia, mais do que uma mera atividade humana, não foi apenas responsável por transformar os métodos de produção, a economia, as ciências, as guerras, etc., como também precedeu boa parte de tudo o que existe hoje. A manipulação dos metais foi tão importante para a civilização que os historiadores consideram a Idade dos Metais como o princípio da História — a propósito, nem as conquistas espaciais lograram algo assim.

Naturalmente, o uso da Idade dos Metais como divisor-de-águas histórico não se deve apenas à metalurgia, mas a todo o contexto do período em que a arte está inserida. Como era extremamente difícil fabricar os artefatos de metais, demandando dedicação exclusiva dos artesãos, estes, obviamente, necessitavam de alimentos produzidos por outras pessoas, algo que só foi possível quando, nos agrupamentos humanos, as pessoas passaram a produzir mais do que o necessário para a própria subsistência. Esses agrupamentos, cada vez mais complexos, evoluíram para as primeiras civilizações com a especialização do trabalho nas sociedades primitivas e proporcionaram o surgimento dos primeiros comerciantes — que intermediavam as trocas de mercadorias entre produtores para auferir seus lucros —, da necessidade intensiva de mão-de-obra produtiva — inicialmente suprida pelos escravos de guerra —, dos governos, etc.

A Idade dos Metais subdivide-se em Idade do Cobre, Idade do Bronze e Idade do Ferro. A ordem reflete, também, a complexidade envolvida na manipulação desses metais. O cobre foi o primeiro a ser manipulado pelo homem. Já o bronze, surgido da mistura entre cobre e estanho, era mais resistente e podia ser usado em uma gama maior de aplicações. Por último o ferro — aço, para ser mais preciso —, devido sua mais difícil obtenção, só começou a ser fabricado há mais de 3500 anos atrás (1500 a.C.), consolidando os metais como elemento essencial no desenvolvimento da raça humana. Com o ferro foram desenvolvidos vários artefatos, principalmente armas e implementos necessários ao aumento de produção — agrícola, por exemplo.

Há notícias de peças de ferro até anteriores a 4000 a.C., mas acredita-se que o homem obteve o material já em seu estado metálico extraído meteoritos caídos na Terra. A fabricação do ferro, a partir de seu minério, é mais recente e pode ser diferenciada das primeiras pelo baixo teor de níquel na liga, elemento comum nos meteoritos.

Hoje, além das possibilidades, praticamente infinitas, de composição de ligas, existe também uma forte tendência em se combinar características de metais distintos ou de outros tipos de materiais, como cerâmicas e polímeros — os chamados compósitos. Entre manipulações atômicas,  micro e nanoetruturais, parece que os metais ainda permanecerão por milênios, desafiando a inteligência humana e evoluindo com ela.



sábado, 16 de janeiro de 2010

Reencarnações em vida


Convenhamos, os problemas dos outros, geralmente, parecem-nos bem mais simples de resolver. Bastaria que fulano comesse menos, que beltrano deixasse de ir àquela nova igreja e que sicrano parasse de jogar dinheiro fora... Uma ação aqui, um jeito ali, uma decisão acolá e pronto, tudo resolvido! E por vezes ainda ficamos intrigados, imaginando os porquês de nosso aconselhado não conseguir se livrar logo de sua incômoda situação.

Os problemas dos outros nos incitam a resolvê-los e isso, de certa forma, é bom. É como se despertássemos um nosso lado altruísta, por vezes sonolento, dando-lhe uma utilidade real. A aparente facilidade em se solucionar os imbróglios de outrem, entretanto, advém de uma certa ausência de responsabilidade com os resultados. Obviamente que isto não significa más intenções ou desdém de quem aconselha. Significa apenas que, por não estar diretamente implicado, ou implicada, pelas consequências, o que está de fora pode se ocupar apenas com a solução do problema, sem a inevitável pressão do instante seguinte ou dos sofrimentos resultantes de cada movimento do outro. Além disso, a responsabilidade jamais poderá ser atribuída totalmente à quem está de fora da situação, uma vez que esta pessoa nunca terá acesso a absolutamente todas as variáveis envolvidas no problema em questão,  por mais minuciosa que seja.

Não bastasse tudo isso, como os passados, as estruturas psicológicas, os níveis de preparação e compreensão variam de indivíduo para indivíduo, algo que parece absolutamente trivial para um pode ser o desafio de uma vida inteira para outro. Algo, inclusive, já absorvido pela sabedoria popular na essência do célebre ditado: "Falar é fácil. Difícil é fazer.". Mas muitos opinantes de plantão, sem consciência disso, não tomam cuidado com o que dizem àquele ou àquela a quem desejam ajudar, causado neles danos, às vezes, irremediáveis.

A dificuldade surge quando os problemas a serem resolvidos são os da própria pessoa, implicando na assunção das responsabilidades e dos riscos inerentes a cada ato. Por isso que, às vezes, quando colocadas frente a frente com as próprias limitações, muitas gente trava, anda em círculo ou surta. Também são formas sutis de se esquivarem da responsabilidade sobre o destino de suas próprias vidas. Afinal de contas, nessas condições, a responsabilidade pelo resultado final — mesmo que evidente, principalmente para alguém de fora — passa a ser da situação e não mais dela — que se torna vítima.

Assim, de algum modo, pode-se dizer que o desejo de resolver os problemas dos outros, acabou se tornando uma forma de redenção pela culpa de não superar as próprias limitações. E isto, talvez, explique a curiosa fascinação pelas telenovelas e "reality shows" de muitos milhares de telespectadores televisivos. Para que sofrer de verdade se é possível viver várias vidas de forma indolor e colorida?



sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

O Bêbado


"E o bêbado continuava lá a alegar que todo mundo ria dos tombos dele, mas ninguém via as pingas que ele tomava. Os sóbrios gargalhavam de perder o fôlego e os demais, ainda que sorridentes, prestavam pouca atenção ao discurso etílico do colega.

Em um dado momento, alguém arriscou perguntando ao bêbado o porquê dele estar dizendo aquilo para uma platéia tão pouco amistosa. Ele tomou mais um gole do que estava no copo, soluçou e disse que era exatamente porque a platéia não era amistosa. Disse, também, que eles precisavam ouvir umas coisas e que lamentava o fato da sobriedade de alguns embriagar mais do que o álcool que ele ingeria. Emendou, ainda, dizendo que ele próprio se curaria depois de uma noite de sono, mas que não seria assim tão fácil com a maioria ali. Muitos voltaram a rir.

O mesmo que perguntara da primeira vez, tornou a se dirigir ao ébrio cidadão, dizendo que ele tinha bebido demais, que já não articulava coisa com coisa e que era melhor ele ir para casa. O bêbado, entretanto, encarou-o com um olhar cambaleante, mas sério, e disse que aquilo vinha se tornando cada vez mais comum. Que as pessoas só olhavam para a quedas dos outros e riam e ninguém questionava nada ou mesmo ofereciam ajuda. Que apenas riam, nada mais. Menos gente riu, dessa vez...

O bêbado tomou o último gole e ficou por uns segundos beijando a borda do copo como que para não desperdiçar nem uma gota sequer. Largou-o no balcão, meneou com a cabeça olhando para o dono do bar que o respondeu com gesto similar e olhou com uma espécie de desprezo para os que ainda riam olhando para ele. Encaminhou-se lenta e erraticamente para a saída, mas ao tentar descer o degrau, esborrachou-se no chão.



E todo mundo gargalhou de novo."

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

E a liberdade de indigestão?


E por falar em comida, em meados de 2008, uma pesquisa do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar da Universidade Nacional de Brasília (UNB), financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), revelou o perfil da propaganda de alimentos, em TVs e revistas brasileiras, apontando o predomínio dos produtos com alto teor de gordura, sal e açúcar. Segundo os dados apurados, as propagandas de "fast-food" representam 18% e as de guloseimas e sorvetes, 17% das peças publicitárias. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vem discutindo a regulamentação deste tipo de publicidade desde, pelo menos, 2006 e, após o encerramento da Consulta Pública (71/06), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em dezembro último, pediu a imediata regulamentação da publicidade de alimentos.

Paralelamente, várias entidades civis e organizações não-governamentais vêm se mobilizando para extinguir, de vez, a publicidade dirigida ao público infantil. Afinal, o que justificaria a promoção de qualquer produto para indivíduos ainda sem maturidade ou discernimento suficientes para decidirem o que é melhor para eles próprios? A ideia é que as propagandas sejam direcionadas para os responsáveis pelas crianças, quem, de fato e de direito, deve tomar tais decisões.

Junte esses dois componentes, alimentos não-saudáveis e publicidade para o público infantil, e você terá uma verdadeira bomba-relógio, programada para explodir daqui uns anos no colo da população. É cada vez mais comum os casos de obesidade mórbida e outras doenças relacionadas à alimentação de má qualidade, não só em crianças, mas também em adultos que já estiveram expostos a esse tipo de publicidade quando jovens. Tais problemas são prejudiciais, não apenas para quem os enfrenta — incluindo amigos e familiares —, como, também, para o país que vê crescer seus gastos com a saúde pública ao mesmo tempo em que perde parte de sua força laboral nos períodos mais produtivos das vidas de seus cidadãos.

Felizmente, há diversas iniciativas, além das já citadas, buscando reverter esse quadro tenebroso, como a que busca desaparecer com salgadinhos, doces e refrigerantes das cantinas escolares no estado de São Paulo. Para os mais céticos, não faz muito tempo a Discovery apresentou um documentário, mostrando, nos EUA, melhoras até no comportamento das crianças, após substituir, nos refeitórios escolares, os alimentos desse tipo por outros mais saudáveis. E são medidas dessa natureza — à primeira vista impopulares — que devem ser perseguidas e tomadas rapidamente pelo poder público.

Só para se ter uma ideia melhor dos números, o Ministério da Saúde encomendou uma pesquisa sobre a publicidade alimentar apenas na TV, analisando, em dois canais abertos e dois a cabo, mais de 128 mil peças publicitárias ao longo das 4108 horas de programação monitoradas. Os resultados mostraram que 9,7% do total corresponde a propagandas alimentos não-saudáveis, concentradas no período da tarde, em que, geralmente, os pais não estão na residência e as crianças, assistindo a televisão. Nos canais infantis das TVs a cabo, 49% das propagandas são de produtos alimentícios.

E ainda bem que o problema está com o pessoal da publicidade porque, se estivesse com a imprensa, provavelmente, as medidas em favor da saúde pública seriam logo tachadas como mais uma tentativa de "cercear a liberdade de expressão"!



quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Estômago, o Filme.


Uma boa pedida para "encher o bucho" dos cinéfilos nacionais é o filme Estômago dirigido por Marcos Jorge, estreando na direção de um longa-metragem. Foi a primeira co-produção cinematográfica realizada a partir do acordo de co-produção bilateral Brasil-Itália, assinado no início dos anos 1970 e, também, o filme mais premiado de 2008, vencendo 15 prêmios no exterior e 20 no Brasil, entre eles o de Melhor Filme, Melhor Filme pelo Público, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Ator Coadjuvante pela Academia Brasileira de Cinema. Mas se você não tinha ouvido falar dele, não se assuste. Sem alguma grande produtora estadunidense por trás, a divulgação fica meio comprometida mesmo.

A história conta a trajetória, ascensão e queda, de um migrante nordestino, Raimundo Nonato (João Miguel), que chega à São Paulo para tentar a sorte na cidade grande. Sem nenhum centavo no bolso e morto de fome, come duas coxinhas em um boteco da região central e, para não apanhar do dono, Miro (Zeca Cenovicz), já que não tinha os R$ 4,00 para pagar a conta, acaba limpando a cozinha do estabelecimento ao final do expediente. No dia seguinte, como também não tinha onde ficar, aceita o convite para trabalhar ali, em troca de cama e comida somente. Aprendendo a fazer coxinhas e pastéis, descobre um talento natural para a cozinha, chamando as atenções de uma garota de programa, Íria (Fabíula Nascimento), por quem se apaixona, e do proprietário de um restaurante italiano da redondeza, Giovanni (Carlo Briani).

Simultaneamente, também é contada a história do protagonista (já com o apelido de Alecrim) na cadeia e, para quem não sabe nada da trama, o roteiro, inicialmente, deixa a cronologia dos fatos meio no ar, esclarecendo-a apenas na medida em que o filme vai transcorrendo. Diálogos com palavreado frequentemente vulgar complementam os dois ambientes predominantes do longa: o sub-mundo da cidade e o interior de uma penitenciária. E há, ainda, uma participação especial do cantor Paulo Miklos do Titãs no papel do presidiário Etecétera.

O argumento do filme surgiu do conto "Presos pelo Estômago", de Lusa Silvestre, e trata de temas universais: o poder e a comida. Há detalhes interessantes da criação que podem passar absolutamente despercebidos, como o fato do filme começar pela boca do protagonista e terminar em seu traseiro, aludindo ao percurso do alimento no organismo. Produzido no Brasil e finalizado na Itália, a escassez de recursos financeiros não prejudicou o objetivo de agradar tanto quem procura apenas a diversão de assistir a um filme, quanto os que buscam histórias insólitas, boa fotografia e outros sutis detalhes de produção da sétima arte.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Almoços Grátis


Para quem não viu, ontem noticiaram o caso de uma garota de 19 anos suspeita de tramar, junto com seu namorado, um assalto à própria mãe. Afortunadamente, a operação dos meliantes foi um sucesso de planejamento e nenhum tiro foi disparado. Também pudera, as gravações da polícia, autorizadas pela justiça, revelaram que o grupo contou com a ajuda "online" da jovem, indicando detalhes minuciosos da posição da vítima antes do crime. Mas, depois do caso "Suzana von Richthofen", a notícia nem causa mais tanto espanto assim. E o real problema é justamente este: ninguém se espanta com mais nada.

Claro que isto é uma generalização e como todas as generalizações, não serve para muita coisa. Talvez seja útil apenas para "acender uma luz de alerta", indicando que algo nos valores familiares parece não ir bem. Afinal, essas garotas não cresceram nas ruas, não passaram necessidades insuportáveis, tiveram amigos e familiares e alguém que as educasse. E dados os acontecimentos, há duas possibilidades mais gerais: ou elas são doentes — algo perfeitamente possível, já que o percentual de psicopatas que se acredita viver entre nós não é um número desprezível — ou faltou determinados valores em suas respectivas formações. No caso dos desfechos serem fruto de distúrbios psiquiátricos, não há muito o que se fazer para preveni-los. Já com relação à falta de valores, há muito o que se pode fazer, a começar pela própria vida em família.

Há algum tempo, durante uma conversa entre amigos, surgiu uma interessantíssima observação a respeito da criação dos filhos. O contexto era a falta de tempo e a inevitável necessidade que os pais modernos tinham de sair para ganhar o sustento da família. Antigamente, bem ou mal, havia uma certa divisão dos papéis familiares: o homem trabalhava fora, suprindo as necessidades da casa, e as mulheres trabalhavam em casa — principalmente, educando os filhos. Hoje, é muito comum ambos saírem para trabalhar, sem hora para voltar, e, mesmo assim, suprirem com dificuldade as necessidades financeiras da família. Às vezes, mesmo podendo viver modestamente, ainda continuarem com o mesmo estilo de vida objetivando ascenderem socialmente. E, como ainda não inventaram uma forma de se estar em dois lugares ao mesmo tempo, fazendo coisas diferentes, a educação das crianças — principalmente na fase de formação do caráter, idade em que mais precisam da companhia dos pais — acaba ficando comprometida.

Foi neste ínterim que um amigo fez a citada observação, dizendo que não era, necessariamente, a quantidade de bens materiais que determinava o quão amorosos e de boa índole seriam os filhos, mas, sim, o tempo que seus os pais dispensavam com eles. Se há algum fundamento científico nisto, só os cientistas sociais poderão dizer. Entretanto, a ideia de uma criança, crescida longe dos pais, tender a tratá-los com semelhante distância é por demais razoável e merece alguma atenção de quaisquer chefes de família.

E que ninguém o acuse de estar propalando a "pobreza material" cristã. Ao contrário, é apenas uma constatação leiga de que, não existindo milagres — ou almoços grátis —, não há como ser o primeiro em todas as áreas da vida ao mesmo tempo.



segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O Bote de Noé


Se a Arca de Noé existiu um dia, ela deve ter sido circular e não com proa e popa como frequentemente é ilustrada até hoje. Pelo menos, esta é a opinião de um especialista em Mesopotâmia Antiga do Museu Britânico de Londres, Irwin Finkel. As informações são da Sphere.com.

Traduzindo um texto com cerca de 60 linhas, em escrita cuneiforme, gravado em uma pequena tabuleta de argila com mais de 3700 anos de idade, Finkel encontrou uma referência à forma circular da arca. Segundo o texto, a embarcação deveria se parecer como uma espécie de bote circular, com lados altos e casco arredondado, feito em fibras de palmeira trançadas e impermeabilizadas com betume. Barcos assim eram usados para transportar pessoas e mercadorias de um lado a outro dos rios Tigre e Eufrates, sendo que, até hoje, eventualmente, ainda são usados naquela região — atualmente o Iraque.

O texto é, provavelmente, uma peça de ficção popular, contado na forma de poema, não sobre Noé, mas sobre um predecessor histórico chamado Atram-Hasi. Na história, um deus babilônico chamado Enki o teria orientado a construir a embarcação e, assim, poder salvar sua vida, e as de alguns animais, do dilúvio que divindades rivais planejavam realizar. A última cena ilustra bem a habilidade os babilônicos tinham em contar histórias — Aladim e Ali Babá são outros exemplos clássicos — ao terminar com um homem, comandado por Atram-Hasi, que, após a entrada de todos, selaria a entrada da arca pelo lado de fora, ficando destinado a morrer no dilúvio.

Devido à semelhança do enredo e por ser anterior a Noé, Finkel suspeita que o feito bíblico tenha sido, na realidade, uma adaptação épica, feita pelos antigos judeus ali exilados, de uma crença folclórica comum entre os povos da Mesopotâmia, sujeitos às cheias, eventualmente, catastróficas da região.

Mas, sem querer ofuscar a descoberta, há ainda outra história a ser contada, história esta que já deve estar na cabeça de quem leu "Museu da História Natural da Ética": como é que a peça de argila foi parar em Londres? Bem, a relíquia iraquiana foi cedida ao museu londrino pelo filho de um piloto da Força Aérea Inglesa que pegou a peça por lá, enquanto servia no Oriente Médio, durante a II Guerra Mundial.

Raridades arqueológicas por aí, enchentes monumentais... Os historiadores devem viver em um constante déjà-vu.



domingo, 10 de janeiro de 2010

Dogmas Subliminares


Se segunda-feira, o governo decretasse que você teria direito a receber seu salário sem trabalhar, o que você faria? Pararia de fazer o que faz todos os dias ou continuaria a fazê-lo por "hobby"? Mudaria de atividade? Buscaria um serviço voluntário? Ficaria mais com a família? Viajaria?

Imagine uma sociedade — absolutamente utópica, claro — na qual as pessoas pudessem exercer as atividades que mais gostassem, sem que houvesse qualquer vínculo entre o exercício das mesmas e as respectivas remunerações. Médicos clinicariam pelo prazer de restabelecer a saúde de seus pacientes. Professores ensinariam pelo prazer de transmitir seus conhecimentos de forma efetiva a seus pupilos. Faxineiros asseariam os ambientes pelo prazer de ver os usuários se sentido bem. Advogados advogariam pela justiça. Políticos serviriam à população...

Dificílimo de imaginar, não? Até um um mundo totalmente estranho, cheio de seres bizarros, seria mais fácil de ser visualizado em nossa tela mental. Esta tensão entre o real e o imaginário, no que tange certas convenções sociais, não ocorre por acaso, mas sim porque, às vezes, é muito difícil encontrar justificativas, racionais e consistentes, para manter determinadas ideias apenas no plano do impossível. Deve ter sido assim para os escravos, antes de começarem a surgir os primeiros ideais abolicionistas, ou para as mulheres do início do século XIX, quando os brinquedos infantis objetivavam ensiná-las a serem boas donas-de-casa.

Atualmente, a escolha do próprio trabalho, que deveria ser exclusivamente pela vocação, por vezes é feita com base na remuneração e/ou no "status" social que a profissão pode proporcionar, gerando uma legião de profissionais insatisfeitos. E esta insatisfação, às vezes, chega a tal ponto que alguns sentem até uma certa inveja quando um migrante, sobrevivendo miseravelmente na maior cidade da América Latina, resolve largar seu sub-emprego e voltar para sua terra natal, vivendo, talvez, tão miseravelmente quanto antes, mas com toda família ao seu redor e sob patrocínio de algum benefício social do governo. Sim, inveja porque ninguém deseja o mesmo destino que o migrante terá, mas, apenas que ele permaneça ali, exatamente, onde estava antes de aparecer aquela alternativa.

E se algo assim acontece de verdade, há duas formas de se compreender o ocorrido. A primeira é achar que a assistência social do governo anda pagando bem demais e a segunda, que alguns empregos pagam mal demais. Qual é a sua opinião?

sábado, 9 de janeiro de 2010

E quando a vaca vai para o brejo?


Contava uma anedota que um fazendeiro, em uma de suas visitas à cidade mais próxima, cruzou com uma cigana, sentada na calçada, que lhe pediu para deixá-la ler a sorte em suas mãos em troca de algum dinheiro. Ele, meio resistente no início, acabou por permitir e a mulher, após lhe dar algumas informações vagas, disse ao final: "Uma vaca causará sua morte!".

O homem empalideceu. Voltou para casa e, de tão impressionado, não conseguiu dormir naquela noite. No dia seguinte, voltou à cidade e providenciou a venda de suas propriedades. Algumas semanas depois, já com tudo vendido, juntou seus poucos pertences pessoais e migrou para São Paulo. Fora viver bem no centro da cidade grande, eliminando, assim, qualquer risco de topar com alguma vaca em seu caminho.

Já iam alguns meses vivendo bem ali, quando, ao cruzar o Viaduto do Chá, ouviu alguém gritar bem atrás dele: "Olha a vaca! Olha a vaca!". Tamanho foi o susto que, sem olhar para trás, começou a correr, trombou com alguns transeuntes, escorregou e caiu, de cima do viaduto. Morreu em pleno Vale do Anhangabaú. Se tivesse olhado para o lado de onde vinham os gritos, teria visto um menino franzino, vendendo bilhetes da loteria.

Não obstante o humor negro, a história ilustra bem a influência que nossos pensamentos exercem sobre os destinos de nossas próprias vidas. Há quem acredite, inclusive, que a mente seria responsável até mesmo por nos conduzir ao encontro de eventos absolutamente casuais — tipo passar por debaixo de uma escada bem na hora em que uma lata de tinta está caindo. Mas, extremismos à parte, parece bastante evidente que este tipo de influência inconsciente existe, de fato, ou nunca faríamos determinadas coisas "no automático", como se dar conta só em casa de que deveria ter passado no mercado antes.

Há outros discretos exemplos dessa influência, tanto para coisas boas quanto para as más. Já notou, por exemplo, como uma mulher apaixonada parece mais bonita, mesmo que nada tenha alterado em seu visual? Ou como um homem sobrecarregado acaba contraindo mais facilmente gripes e resfriados? Nenhum desses efeitos surgem a partir de uma vontade racional consciente — do tipo: "quero parecer mais bonita" ou "quero pegar um resfriado". Esses efeitos são disparados inconscientemente quando, no caso dos exemplos, a mulher deseja ser correspondida ou o homem deseja descansar.

Portanto, se subitamente uma "maré de azar" assolar a sua vida neste princípio de ano, reze, ore, faça suas simpatias, mas não se esqueça de, também, parar uns minutos para se questionar o que realmente deseja com as ações que vem adotando. Talvez se surpreenda ouvindo a resposta...



sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Museu de História Natural da Ética


Em outubro do ano passado, duas reportagens no caderno Ciências do jornal Folha de São Paulo, 13/10/2009, chamavam a atenção não só pelo interessante conteúdo, mas também por algumas peculiaridades das notícias.

A primeira falava da descoberta, por um britânico, do fóssil de uma nova espécie de pterossauro, Tupuxuara deliradamus, que habitava a região de Santana do Cariri, Sul do Ceará, há mais de cem milhões de anos atrás. Um detalhe, aparentemente sem importância, é que o nome da nova espécie, deliradamus, foi dado pelo palenteólogo, Mark Witton, que descreveu o bicho, como uma homenagem ao grupo de rock progressivo Pink Floyd — deliradamus, em latim, faz referência a "diamante louco", parte do nome da canção "Shine on you crazy diamond" do grupo.

A outra era sobre uma aranha, Bagheera Kiplingi, que parece se alimentar, basicamente, dos pontos açucarados produzidos por uma planta chamada acácia. Apenas de vez em quando, a aranha deixa sua dieta vegetariana para saborear larvas de uma formiga que habita a mesma planta de forma simbiótica — a acácia alimenta as formigas com os pontos açucarados e elas defendem a planta de outros herbívoros. O detalhe, também aparentemente desimportante, é que os seres vivos citados são naturais do México e da Costa Rica, bem distantes da Universidade do Arizona, EUA, onde trabalha o pesquisador, Chris Meehan, responsável pela publicação.

Mas caso ainda não tenha percebido a peculiaridade em ambos os casos, aí vai: os objetos de estudo estão bem longe de seus países de origem, nas mãos de pesquisadores estrangeiros. No segundo caso, pelo menos, a reportagem informa que o doutorando está aguardando autorização para importar os espécimes e, assim, aprofundar seus estudos em laboratório. O mais aterrorizante é que no primeiro caso, o brasileiro, o mesmo não acontece. O pesquisador, neste caso, disse, inclusive, que "seria possível" trabalhar "em conjunto com os cientistas do país de origem do fóssil". É bom nem perguntar como esse material chegou lá...

Para quem não sabe, o Brasil tem uma legislação específica no que se refere à saída não autorizada desse tipo de material do país: é crime e dá cadeia. Inclusive, em meados do ano passado, três pesquisadores estadunidenses e dois brasileiros foram presos em Corumbá por estarem extraindo sedimentos das lagoas do Pantanal sem autorização — a parte absurda da história é que os brasileiros eram estudantes de uma universidade pública paulista e que tinha ciência do trabalho.

Mas a despeito da pirataria que, obviamente, conta com a ajuda de "brasileiros", o fato é que nenhum país, principalmente do dito "primeiro mundo", mexe uma palha sequer para que isto não aconteça lá, bem debaixo de seus próprios narizes. Há inúmeros casos de produtos brasileiros patenteados por pesquisadores estrangeiros sem qualquer questionamento governamental ou das instituições de patente. E experimente quebrar qualquer uma destas patentes por aqui ou patentear algo típico de outro país para ver o tamanho da confusão que isto vai dar...

Será que Einstein imaginou que a relatividade poderia ser aplicada até na ética?!



quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Francamente...


Hoje, estava eu, cá com meus botões, refletindo sobre algumas atitudes que (alguns de) nós, seres humanos, temos em nosso convívio social. As atitudes em questão são aquelas, aparentemente contraditórias, tomadas tão naturalmente que, por vezes, sequer as percebemos se manifestarem. Coisas como o "falar mal" de outras pessoas, por exemplo.

Se você prestar atenção clínica a uma conversa qualquer, quase sempre vai notar alguém reclamando das atitudes, ideias, ações, opiniões, conceitos, opções, sonhos, ideais, etc., de uma terceira pessoa. "É batata!" — como se diz por aí. Fala-se da burrice de um atendente, do sadismo de um chefe, da injustiça de um familiar, da inocência de uma amiga, enfim, um espectro tão diversificado de observações quanto maior for o alcance das relações pessoais do interlocutor.

Mas até aí, nenhuma grande novidade. Talvez você, inclusive, já esteja pensando: "Ah, mas e daí? Todo mundo fala mal de todo mundo o tempo todo. A vida é assim...". Só que o detalhe está, justamente, na contradição estabelecida por outra atitude irmã, igualmente comum. Note que a mesma pessoa que "fala mal" de uma terceira, raramente — para não usar "nunca" —, expõe seu ponto de vista explicitamente ao alvo de suas críticas. Em outras palavras, não somos francos — e, por favor, não confunda franqueza com falta de educação.

Ninguém, ou quase, explica para o atendente burro, de uma forma que ele possa entender, o que ele deveria fazer para não repetir aquela burrice. E nem expõe ao chefe sádico que as decisões da chefia andam minguando o desempenho da equipe. Também não se diz ao familiar que ele está sendo injusto por causa desta ou daquela razão. Tampouco orientam a amiga inocente a, simplesmente, preparar-se caso o pior aconteça. Mas todos, ou quase, comentam estes casos com outros de seu convívio, como uma forma sombria de fazer brilhar a própria superioridade.

Resultado: mesmo que o criticado, ou a criticada, seja alguém legal, afeito ao desenvolvimento pessoal e até preocupado com as outras pessoas, se ele, ou ela, não chegar a conclusão de que precisa mudar algo por si só — adivinhando, muitas vezes —, estará condenado à condição em que se encontra para o resto de sua existência terrena.

Há o outro lado também, como aquele, ou aquela, que chega para o atendente e diz: "Meu filho, você é uma porta!". Ou, para o chefe: "Quer o chicote novo pra agora?". Ou, para o familiar: "Certamente lhe trocaram na maternidade!". Ou, para a amiga: "Pelo visto você ainda acredita em papai-noel e no príncipe encantado, né?". Nada disso ajuda... Além de mal-educado, é apenas outra forma de se mostrar superior ao outro.

A franqueza genuína reside sobre um equilíbrio tão sutil que seus raríssimos detentores deveriam ser protegidos como o patrimônio mais importante da humanidade. Sem estes anjos, desenvolver-se como pessoa seria muito mais difícil do que já é.



quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Esperança Matemática!


Na virada do ano, a Caixa Econômica Federal promoveu um concurso especial, a "Megasena da Virada". O prêmio final ultrapassou os cem milhões de reais e, certamente, quem ganhou vai ter uma ceia bem farta no próximo ano.

Não deve existir alguém que, racionalmente, acredite ser fácil acertar as seis dezenas. É muito mais do que difícil! Tão difícil que se você perguntasse a um engenheiro, tarimbado em aproximações, ele lhe diria, tranquilamente, que seria impossível, sem qualquer preocupação. Mas então como alguém, quase sempre, acerta? Há quem diga que é fraude, que os computadores trabalham para encontrar uma sequência não jogada, etc. Mas isso parece muito pouco provável...

Na página da Caixa, há muitas informações sobre as probabilidades envolvidas no jogo, inclusive a relação de todos os resultados apurados desde quando a Megasena surgiu. Lá, consta a probabilidade de se acertar a combinação fazendo um único jogo, que custa R$ 2,00, de seis dezenas: apenas uma única chance em pouco mais de cinquenta milhões. Mas o que viria a ser isto na prática?

Bem, só para se ter uma ideia, noutro dia saiu no jornal que as chances de um grande meteoro trombar com a Terra e acabar com a vida por aqui é cerca de uma em dez mil. Isto significa que se alguém ficasse jogando uma combinação na Megasena pela eternidade, muito provavelmente, morreria com o choque de um meteoro antes de ficar rico.

Outra comparação possível é se imaginar de costas para um campo de futebol, com suas medidas mínimas (90 m x 75 m), jogando uma bolinha de gude por cima do ombro — não vale olhar para o campo! Suas chances de acertar um buraco de 1 cm², aleatoriamente feito no gramado, é mais ou menos a mesma de se ganhar os milhões da Megasena...

Dureza, né? No entanto, alguém quase sempre acerta porque são milhões de brasileiros jogando milhões de combinações todo santo concurso. Afinal, de onde você acha que vem o dinheiro do prêmio que, aliás, é apenas uma pequena parcela do montante arrecadado? O grosso do dinheiro, mesmo, vai para o Governo Federal.

Se serve de consolo, mesmo que você jogue uma sequência do tipo 1, 2, 3, 4, 5 e 6, você terá a mesma chance de qualquer outro jogador que tenha jogado qualquer outra sequência. Além disso, dependendo do quanto o prêmio acumule, talvez valha a pena fazer uma "fezinha" de R$ 2,00, mas para isto, é importante que você calcule, antes, a esperança-matemática — este número existe de verdade na Estatística, pergunte a um estatístico. Dependendo do resultado, talvez o jogo deixe de ser uma aposta para se tornar um investimento de altíssimo risco. Na verdade não resolve o problema, mas já melhora muito aquela sensação péssima de se estar "jogando dinheiro fora"...



terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Gibinha e o Tênis Impermeável...


"Gibinha, todo dia, olhava para a sola meio solta de seu tênis e pensava: "Tenho de trocar logo este tênis antes que eu leve um rola [tombo]". Sua mãe, havia tempo, já lhe tinha dado o dinheiro necessário para que comprasse um calçado novo e até seus amigos, uma vez por outra, alertavam-no: "Cara, essa bagaça [esse negócio] vai soltar e você vai levar um capote [vai cair]!". Mas Gibinha era astuto e tomava todo cuidado para não se acidentar enquanto não decidia aposentar seu velho companheiro de caminhada.

De vez em quando, Gibinha topava na guia da calçada mas dava um jeito de se equilibrar e prestava ainda mais atenção nos seus caminhares subsequentes. Em outras ocasiões, levava um susto com o aspecto horroroso do solado solto e acabava passando um pouco da cola branca que carregava na mochila da escola. Sabia que não estava muito bom, mas confiava que o tênis aguentaria mais um pouco, pelo menos mais alguns dias. Mas estes dias de espera viraram semanas, as semanas, meses, e o tênis, apesar de capenga, lá ia cumprindo sua função.

Certa feita, durante uma dessas chuvas de verão que surpreendem qualquer um, Gibinha foi apanhado pela fúria de São Pedro no caminho entre o ponto de ônibus e sua casa. Ele, matreiro que era, correu rápido para não deixar seu material da escola encharcar como ele próprio já se encharcava com toda aquela água que caía do céu. Chovia a cântaros! Era, como se diz por aí, um verdadeiro toró...

Já chegando ao portão de sua casa, viu a poça d'água e saltou. A sola do tênis, molhado, acabou de se soltar e Gibinha, tropeçando, esborrachou-se no chão. Não só isso, torceu o pé e afogou sua mochila toda naquele pequeno lago formado pela chuva, incluindo seu celular e seu "MP5" que acabara de ganhar.

Uns dias depois na escola, com o pé engessado, explicava as causas de tamanho prejuízo aos seus colegas:

— Não, velho, não foi porque o tênis já tava zuado [estava estragado] não! Foi por causa da chuva! Mó [maior] chuvão, meu! Vocês não viram o os caras da prefeitura falando na televisão que a cidade só encheu de novo porque choveu demais?! Então, o tênis tava beleza [estava bom], o que rolou é que choveu demais! Demais, saca [entende]?!"


segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Saber ou não saber, eis a questão!


Se alguém lhe pedisse para relacionar os movimentos vegetais, você conseguiria fazê-lo prontamente? Não?! Bem, os movimentos vegetais são relacionados com o crescimento vegetal e se dividem em dois tipos, basicamente: curvatura e deslocamento. O primeiro subdivide-se em tropismo e nastismo. Ao segundo, dá-se o nome de tactismo. Pronto! E agora, com memória a refrescada, você conseguiria descrever cada um deles?

Ora, mas talvez as ciências biológicas não sejam muito sua praia. Eventualmente, seria mais fácil se lhe perguntassem quanto vale o volume de um tronco de cone com altura h e bases paralelas de raios R, maior, e r, menor. Ou, quem sabe, qual é o cologaritmo neperiano de e elevado ao cubo. Não?! Ah, pelo menos a concentração hidrogeniônica de uma solução aquosa com pOH igual a oito, você saberia dizer... Ou a voltagem de um circuito cujas resistências iguais, ligadas em paralelo, valessem dois Ohms cada, recebendo uma corrente contínua de um Ampère...

Caso queira alegar que sua formação tenha ocorrido na área de humanas e que, por isso, não deveria lembrar de tais assuntos tão indigestos de outras áreas, quiçá, então, possa responder como se organizava o sistema político-administrativo de Esparta nos idos do Período Arcaico. Diarquia, Gerúsia, Apela e Éforos, lembra? Ou citar duas das principais revoltas ocorridas no Brasil em meados do século XX, após a posse de Juscelino Kubitschek em 31 de janeiro de 1961? Conseguiria citar, pelo menos, as eras que compõem o período pré-cambriano?

Perguntas difíceis, não? Pois é... Absolutamente nada além do que um aluno regular, formado no segundo grau do ensino médio, precisaria saber para prestar qualquer vestibular — como o da FUVEST que está sendo realizado desde domingo em São Paulo. Mas, permita uma última pergunta, já para ir fechando esta postagem escolar: ao entrar em contato com perguntas dessa natureza, sem qualquer especialidade superior, você não se admira com todos os seus conhecimentos?

Este autor confessa que, após constatar a dimensão da própria ignorância em assuntos tão básicos, do colegial, desistiu — ao menos momentaneamente — de escrever sobre o Bóson de Higgs, sobre a pluripotência de células no cordão umbilical, sobre as sinédoques da filosofia laica, sobre...



domingo, 3 de janeiro de 2010

Haikai da Pressa do Verão


Em homenagem aos dias cada vez mais rápidos, principalmente os do verão, compôs-se o haikai abaixo...



E que o ritmo em 2010 desacelere um pouco, fazendo que os dias de verão se alonguem, sem que isto implique no aquecimento global, claro!


sábado, 2 de janeiro de 2010

Somar, Não Dividir...


Após a aprovação do Projeto de Lei 2878/08, por unanimidade, pelo Senado Federal em meados do mês passado, a criação da primeira universidade bilíngue do país aguarda apenas a sanção do Presidente Lula. O projeto do campus conta com a assinatura do escritório de Oscar Niemeyer e será instalado na região da tríplice fronteira entre Argentina, Brasil e Paraguai em Foz do Iguaçu, PR. A UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana) tem a UFPR (Universidade Federal do Paraná) como tutora e prevê que suas primeiras atividades de graduação se iniciem já no segundo semeste deste ano em sua sede provisória no parque tecnológico de Itaipu.

Um dos principais objetivos da universidade é aumentar a integração entre as nações da América Latina através da educação, colaborando com o desenvolvimento regional sustentável. Com um projeto político-pedagógico inovador, a UNILA contará com corpos docentes e discentes formados por brasileiros e demais latino-americanos, ministrando aulas bilíngües com propostas inter e transdisciplinar. A ideia é que em cinco anos a universidade abrigue dez mil alunos distribuídos em diversos cursos de interesse comum entre os Estados, como Sociedade, Estado e Política na América Latina, Ecologia e Biodiversidade, Tecnologia e Engenharia das Energias Renováveis, entre outros. Há, inclusive, previsão de aulas de português e espanhol para auxiliar os alunos nos períodos iniciais da graduação.

A notícia traz esperanças, não só para o futuro do Mercosul, como também para o setor educacional latino-americano, tão carente de atenção. Além disso, a proposta de integração político-educacional entre as nações da América Latina é uma ótima demonstração de liderança saudável, supranacional, em busca da unidade entre os povos.

Não deixa de ser, também, uma excelente mensagem de ano-novo para o 2010 que acaba de começar...


sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

...Feliz Ano-novo!


Dizem que o que a gente faz na passagem de ano, acaba sendo repetido por todo o ano que chega. Assim, para começar o ano-novo com o pé direito, nada melhor do que poesia, principalmente quanto versa sobre um tema tão relevante quanto a liberdade. Não seria de todo errado dizer que, quando as Sagradas Escrituras relatam que o homem e a mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus, fazia-se, muito provavelmente, uma referência à liberdade. Porque se há alguma divindade no ser humano, esta deve residir em seu livre-arbítrio.

A despeito do que a ideia de liberdade possa sugerir, seu significado não combina com caos ou desordem. Muito menos com o desatino de se querer fazer o que bem entender e do jeito que quiser. Ser livre é, sobretudo, ter escolhas, sempre cabendo à consciência de cada um o juízo da melhor maneira de agir, ou seja, faz parte da liberdade, também, o dever de escolher aquilo que traga as melhores consequências para si e para os outros.

E foi durante divagações desta natureza e pensamentos sobre a rigidez da rima e métrica na poesia clássica em contraponto à brancura e "liberdade" da poesia moderna que o poema abaixo foi escrito — sim, houve uma época em que este autor também escrevia poesias. A curiosidade na composição fica por conta da métrica regularmente variável ao longo dos versos, além das rimas emparelhadas, exceto no último verso que é branco — ou livre.

A intenção de se desencavar um poema antigo no princípio de um ano-novo é para ver se a simpatia se cumpre, fornecendo a inspiração e coragem necessárias para versejar durante todo 2010, quiçá pelo resto da vida...