quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Jóias do acaso


Ainda sobre a pseudo-dialética científico-religiosa, seria cômico, não fosse trágico, a ocorrência de inúmeros casos cotidianos, cujos desfechos parecem alimentar a fogueira de dúvidas acendida pela discussão entre laicos e crentes. Tivessem os deuses características humanas, como se acreditava na Grécia Antiga, poder-se-ia dizer que a ironia de alguns acontecimentos lhes seria peculiar.

Recentemente, uma família, voltando das festividades de final de ano no litoral paulista, foi assaltada próximo de onde residiam na zona sul de São Paulo. Os bandidos levaram o veículo das vítimas e, mesmo sem reação, dispararam em direção ao peito de uma senhora de 66 anos e fugiram. Milagrosamente, o tiro acertou em um pingente de ouro da mulher, desviando a bala que acertou a boca de seu afilhado de 8 anos. Felizmente, ambos passam bem.

Uma rápida pesquisa na internet e vários outros casos semelhantes aparecem, como o do médico de 35 anos, Eduardo Vinícius Melhem, irmão do ator Marcius Melhem — o "Radesh" da novela "Caminho das Índias", da TV Globo — que ao sair do plantão foi vítima de um sequestro-relâmpago. Mas antes mesmo de o abordar, os assaltantes dispararam também contra o peito dele. A bala desviou em uma medalha de seu anjo-da-guarda e foi parar no seu ombro direito. O médico também passa bem.

Para uma pessoa que vivencia uma experiência como esta, deve ser difícil aceitar que sua vida tenha sido salva por um mero capricho do acaso. Tanto quanto o fato deve parecer absolutamente trivial para quem acredita no surgimento de todo o universo por obra do mesmo capricho da casualidade. E como não é possível ter certeza de uma coisa ou outra, dizer que foi um milagre ou um fortuito final feliz tem exatamente a mesma validade prática.

Mas analisemos os fatos à luz de um ponto de vista neutro, deixando que cada um decida por si mesmo se foi uma divindade, ou não, que resolveu os problemas. Considerando apenas os fatos, o leitor há de concordar que, se as vítimas não tivessem lá suas crenças, elas não teriam se salvado, uma vez que não deveriam estar usando o tal amuleto de proteção durante o incidente, no máximo uma correntinha...

E aí, quem você acha que está com a razão?



2 comentários:

  1. No caso da senhora de 66 anos, sua salvação deveu-se exclusivamente à sua vaidade de mulher, já que seu pingente de ouro nada tinha de religioso, portanto, pura obra do acaso.
    Já no caso do médico, até concordo que sua vida tenha sido salva por sua fé, pois não fosse a medalha do seu santo de devoção, ele já teria virado lenda, o que, por sua vez, não deixa de ser também um ato de vaidade, o orgulho do médico em expressar fisicamente sua fé.
    Sendo assim, os dois exemplos não podem ser atribuídos à divindade, e sim, talvez, à sorte de cada um, que em virtude de suas vaidades (feminina e religiosa), conseguiram salvar suas vidas.

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  2. A ideia não é atribuir qualquer um dos casos à alguma divindade e, sim, mostrar que os acontecimentos dependem, exclusivamente, das ações da própria pessoa, tal como acabou de constatar. Sendo assim, quem altera as crenças de outrem, atrai para si, mesmo que involuntariamente, a responsabilidade pelo que advirá sobre aquela pessoa. É por isso que o respeito à fé alheia é tão essencial.

    Como se sentiria se tivesse convencido o médico, minutos antes, de que sua medalha era uma vaidade religiosa que ele não deveria ostentar?

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