quarta-feira, 30 de junho de 2010

A via-crúcis da comunicação


Escrever pode parecer uma tarefa simples, mas, definitivamente, não o é — tampouco é tão complexa a ponto de se tornar proibitiva para quem quer que seja. O "problema", talvez, resida não no ato de escrever em si, mas na exposição clara e precisa das ideias, de uma forma compreensível à quem se proponha a ler o texto final — é esta, provavelmente, a intrincada tarefa a ser realizada por qualquer autor ou uma autora. Conseguir uma organização adequada da informação e delimitar as possibilidades de sua compreensão pelo outro parecem ser fundamentais para se produzir um texto bom e funcional ao mesmo tempo.

Com respeito à organização, pode-se dizer que se trata de uma necessidade, até certo ponto, trivial para qualquer produção escrita. Sem ela, normalmente, são prejudicados o sentido, a lógica e a coerência do texto — o "começo, meio e fim", como se diz por aí — e a informação acaba sendo transferida de forma diversa daquela que se pretendia originalmente, perdendo-se ou se alterando ao longo do processo. No caso de uma obra artística como um poema, por exemplo, talvez o problema não seja, assim, tão evidente já que o resultado final — os sentimentos, o estranhamento, etc. — dependem, em grande parte, da subjetividade de quem lê. Mas em um texto mais técnico, a falta de organização é fatal para o objetivo desejado: a compreensão precisa do que está sendo comunicado.

A delimitação do que o outro — o leitor ou a leitora — pode entender ao ler o texto é uma necessidade um tanto mais refinada. Quem já teve contato com alguma das obras de Durkheim, por exemplo, deve ter percebido o extremo cuidado com que o autor define não apenas os termos e conceitos que utiliza, mas como e em quais condições os mesmos podem ser empregados. A aparente prolixidade esconde, na realidade, uma árdua missão de evitar interpretações diversas — ou a compreensão equivocada — daquela pretendida pelo autor. Este método, infelizmente, apresenta um efeito colateral: a perda de atratividade do texto para um significativo percentual de potenciais leitores — quem não esteja interessado especificamente naquela área, claro. Se o objetivo original era o de comunicar certos conceitos ao maior número possível de pessoas, talvez essa não seja uma boa saída.

Assim, levar em conta não apenas o que se escreve, mas também a forma como o outro compreenderá, faz com que o bom comunicador sempre oscile entre o que lhe parece excessivamente óbvio e a complexidade necessária para manter a fidelidade entre o texto e o pensamento que deseja transmitir — o que para os menos experientes é uma tortura. Não obstante, é, para qualquer escritor, um excelente exercício de humildade, pensamento crítico, auto-conhecimento, etc.

Não seria exagerado afirmar que escrever poderia até ser considerada uma forma de ascese...


terça-feira, 29 de junho de 2010

Bonança Esportiva


E por falar em futebol e comunicação de massa, uma das coisas mais misteriosas que ocorre ao longo de grandes eventos esportivos na atualidade, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, é a aparente e generalizada pacificação de todo o planeta. Perceba que, nessas épocas, diminui, significativamente, a frequência, nos noticiários, de grandes acidentes, crimes hediondos, perigos de guerra, conflitos étnicos, atos de corrupção nas instituições, atentados terroristas, ameaças nucleares, catástrofes ambientais, etc. O fenômeno pode ser verificado por qualquer pessoa que acompanhe as notícias do cotidiano ao longo desses períodos. Tudo vira pequenas notas, exceto os acontecimentos ligados, de alguma forma, ao evento corrente. Poder-se-ia dizer que as grandes notícias acabam se dividindo, grosso modo, em somente dois tipos: as que se referem aos últimos resultados e aquelas sobre os próximos.

O mais provável é que essa bonança ocasionada pelo esporte seja ilusória, afinal, não há qualquer razão lógica para se acreditar que os responsáveis pelo "caos" mundial permaneçam inativos durante esse período de festa. Entretanto, as outras explicações possíveis para uma mudança tão perceptível na pauta jornalística da grande imprensa são bem menos românticas. Poderia ser, por exemplo, que os piores acontecimentos na sociedade fossem escolhidos a dedo para aparecerem nos veículos de comunicação — dando a impressão de que o mundo estaria muito pior do que realmente está — ou, talvez, que as notícias fossem escolhidas preferencialmente por critérios comerciais. Seja como for, na visão menos romântica, a realidade está sendo sempre distorcida ao sabor de algum interesse.

Assim, convenhamos, é melhor crer na ilusão de que o mundo melhora de fato, mesmo que temporariamente, durante esses eventos esportivos. Afinal de contas, seria péssimo imaginar que os órgãos de imprensa mais populares, aqueles que servem de "olhos" da população à uma realidade mais ampla, estivessem sendo manipulados velada e intencionalmente por quem exerce poder político e/ou econômico. Coisas assim só podem ocorrer, mesmo, em veículos menores de comunicação, aqueles que defendem os interesses de pessoas ou grupos insignificantes na sociedade.

Com tamanha bonança no mundo, não haverá espanto se algum dirigente das federações esportivas ganhar o Nobel da paz.


segunda-feira, 28 de junho de 2010

Estatísticas Esotéricas


Pior — muito pior mesmo — do que dados estatísticos mal analisados são as pseudo-estatísticas — ou "tabus" — que alguns comentaristas e locutores esportivos insistem em apresentar durante os jogos de futebol. São informações absolutamente desnecessárias, inúteis e enganosas do tipo: "nas copas em que 'tais' times se enfrentaram, 'tal' time foi para a final" ou, mais evidentes, "toda vez que o técnico espirrou três vezes antes dos jogos decisivos, aquele time foi campeão". E em época de Copa do Mundo, então, parece que a imaginação dos "estatísticos-de-santo" vai às alturas!

Não são as baboseiras, propriamente ditas, que incomodam, afinal, há quem sobreviva profissionalmente só produzindo bobagens divertidíssimas por aí. O incômodo vem do ar de seriedade com que essas "previsões" são trazidas a público. Ao não deixar claro que aquilo que está sendo dito é mera patacoada, esses senhores contribuem para a formação de um pensamento mágico que não ajuda em nada — pelo contrário, atrapalha — a vida de muitas pessoas. Aliás, bem se vê que os defensores desse tipo de "abobrinha", fora de hora e lugar, não entendem nada, mesmo, de estatística, já que em um universo de milhões de pessoas, as chances de se encontrar quem não entenda a informação como a tolice não é desprezível.

Há de se admitir, entretanto, que esse tipo de atitude na comunicação de massa não é uma exclusividade esportiva. Já há algum tempo, a Discovery Channel passou um especial sobre dragões que contava a história de como um arqueólogo, apaixonado por dragões desde a infância, começou a estudar um espécime, encontrado congelado em uma caverna da Europa Oriental. Tudo, no enredo, desenrola-se como se fosse um documentário, mostrando "evidências" da vida e extinção desses animais mitológicos ao redor do planeta. A produção — que por sinal é muito bem feita — seria um excelente programa para ser visto, não estivesse tratando de ficção, no formato de documentário em um canal que apresenta documentários sobre realizações surpreendentes, porém, reais.

Mas deixemos de pegar tanto no pé dos "esotérico-estatísticos" porque amanhã tem jogo das oitavas-de-final e toda vez que uma postagem de quatro parágrafos foi escrita, nesta copa, uma das seleções mundiais acabou perdendo...


domingo, 27 de junho de 2010

Haikai de pedra



Talvez, à primeira vista, a pedra da foto não seja assim tão evidente. Também, pudera, isso não é lá cor de pedra! Apesar de parecer uma peça ao estilo "barrococó figurativo neo-expressionista", como diria Zeca Baleiro, o que se vê na foto é uma verdadeira obra de arte, mas produzida pelas mãos da própria natureza. Para quem quiser conferir, na praia de Canoa Quebrada, no Ceará, há uma porção delas. É daí que os artesãos obtêm a matéria prima para fazer aquelas garrafas desenhadas internamente com areia colorida. Acabam, ao seu jeito, também fazendo arte, uma espécie de poesia plástica. E há, mesmo, que se ter olhos poéticos para olhar para areia e pedras e enxergar tantos desenhos dentro daquelas garrafinhas...


sábado, 26 de junho de 2010

Fome de conhecimento


Uma das áreas mais intrigantes da ciência é o estudo da trajetória evolutiva do ser humano no planeta. É formidável pensar em como surgimos e evoluímos ao longo dos milhares de anos. Este período que parece um bocado para qualquer ser vivo é, na verdade, um breve instante quando comparado aos bilhões de anos terrestres. Logo, com tanto tempo disponível, a ação de fenômenos naturais acabam por eliminar a maioria dos rastros da vida que existiu um dia na superfície da Terra. Restam, então, apenas uma ou outra evidência que acabaram sendo preservadas por mero acaso, tal como as pegadas de Laetoli. Isto faz com que boa parte dos estudos evolutivos sejam especulativos. Mas que fique claro, isto em nada desabona a área, aliás, muito pelo contrário, é justamente a especulação que gera o progresso científico, permitindo encontrar novas evidências que, de outra forma, não seriam sequer procuradas.

Hoje, mais do que somente fósseis, há uma infinidade de tecnologias que possibilitam investigar outras evidências, como é o caso da análise do DNA mitocondrial. Para quem não se lembra das aulas de citologia, a mitocôndria é uma organela responsável pela respiração celular e que possui algumas características genéticas próprias, sendo transmitidas apenas pela linhagem materna. Torna-se mais fácil, portanto, mapear as sucessivas gerações do indivíduo, possibilitando descobrir em que momento, aproximadamente, surgiu uma determinada mutação. Um exemplo cabal dessa aplicação é a busca pela "Eva Mitocondrial", a fêmea da qual, supostamente, todos os seres humanos descendem.

Essa e outras técnicas podem ser usadas para uma série de pesquisas evolutivas, principalmente aquelas ligadas a origem de mutações relativamente recentes dos seres humanos, ajudando os especialistas a compreenderem muitos dos problemas identificados hoje. A intolerância à lactose, por exemplo, é manifestada apenas por um número reduzido de pessoas, mas parece ter sido a condição original do ser humano. A mutação que possibilitou a adequada digestão do leite de outros animais e seus derivados, segundo alguns estudos, pode ter surgido no Oriente Médio, há alguns milhares de anos, entre os primeiros humanos a domesticar animais e empregar seus produtos e derivados na alimentação. A novidade (mutação) teria dado tão certo que se espalhou pelas populações de todo planeta, invertendo a frequência de aparecimento dessa característica.

Contudo, mesmo que cada uma das alterações genéticas fossem mapeadas ao longo do tempo, a complexa interação entre genes e ambiente ainda manteria muito do teor especulativo presente no estudo da evolução. Recentes estudos, por exemplo, vêm investigando a possibilidade do fogo ter sido usado para transformar alimentos ainda pelo Autralopithecus afarensis — hominídeo da linhagem evolutiva humana — há cerca de 1,9 milhão de anos atrás, muitíssimo antes do aparecimento do Homo sapiens há cerca de cem mil anos. A ampliação do cardápio possível — transformando, pelo fogo, alimentos indigestos em digeríveis e/ou venenosos em inócuos — e a consequente melhora na absorção de elementos essenciais ao organismo teriam favorecido a evolução dos seres humanos, propiciando o aumento da massa encefálica — aparentemente viável apenas com uma redução proporcional do intestino, outro tecido energeticamente custoso.

Parece que o saber humano não é apenas compulsivo, mas, também, insaciável...


sexta-feira, 25 de junho de 2010

Solidão Poética


Como todo bom poeta, Zeca Baleiro sabia exatamente o que queria dizer quando compôs a letra da música "Telegrama", em especial na parte que fala sobre a solidão: "(...) Eu tava só / Sozinho! / Mais solitário / Que um paulistano (...)". A alusão aos paulistanos foi escolhida, não porque seja uma característica exclusiva dos que vivem na cidade de São Paulo, mas porque a metrópole abriga, mesmo, muitos solitários e solitárias. Ao contrário do que seria de se esperar à primeira vista, o ambiente metropolitano parece favorecer o desencontro e essa incômoda sensação em algumas pessoas. A poesia, aliás, surge justamente do contraste entre a solidão de um indivíduo e a presença dos mais de onze milhões de habitantes que compartilham o mesmo espaço urbano.

Acontece que, na realidade, não é a falta de pessoas próximas, fisicamente, que gera a solidão — embora isto cause a sensação em muita gente —, mas a falta de interação, de ter alguém com quem compartilhar o momento. Mesmo com um milhão de amigos, talvez a pessoa se sinta profundamente solitária ao vivenciar algo relevante sem ter outra, ao lado e naquele exato momento, para dividir aquela experiência. Quem conhece a história do jovem Christopher McCandless — brevemente comentada por aqui no texto sobre o filme "Na Natureza Selvagem" — deve se lembrar de sua "iluminação", sobre o assunto, expressa na frase que escreveu: "a felicidade só é verdadeira quando compartilhada".

Mas na cidade, ao contrário do que se passava com McCandless nas florestas do Alasca, as pessoas estão ali próximas, juntas, porém isoladas relacionalmente umas das outras. Quem nunca se sentiu deslocado ou deslocada, solitário ou solitária, em uma festa lotada, por exemplo? Basta não ter ninguém com quem conversar, dividir opiniões, interagir... Isto talvez explique parte de fenômenos como o "Twitter", por exemplo, já que postar comentários na rede mundial sobre as próprias experiências é uma forma, ainda que remota e virtual, de compartilhá-las com mais alguém — algum dos "seguidores".

Talvez por isso também, apesar de tristes, os solitários momentos paulistanos acabem se tornando poéticos...

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Além da Imaginação


Imagine a seguinte cena: um cidadão entra em um dos prédios de uma faculdade e, com o nome completo e o departamento de um dos docentes, pergunta para o segurança, logo na entrada, se poderia ser auxiliado na identificação e localização da respectiva sala. O segurança responde que não, pois não teria acesso à relação, e orienta o cidadão a conversar com o zelador do prédio. O cidadão se dirige à mesa do zelador, mas, ao chegar lá, outra pessoa que compartilhava o mesmo local de trabalho informa que ele estaria ausente. Não obstante, como nem o zelador, nem ele mesmo, saberiam informar a distribuição de salas entre os docentes, recomenda que a secretaria do departamento fosse procurada pois, talvez, tivesse melhores condições para ajudar.

Imagine, então, o cidadão à procura — por si mesmo — da secretaria em questão, batendo à porta e sendo atendido pelo único funcionário que ali estava — assistindo a uma partida de futebol pela copa do mundo. Ao ser inquirido sobre a sala do docente daquele departamento, o funcionário responde que também não saberia informar, uma vez que ele não cuidava daquele assunto e, na agenda do seu colega da mesa ao lado (quem cuidava), não havia qualquer relação de salas. Quando perguntado, novamente, se haveria alguma outra forma de obter a informação procurada, o funcionário passa a gritar, irritado, repetindo a mesma resposta: que não cuida daquele assunto, que seu colega não estava lá no momento e que não existia informações sobre as salas na agenda que ele já havia acabado de olhar (apenas na contracapa).

Continue imaginando, ainda, o citado cidadão, por volta do meio-dia de uma quinta-feira, percorrendo, por si mesmo, várias salas do prédio em busca do nome, em alguma das portas, do docente que procurava. E, finalmente, encontrando o respectivo local, verifica que, infelizmente, o docente não está. Pense, por fim, no cidadão resignado à sua condição, retornando de onde havia vindo, sem nenhuma informação adicional relevante — exceto, talvez, à localização da sala que ele mesmo havia descoberto — e com um débito de tempo em sua vida que jamais poderá retornar.

Difícil de imaginar a cena? Imagine, agora, tudo isso ocorrendo dentro de uma das mais conceituadas universidades da América Latina. Conseguiu imaginar? Não?!

Pois é, há certas coisas que estão muito além da nossa imaginação...

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Um gesto para mudar o mundo


Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821-1881) foi um dos maiores romancistas russos. Seus escritos, porém, não se limitaram àquele país, tendo influenciado o pensamento de várias pessoas ao redor de todo o mundo, o que o transformou em um dos escritores mais influentes da literatura internacional. Engenheiro, formado pela Academia Militar de São Petersburgo, Dostoiévski, obteve a patente de tenente após finalizar seus estudos, mas logo deixou a carreira militar pela de escritor. Sua obra pode ser dividida em dois momentos muito distintos: antes e depois de sua terrível experiência durante o exílio na Sibéria.

Envolvido com um grupo socialista, cujas ideias se opunham às do tsar Nicolau I, Dostoiévski foi preso e condenado à morte por fuzilamento que seria executado após um período de confinamento sob regime de trabalhos forçados na prisão siberiana. Diz uma história que quando ele começou a perceber que não mais resistiria, prestes a sucumbir às agruras enfrentadas na prisão, decide escrever a seu irmão, suplicando-lhe que enviasse um texto qualquer, um livro, para que pudesse manter o próprio espírito vivo. Seu irmão, no entanto, não o envia. Dias depois, enquanto estava em uma fila de prisioneiros, já praticamente sem forças para continuar, uma senhora, camponesa, compadece-se de seu suplício e lhe entrega um evangelho que trazia no bolso da saia. Dostoiéviski o lê e o relê, desesperadamente, para se manter vivo espiritualmente.

Mesmo assim, chega o dia de seu fuzilamento, quando ele e alguns companheiros são amarrados e vendados para aguardar o momento derradeiro. Após tudo pronto, prestes a ser morto, chega uma carta de clemência do tsar, liberando-o do fuzilamento e salvando sua vida. Esta experiência macabra marcaria, profunda e definitivamente, a vida e a obra de Dostoiévski para dali em diante. Desde então, seus textos passaram a tratar das mais fundamentais facetas do ser humano. Em um de seus artigos publicados em O diário de um escritor (1873-1874), chega a afirmar que bastaria uma única experiência significativa na vida, uma única memória, para que toda a existência valesse a pena — aludindo, provavelmente, à própria experiência com a camponesa enquanto estava na prisão.

E aquela senhora, provavelmente, nunca deve ter se dado conta de que seu gesto simples de solidariedade foi capaz de influenciar o mundo inteiro...

terça-feira, 22 de junho de 2010

Quer pagar quanto?


Ontem, na Folha de São Paulo, saiu uma notícia sobre as cifras perdidas pelo país com a má formação de engenheiros. Segundo a reportagem, cerca de R$ 26,5 bilhões (quase 1% do PIB) são perdidos com falhas nos projetos de obras públicas. O número, já assustador, aparentemente não considera os prejuízos em obras privadas ou nos demais projetos das inúmeras outras áreas de engenharia além da civil. Qualquer forno de tratamento térmico danificado, qualquer ferramenta de estamparia errada, qualquer lote de equipamentos eletro-eletrônicos defeituosos, qualquer processo químico mal controlado e lá se vão alguns outros milhares de reais pelo ralo — isto para não mencionar danos a vidas humanas ou ao ambiente decorrentes de tais falhas.

Ainda conforme a reportagem, no encontro nacional dos engenheiros em Curitiba — infelizmente, não foi encontrada uma referência na internet sobre este encontro —, além do prejuízo bilionário, foram também apresentados e debatidos outros números que refletem a crise da engenharia brasileira, além de propostas públicas e privadas para tentar reverter o problema. Apesar de algumas estatísticas esquisitas — como comparar o número de engenheiros formados na Índia e na China com o do Brasil que possui menos de 20% da população desses países —, a defasagem de mão-de-obra na área é evidente. Entre os vários fatores apontados como causas do problema, a ineficiente formação do ensino médio se destaca. Vale a pena comparar estes dados com os de outra reportagem, no mesmo jornal, comentada por aqui em "Engenheirando o Futuro" no final do ano passado.

Duas passagens do texto merecem ser mencionadas: uma sobre o que disse o vice-presidente de serviços de uma grande multinacional em um seminário promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham) em São Paulo e outra escrita pelo próprio jornalista que assina a reportagem. A primeira se refere aos "caríssimos" salários pagos pela iniciativa privada aos seus engenheiros:

"Essa disputa [por engenheiros] não ajuda. Vamos perder se entrarmos numa guerra e ampliar a inflação dos custos de mão de obra." vice-presidente de serviços de uma multinacional, Folha de São Paulo, 21/06/2010.

Ao que o jornalista complementa dizendo que "o salário inicial, de R$ 1.500 em 2006, já atinge R$ 4.500" — valor este que sequer deve considerar a depreciação inflacionária no período. A segunda passagem fecha o texto da primeira página do caderno mercado:

"(...) 'Por que o jovem quer ser médico e advogado e não quer ser engenheiro e professor de matemática?'. Exemplo de baixa procura pela área ocorreu em concurso para professor de física em São Paulo. De 931 vagas, só 304 foram preenchidas." jornalista, Ibidem.

Como dizia uma personagem de um programa humorístico na televisão, "é melhor não comentar". Os engenheiros e professores que tirem suas próprias conclusões a respeito...


segunda-feira, 21 de junho de 2010

Dilema do Eleitor


Há na vida, infelizmente, momentos em que "algo" é melhor do que nada — e não são poucas essas ocasiões. É claro que as pessoas, em sua grande maioria, gostariam muito de poder escolher sempre a melhor opção, mas isso não é possível em todas as situações. Como são muitas as limitações, a decisão acaba se baseando no melhor resultado calculado pela avaliação global dos prós e contras de cada opção disponível. O mecanismo é o mesmo para quase tudo, seja a teoria da seleção natural de Darwin, uma simples partida de xadrez ou as eleições aos cargos públicos dos poderes executivo e legislativo.

Quem nunca se sentiu exasperado nas eleições ao conhecer as únicas opções de partidos e candidatos disponíveis? De vez em quando, parece até que é feito de propósito, como se os partidos combinassem entre si para lançarem apenas os candidatos nos quais não se pretendia votar. Seja como for, saiba que pelo atual sistema eleitoral brasileiro, os cargos eletivos serão preenchidos, necessariamente, por alguns dos candidatos apresentados. Logo, o eleitor consciente deveria escolher, criteriosamente, dentre os candidatos disponíveis, aqueles que, dentro do possível, apresentem as melhores condições de desempenhar apropriadamente as funções para as quais estão sendo eleitos.

Circula pela internet, no entanto, uma mensagem dizendo que novas eleições poderiam ser convocadas caso a metade dos votos fossem nulos. Trata-se de uma tremenda bobagem! De fato, o artigo 224 da lei 4.737/65, reza que:

"Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias."

O problema é que a "nulidade" dos votos a que se refere o artigo nada tem a ver com os votos anulados na urna pelo eleitor ou pela eleitora. A "nulidade" em questão se refere apenas à anulação deliberada pela instituição eleitoral e nos casos previstos pelo artigo 220 da mesma lei. Assim, se metade dos eleitores, deliberadamente, anularem seus votos — o que é pouquíssimo provável — a outra metade vai eleger os candidatos. Aliás, só para complementar a informação, a lei 9.504/97, na prática, acabou com a diferença entre votos brancos e nulos, já que ambos são desconsiderados para a consolidação dos votos válidos. Logo, não será com a sua abstenção em participar das eleições que sua indignação se fará ouvida, senão pela cobrança ativa de resultados do que foi proposto pelos candidatos, pela conscientização de outros cidadãos, pela fiscalização do uso de recursos públicos, etc.

Alguém disse que votar conscientemente seria fácil?

domingo, 20 de junho de 2010

Noites Juninas


Uma das melhores atrações de junho são suas festas típicas que variam muito de região para região do Brasil. Guardam, porém, uma certa identidade com seus enfeites característicos, doces e salgados derivados de milho, mandioca e amendoim, quadrilhas, trajes caipiras, vinho quente, quentão... E, curiosamente, apesar do viés religioso dessas festas populares — com as imprescindíveis referências ao santo que dá nome à festa, São João, ao santo casamenteiro, Santo Antônio, e a São Pedro —, dizem que suas origens remetem às festas pagãs que celebravam, no hemisfério norte, o solstício de verão. Seja como for, por aqui, as festas juninas são uma delícia e uma aventura pelo folclore brasileiro...


sábado, 19 de junho de 2010

Sr. Custo


A vida do engenheiro é regida por um chefe, insuportavelmente chato e mal-humorado, chamado custo. De vez em quando ele se disfarça de orçamento, recurso, despesa, mas, no fundo, é sempre o mesmo. O avarento vive implicando com o preço disto ou daquilo e protesta, lamuriosamente, a cada centavo extra gasto. Incansável, vigia, diuturnamente, o trabalho do engenheiro para impedir que qualquer ideia, minimamente mais cara que o projeto original, seja proposta de maneira ilesa. E tem mais, o engenheiro que por ventura não se entender bem com ele, terá de pedir demissão, não de um emprego, mas da profissão. As limitações que o custo impõe são realmente frustrantes.

Por outro lado, a arte de fazer mais com menos, exercita a criatividade e a busca incansável por alternativas. Se alguém, por exemplo, desejasse fabricar uma faca absolutamente afiada, capaz de cortar quase tudo e que, praticamente, nunca perdesse o fio, bastaria fabricá-la, por exemplo, em diamante! O custo, no entanto, seria proibitivo — por isso não existem muitas facas de diamante mundo afora. A função do engenheiro, então, é analisar o problema e encontrar uma solução viável em termos de custo que, no nosso exemplo fictício, poderia ser uma faca feita em cerâmica especial, apenas com a parte cortante feita em diamante. Depois de viabilizar o projeto, outro engenheiro — ou o mesmo, mas em outro momento — analisa o produto e, incomodado com o custo, propõe fazê-la de uma liga metálica nobre, com o mínimo possível de diamante na aresta de corte. Outro, ainda, olha para a nova faca de metal e resolve não usar mais nem metal nobre, nem diamante no fio de corte; apenas um aço qualquer, dos mais baratos disponíveis no mercado para aquela aplicação.

Bem, imagine se, em um churrasco em comum, ambos os compradores se encontrassem — o da primeira faca, feita em diamante, e o da segunda, feita em aço comum. Um olharia para faca do outro e, incrédulos, talvez começassem a demonstrar cada qual o desempenho de corte de sua respectiva faca, cortando algumas carnes, alguns ossos e até alguns objetos. Mas a performances, provavelmente, mostrar-se-iam muito similares. Se por acidente, entretanto, ambas as facas caíssem no chão, a de diamante se espatifaria em mil brilhantes e a de metal seria recolhida, lavada e retornaria, simplesmente, a seu uso anterior como se nada tivesse acontecido. E, no final das contas, a versão de mais baixo custo, além de muitíssimo mais barata, também seria melhor.

Apesar de certa dose de ficção no exemplo, atualmente há, de fato, várias técnicas de manipulação dos materiais comuns para se conseguir propriedades, antes, inimagináveis. Entre elas, os recobrimentos nanoestruturados, conforme rapidamente comentado por aqui em "Nan'outro Mundo", além de outros sofisticados processamentos a plasma, termo-químicos, mecânicos, etc., soluções mais modernas e de melhores resultados que o da mera escolha de um bom material para uma dada aplicação.

O difícil, sempre, é explicar para o ranzinza do sr. custo que investimento e gasto são conceitos totalmente diferentes.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago


José de Sousa Saramago (1922-2010), faleceu, hoje, aos 87 anos de idade em Lanzarote, Ilhas Canárias, devido a complicações em seu quadro clínico. Sofria de leucemia crônica e já estava doente havia algum tempo. Primeiro autor da Língua Portuguesa a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998, Saramago deixou não apenas uma vasta e valiosa obra, como também uma história de vida invejável.

Nascido no seio de uma família pobre aos 16 de novembro de 1922 — embora o registro oficial acuse o dia 18 — em Azinhaga, uma pequena freguesia portuguesa, mudou-se com a família, ainda menino, para Lisboa onde começou a estudar em um colégio técnico. Após sua formatura, teve como primeiro emprego a atividade de serralheiro mecânico. Autodidata e assíduo frequentador da biblioteca municipal, Saramago também trabalharia, ao longo de sua vida, como tradutor e jornalista, mas seria como escritor — e poeta — que se consagraria em seu país e no mundo. Seu primeiro romance, Terra do Pecado (1947), foi publicado quando contava ainda com 25 anos de idade. Curiosamente, o mesmo editor acabou por rejeitar seu segundo livro, Clarabóia, inédito até hoje. Anos mais tarde, sua publicação mais famosa, e que lhe daria o Nobel, Ensaio Sobre a Cegueira (1995), seria adaptada para o cinema em 2008 pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles — brevemente comentado por aqui em "Cegos? Nós?!".

Afiliado ao Partido Comunista Português desde 1969, Saramago se definia como comunista e libertário, contribuindo ativamente para a luta que poria fim à ditadura salazarista em 1974. Um de seus romances mais polêmicos, O Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991), que descreve um Cristo humanizado, rendeu-lhe a exclusão de seu nome, pelo governo português, da lista de candidatos ao prêmio europeu de literatura, motivando seu exílio voluntário às Ilhas Canárias, na Espanha, onde faleceu. Além da Igreja Católica, também as políticas do ex-presidente estadunidense George W. Bush e do Estado de Israel não escaparam às suas contundentes críticas. Senhor de uma alta sensibilidade social, que utilizava de forma magistral, Saramago deixou clara, tanto pela obra quanto pelas ações, sua posição com relação à sociedade que compartilhava.

Se por um lado, como escreveu Fernando Meirelles, a morte de Saramago deixou o mundo "mais cego e mais burro", por outro, sua obra, sem dúvida, iluminará os caminhos da humanidade para todo o sempre.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Oráculo Moderno


Se existisse um oráculo verdadeiro que, na maioria dos casos, pudesse dar uma resposta precisa e confiável sobre o futuro de qualquer indivíduo... Se as notícias fornecidas por esse oráculo pudessem se referir à vida ou à morte, sendo que a data desta última, uma vez informada, não tivesse mais como ser adiada... E se, além disso, nesse oráculo e nessas condições, tal informação crucial acerca do futuro estivesse ao seu alcance... Qual seria sua opção: desejaria conhecê-la ou não?

Saber a provável data do próprio fim ou a terrível natureza de um sofrimento à espreita, talvez lhe fosse insuportável e, quiçá, preferisse viver sem essa informação pelo resto da vida. Afinal, de que adiantaria saber que uma síndrome terminal qualquer lhe acometeria dentro em pouco? Sem dispor de uma alternativa plausível que pudesse amenizar o sofrimento ou adiar a data da própria morte, a precisa previsão do oráculo teria muito pouca utilidade prática.

Entretanto, de modo contrário, talvez saber do curto período de vida restante lhe servisse para alterar, drasticamente, toda sua forma de viver. Sua existência, organizada dentro de uma perspectiva mais breve, poderia se tornar muito mais intensa para si e útil para seus entes queridos, compensando, até certo ponto, a infeliz limitação do tempo. Seria possível se preparar para o sofrimento em todos os sentidos, prático e psicológico.

Ou, talvez, estando consumido pelas atrozes dúvidas sobre o próprio destino, fosse melhor colocar logo um término nas desconfianças pelo conhecimento prévio do futuro, fosse ele bom ou mau. Talvez antever um destino trágico não machucasse mais do que conviver com a eterna incerteza. Haveria, ainda, a possibilidade de se livrar definitivamente do sofrimento, como em um passe de mágica, caso a notícia se mostrasse boa.

Eis aí uma questão extremamente pessoal e delicada à qual não há uma resposta correta. Com o estudo cada vez mais avançado do genoma humano, vai aumentando a possibilidade de se prever, com precisão, o desenvolvimento de certas doenças terminais ligadas a genes específicos — não multifatoriais. Por mais curioso que isso possa parecer, o maior desafio dessa empreitada será ético: discernir claramente entre a importância de tais estudos e suas implicações na vida de cada indivíduo. Da mesma forma que não se pode decretar o fim do "oráculo" porque alguém não deseja sua resposta, também não se pode exigir que todos o consultem, simplesmente, porque existe e está disponível.

O assunto poderia render uma tragédia grega em outros tempos...


quarta-feira, 16 de junho de 2010

Discursos e exemplos


Como comentado no sábado passado em "A cosmovisão das mensagens eletrônicas", uma das vantagens de se ler tudo o que cai nas mãos é ficar sabendo das muitas histórias inusitadas que acontecem por aí. Um texto da psicóloga Rosely Sayão, no caderno "equilíbrio" da Folha de São Paulo do dia 8 de junho passado, falava sobre a dificuldade dos adultos em "ensinar" às crianças e adolescentes sobre relacionamentos amorosos. O ponto levantado pela autora se referia ao fato de que muitos dos comportamentos inadequados, verificados cada vez mais precocemente nos filhos, eram adquiridos por mera observação que as crianças fazem dos exemplos dados pelos próprios adultos. Por que uma criança ou adolescente deveria acreditar que o normal é um relacionamento duradouro e equilibrado com tanta gente reclamando dos compromissos impostos por um relacionamento longo e agindo, frequentemente, de maneira desequilibrada em relação à questão?

A despeito da seriedade exigida pelo assunto, a sobriedade não resiste ao desenrolar de uma das histórias que Sayão relata no seu texto para corroborar sua argumentação. Contava que uma menininha, no auge dos seus quase sete anos de idade, inquiriu sua professora sobre o porquê dela usar duas alianças em uma de suas mãos e arriscou um palpite perguntando se ela possuía dois namorados. Achando graça, a professora, então, explicou que não se tratava de duas alianças, mas de dois anéis e que ninguém tinha dois namorados. Ao que a menina, prontamente, replicou que não era o caso da sua mãe. Completamente sem graça, a professora acabou não sabendo como levar a conversa adiante e encerrou o papo.

Talvez se os adultos fossem tão sinceros quanto as crianças, o mundo seria bem melhor — se não, ao menos muito mais divertido. Poder-se-ia enxergar a vida — parafraseando Nélson Rodrigues — exatamente como ela é. Note que com sua história, a menininha não estava discursando sobre a moral da sociedade, julgando o comportamento de sua mãe ou qualquer outra dessas armadilhas onde costumam cair certas discussões. Estava, simplesmente, lembrando uma característica humana básica, mas que é frequentemente esquecida pela maioria das pessoas: o ser humano aprende através dos exemplos de outros seres humanos. E se há coisas que nem os adultos entendemos bem o porquê de acontecer no mundo, pode-se fazer ideia do que se passa na cabeça de uma criança com acesso a exatamente as mesma coisas...


terça-feira, 15 de junho de 2010

Paciência


Não é à toa que atribuem a qualidade de virtude à paciência. Por mais que alguém se esforce para mantê-la, quase sempre, em algum momento, ela subitamente desaparece e o indivíduo, como se diz no jargão popular, costuma "partir para ignorância" que, não necessariamente, refere-se apenas à agressão física, mas a qualquer tipo de violência contra si mesmo ou externo a si. Fazer questão de não atender ao chamado de alguém por capricho, dar uma resposta meio "atravessada", deixar de fazer algo para si próprio como forma de se punir, etc., são alguns dos vários exemplos de violências, geralmente desencadeadas pelo fim — ainda que temporário — da paciência.

As consequências não tardam a aparecer e logo surgem os dissabores do arrependimento. Depois do rompante, entretanto, resta apenas o lamento e as tentativas de reparação, mas parte do estrago, provavelmente, terá sido irreversível. Tal como na história do menino que bradava palavrões, ofendendo qualquer um que estivesse ao seu lado. Seu pai, então, com a intenção de corrigir o comportamento inapropriado do garoto, lança-lhe um desafio, dizendo que para cada palavra de calão que pronunciasse, deveria, como castigo, fincar um prego em um dos mourões no cercado da casa. No primeiro dia, o rapazinho pregou algumas dezenas, na semana seguinte, alguns mais, até que, finalmente, dirige-se, todo orgulhoso, a seu pai e diz que não havia pregado nem um único prego sequer naquele dia. O pai, então, pede ao menino que voltasse ao mourão e retirasse os pregos que havia fincado lá. Quando retorna, diz que conseguira retirar os pregos, mas que o mourão ainda permanecia todo furado. Seu pai, então, explica-lhe que o uso de palavras ofensivas tinham um funcionamento similar: mesmo remediando-se depois, certos estragos não podiam mais ser recuperados.

Assim, como não parece haver dúvidas nem sobre se preferir estar ao lado de pessoas mais pacientes àquelas mais explosivas, nem sobre os óbvios benefícios da paciência em nos poupar aborrecimentos futuros, seria ótimo que houvesse um meio para nos auxiliar a sermos ainda mais pacientes. Infelizmente, a não ser que se dedique a vida à filosofia dos zen-budistas — pelo menos no geral, seus seguidores parecem mais pacientes do que a média da população —, não existe um meio simples. Há, no entanto, várias coisas que ajudam como sempre se questionar se a ação possui um propósito claro, não servindo apenas para satisfazer o próprio ego, se o objetivo desejado vale, mesmo, todas as consequências que poderão advir de sua conquista, se não existe uma outra forma melhor de se conseguir aquilo, etc.

Hoje em dia, ao menos, ninguém mais precisa se internar em um mosteiro para exercitar suas técnicas de desenvolvimento da paciência, bastando, para isso, tentar solucionar qualquer problema banal com algum dos serviços de tele-atendimento disponíveis no mercado. Experimente!

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Tempos


Por mais estranho que a afirmação possa soar, a dura realidade é que o tempo não falta a ninguém. Tampouco existe alguém com sobra de tempo — pelo menos neste universo. O tempo — para desespero de alguns — é rigorosamente igual para todo mundo. Seja biliardário, paupérrimo, alto, baixo, gordo, magro, negro, branco, competente, incompetente, ágil, lerdo, bom ou mau caráter, não importa, os minutos disponíveis serão sempre os mesmos. O que diferencia os "tempos" das pessoas não é uma característica imanente da natureza temporal, mas a forma como a cota diária de instantes é empregada na busca pelos próprios objetivos.

Um alto executivo de uma multinacional, por exemplo, poderia olhar para um monge no Tibete e pensar como o mesmo consegue "desperdiçar" tanto do seu tempo, mas o contrário — ou seja, o mesmo pensamento, mas do monge com relação ao executivo — seria, também, igualmente factível. As diferentes análises de uma mesma situação emergem dos diversos pontos-de-vista e, consequentemente, dos respectivos critérios adotados para se estabelecer as prioridades ao longo das próprias vidas. A situação do momento também colabora para uma desigualdade na percepção do tempo, tanto que a história da "velocidade" do tempo ser diferente quando dentro ou fora do banheiro virou piada famosa na internet.

Desde Einstein, entretanto, sabe-se que os modelos físicos preveem uma efetiva alteração no passar do tempo, dependendo da velocidade em que o corpo se desloca. Quanto mais alta for a velocidade de deslocamento, mais lento é o passar do tempo. O efeito foi comprovado experimentalmente colocando-se relógios atômicos (de altíssima precisão), previamente sincronizados com outros fixos, para viajar em aviões durante longos períodos. O efeito, claro, é mínimo, mesmo em velocidades supersônicas, tornando-se significativo apenas em velocidades próximas à da luz — cerca de 300.000 km/s. De qualquer forma, pelo menos neste caso, o executivo que viajasse muitíssimo de avião talvez pudesse, ao final de toda sua vida, gabar-se de ter ganho alguns segundos em relação ao monge.

Bom seria isso funcionasse ao corrermos, como a luz, só para finalizar todos os afazeres que nos propomos...


domingo, 13 de junho de 2010

Haikai dos Contrastes



O outono é uma estação de contrastes. Em São Paulo, principalmente, os dias claros, ensolarados e de temperaturas amenas, intercalam-se às súbitas chegadas de frentes frias que, embora geralmente não diminuam a beleza dos dias curtos, transformam as horas dos menos precavidos — aqueles que dispensaram a segurança dos agasalhos extras — em vislumbres de um inferno nórdico. E em alguns aspectos, a vida humana guarda certas similaridades com a estação. Como quando certas notícias e decisões congelam o espírito de quem, até então, estava alheio, contemplando a beleza de sua própria existência...


sábado, 12 de junho de 2010

A cosmovisão das mensagens eletrônicas


Haja paciência para ver a infinidade de mensagens impessoais que chegam, todo santo dia, nas caixas de correio eletrônico! São piadas, fotos, videos, apresentações, boatos, textos dos mais diversos, correntes, mandingas, pornografia, campanhas, propagandas, mensagens religiosas, de auto-ajuda, motivadoras, de alerta, de informação, curiosas, sobrenaturais, enfim, absolutamente tudo o que se pode ver, ler, ouvir ou imaginar diante de uma tela de computador. Infelizmente, muito pouca coisa se aproveita, mas, procurando bem, até que se encontram coisas que valham a pena. Sejam as belas imagens que ilustram alguma bobagem textual de uma apresentação, sejam referências interessantes em algum texto ridículo. Tal como é necessário revolver toneladas de terra para se obter alguns gramas de ouro, também o é para se encontrar algo valioso no meio de tanta porcaria.

De qualquer forma, pode-se dizer que há um ganho indireto nesse tipo de prospecção. O conjunto dos conteúdos pode dar uma ideia, mesmo que superficial, da "fauna" — não entenda o termo pejorativamente, mas no sentido de diversidade — que povoa a internet de uma maneira geral. Há muita coisa útil que se pode depreender sobre o caráter e a personalidade das pessoas, tanto daquelas que criam quanto daquelas que enviam determinadas mensagens. Ao receber uma mensagem que, ao invés de apenas criticar posicionamentos político-ideológicos, desrespeita a pessoa de um presidente da república, por exemplo, você começa a não mais se espantar quando alguém lança o famoso "você sabe com quem está falando?" em uma situação cotidiana. Ao receber uma mensagem que, ao ser reenviada, diz-se que será rastreada e contabilizada para, no final, render algum prêmio a quem a enviou, você começa a entender como há quem acredite, sem questionar, absurdos monumentais veiculados nos grandes meios de comunicação.

Especialmente no que se refere a seus criadores, certas mensagens são utilíssimas para evidenciar peculiaridades morais, preconceitos e ideologias que, de outra forma, dificilmente seriam exprimidas ao público. Como exemplo, pode-se citar uma mensagem recém recebida que falava sobre como o nível educacional vem piorando no decorrer dos tempos. O texto iniciava citando algumas práticas e disciplinas comuns nas escolas há alguns anos atrás (à época da ditadura militar) e ia seguindo com o suposto relato de uma professora de matemática sobre a dificuldade de uma atendente em calcular o troco que teria de devolver. O ápice era atingido ao se descrever como uma simples questão de matemática viria sendo aplicada ao longo das décadas, tornando-se cada vez mais débil até o ponto de, na atualidade, transformar-se em uma mera orientação. A redação terminava ironizando as políticas de cotas para afro-descencentes, portadores de deficiência, indígenas e minorias sociais. O fechamento era dado pelo parágrafo final, uma espécie de "moral da história", dizendo o seguinte:

"Todo mundo está 'pensando' em deixar um planeta melhor para nossos filhos... Quando é que se 'pensará' em deixar filhos melhores para o nosso planeta?"

Faltou dizer que com mensagens desse tipo, certamente é que não será...

sexta-feira, 11 de junho de 2010

A Taça do Mundo é nossa...


E a Copa do Mundo, finalmente, começou. Pela primeira vez na história, o maior espetáculo futebolístico da Terra se inicia no continente onde, muito provavelmente, evoluíram os primeiros espécimes humanos — a África. Infelizmente, o atual nível de desenvolvimento sócio-econômico de seus países, entretanto, não reflete, nem de longe, a antiquíssima história de seus habitantes. Mesmo assim, um dos Estados de melhor situação, a África do Sul, foi escolhido para sediar o mágico evento quadrienal usado como uma espécie de panaceia dos problemas sociais e econômicos. Segundo os dirigentes do país, a expectativa é de reverter ao povo africano todas benesses oriundas dos bilionários investimentos exigidos para a ocorrência da grande festa esportiva.

Deve-se levar em conta que as realidades neste período, por piores que sejam, parecem assumir contornos menos duros. As dificuldades são colocadas em um plano secundário, os períodos de trabalho são diminuídos, as reuniões entre amigos e familiares se tornam mais frequentes e quase todos se juntam em um uníssono grito de incentivo ao triunfo nacional, simbolizado pela vitória da seleção de futebol do seu país. Telas espalhadas pelos locais públicos nas cidades garantem que o espetáculo só não chegue a quem, deliberadamente, não o deseje — diversão gratuita e de qualidade às massas. É, sem dúvida, um mundo bastante mais agradável do que se costuma vivenciar em outras épocas.

Realmente, só é uma pena que depois dos gols de placa, dos lances polêmicos, das viradas de jogo inacreditáveis, dos pênaltis perdidos, enfim, de todos os instantes emocionantes que só um campeonato mundial de futebol e suas seleções nacionais podem proporcionar, tudo volte como era antes. As dificuldades tornam a parecer insuperáveis, os períodos de trabalho aumentam (às vezes sem remuneração extra), as reuniões entre amigos e familiares se tornam esparsas e quase todos voltam a se preocupar, predominantemente, com os próprios desejos e necessidades. As telas praticamente desaparecem dos locais públicos nas cidades e a diversão de qualidade volta a ser cara e elitista. Ao contrário do período de jogos, entretanto, tais condições não durarão cerca de um mês, apenas, mas quase quatro longos anos.

E ao final de tudo, os mais atentos perceberão que o cotidiano nunca retorna, exatamente, à mesma situação anterior à copa, mas estará, provavelmente, minimamente pior. Nada que não possa ser compensado no próximo mês de copa, quatro anos depois, e, assim, sucessivamente.


quinta-feira, 10 de junho de 2010

Morituri moriturum salutant!


A morte, apesar de muito explorada na filosofia, na arte, etc., nunca foi um assunto dos mais agradáveis. Exceção feita a alguns poucos grupos específicos, não costuma ser lá muito comum, pessoas se reunindo para discutir, animadamente, assuntos relacionados à própria morte. Muito pelo contrário, a tendência mais usual na sociedade moderna é, justamente, a de se esquecer, voluntária ou involuntariamente, de que a morte existe e que, um dia, chegará a todo e qualquer indivíduo. Curiosamente, os únicos animais que parecem possuir essa prévia consciência da própria morte — os seres humanos — são justamente os mesmos que lançam mão de uma série de artifícios para se esquecerem de que são mortais. Há quem diga, entretanto, que esse comportamento nem sempre foi tão exacerbado assim.

Nortbert Elias (1897-1990) foi um dos mais importantes sociólogos da história e seus trabalhos, ao longo dos quase cem anos de vida, contribuíram para diversas áreas do conhecimento humano. Alemão de origem judaica, Elias teve de deixar seu país quando, em 1933, os nazistas chegaram ao poder. Viveu por quase dois anos em Paris e, então, muda-se para Londres onde termina sua grande obra O Processo Civilizatório (Über den Prozess der Zivilisation, no original, ou The Civilizing Process, em inglês) que seria publicado apenas em 1939, na Suíça. Só oito anos antes de atingir a idade para se aposentar, em 1954, Elias se torna professor na universidade de Leicester. Após sua aposentadoria, lecionou ainda na Universidade de Gana e produziu uma vasta obra até sua morte em Amsterdã. Entre os diversos livros, A solidão dos moribundos, seguido de, Envelhecer e morrer (Über die Einsamkeit der Sterbenden in unseren Tagen, 1984) trata exatamente da morte como um problema social.

Ao longo do texto, de linguagem bastante acessível, Elias vai mostrando que a morte e suas implicações sociais foram se alterando, gradativamente, desde as sociedades mais antigas até as atuais em um processo que chamou de civilizatório, principalmente no mundo ocidental. Tal alteração nos padrões sociais acaba por culminar em uma espécie de "recalcamento", no indivíduo, da ideia de sua própria morte, levando, consequentemente, os velhos e moribundos para os "bastidores" da vida social. Sem pudores, Elias explicita que, assim solitários, eles se sentem "(...) — ainda em vida — excluídos da comunidade dos viventes." (Elias, Norbert. A solidão dos moribundos seguido de envelhecer e morrer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. p. 76). Talvez por ter perdido sua mãe no campo de concentração em Auschwitz, a maestria e singular sensibilidade para tratar a questão da morte e a relação entre vivos e moribundos é evidente em todo o estudo de Elias.

Pode-se dizer que se trata de uma leitura para ser feita pelo menos uma vez, em vida...


quarta-feira, 9 de junho de 2010

Um fragmento de ilusão


"Ele o olhava incrédulo enquanto tentava argumentar novamente:

— Vamos, homem, ela não vem mais!
— Deve ter acontecido algo no caminho, vamos aguardar mais um pouco...
— Eu já lhe disse. Ela me pediu, pessoalmente, para lhe avisar de que não viria mais. Deixou-me até esse lenço como prova. Você não o reconhece?
— Claro que sim! Foi meu último presente a ela...
— Pois, então! Vamos embora!
— Tenho certeza de que foi algum mal entendido. Ela está apaixonada, assim como eu...
— Olha, pode até ser, mas, francamente, não é por você.
— Pare de dizer besteiras! Ela me ama!
— Será que eu estou falando em outra língua que você não entende? Deixe-me repetir: foi ela mesma quem falou comigo!
— Ela devia estar brincando com você...
— Por que você não liga para ela e pergunta?
— É, já tentei. Sem resposta...
— Então, vamos até a casa dela!
— Olha, não há necessidade. Façamos o seguinte: deixarei um bilhete aqui para ela, afinal, também não posso ficar segurando você aqui por muito mais tempo. Aí, amanhã eu volto sozinho.
— Bom, você é quem sabe... Ninguém pode dizer que eu não tentei.

Rapidamente, o rapaz rabiscou algo em um pedaço de papel e deixou sobre o banco. Colocou uma pequena pedra por cima para que o bilhete não voasse com o vento e saiu caminhando com o outro que ainda expressava um ar de incrédulo, porém já resignado. Quem os visse ali, caminhando lado a lado naquele final de tarde, não poderia sequer imaginar a distância que separava aqueles dois mundos tão distintos.
"

terça-feira, 8 de junho de 2010

Se é possível complicar...


O texto de ontem acabou lembrando uma outra reportagem, também da Folha, falando sobre um encontro em Asilomar, Pacific Grove, Califórnia, EUA, onde foram discutidas formas de intervenção tecnológica em larga escala para deter as alterações climáticas que veem se tornando cada dia mais contundentes no planeta Terra. Trata-se de uma moderna área da ciência — com ares de ficção científica — conhecida como geoengenharia que estuda a viabilidade e os efeitos de tais intervenções planetárias. O espectro de opções disponíveis vai desde ações aparentemente inofensivas, como pintar de branco as superfícies urbanas para refletir um maior percentual de energia solar incidente, até o despejo de milhões de toneladas de compostos sulfurados (com enxofre) na estratosfera terrestre, visando o mesmo fim.

Algumas experiências-pilotos, inclusive, já até foram realizadas, como a fertilização de oceanos com ferro para aumentar a população de cianobactérias que consomem o carbono do ar, fixando-o na composição de sua carapaça que, ao morrer, afundam no mar. O problema de todos esses procedimentos é que, usualmente, apresentam efeitos colaterais nocivos previsíveis — além, claro, dos imprevisíveis também. No caso das cianobactérias, por exemplo, os riscos mais evidentes são os desequilíbrios na ecologia dos microorganismos marinhos — seja por competição desigual, seja por acidificação da água causada pelo carbonato oriundo de seus resíduos mortais —, gerando uma reação em cadeia que poderia atingir toda a fauna e flora oceânica, talvez mundial. Além dos riscos, os recursos econômicos demandados apresentam a mesma ordem de grandeza dos objetivos desejados, ultrapassando — para a maioria das opções — a casa das dezenas de bilhões de dólares.

O mais curioso, entretanto, é que a opção aparentemente mais fácil — a de parar ou minimizar a ação antrópica responsável pelo desequilíbrio — esbarra em uma série de interesses que parecem inviabilizá-la completamente. Quem já tem um pouco mais de idade, deve se lembrar, por exemplo, do espanto mundial quando se descobriu que o uso dos gases CFCs estavam diminuindo a espessura da camada de ozônio na alta atmosfera terrestre. Alguns anos mais tarde, sob os auspícios do Programa das Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente, firmou-se o Protocolo de Montreal, assinado em 1987 e colocado em vigor em 1989, no qual os países signatários se comprometiam a reduzir a produção e o consumo dos gases que agrediam a camada de ozônio. Atualmente, mais de vinte anos depois, as medições começam a sinalizar uma interrupção no crescimento do "buraco" da camada de ozônio sobre o continente antártico — um resultado extraordinário, sem que nenhuma intervenção planetária mirabolante fosse levada à cabo.

Como diriam alguns, entretanto, para que simplificar, não é mesmo?!


segunda-feira, 7 de junho de 2010

A sabedoria do não-saber


Terça-feira passada, 1º de junho, o jornal Folha de São Paulo veiculava uma notícia sobre o gradual desaparecimento da faixa de areia na Praia da Armação, em Florianópolis. O texto chamou a atenção por vários motivos: primeiro por se tratar de um lugar maravilhoso (conforme anteriormente comentado por aqui em "Santa Catarina: se quéis, quéis. Se não quéis, diz..."), segundo porque se tratava de um problema ambiental e social, terceiro porque, apesar de não ser aparentado, o especialista citado na reportagem tinha o mesmo sobrenome deste autor que aqui escreve e, por último, porque a divergência entre os pontos de vista do especialista e da administração pública local ilustra bem um problema bastante comum nos dias atuais e que, supostamente, não deveria ocorrer.

Um estudo realizado pelo geólogo Rodrigo D. O. Sato, presidente da Associação Profissional dos Geólogos de Santa Catarina, apontou como causa do estreitamento da faixa de areia na Praia da Armação a expansão, ocorrida há sete anos, de uma barreira de pedras construída na foz de um rio local. Baseando-se em análises dos registros fotográficos e cartográficos do local, obtidos nos últimos 70 anos, Sato diz que a ação humana foi a responsável pelo fenômeno e aponta, como evidências de sua conclusão, casos similares em praias ao norte da Ilha de Santa Catarina e o efeito inverso constatado na praia ao lado, do Matadeiro, que vem aumentando sua faixa de areia no mesmo período. Nas últimas semanas, uma ressaca marítima cobriu a extensão da Praia da Armação, Pântano do Sul, destruindo cinco casas e danificando outras trinta. O trabalho do geólogo foi entregue à Defesa Civil e a prefeitura local foi informada, porém, ninguém se manifestou sobre remover parte da barreira de pedras, voltando à condição de sete anos atrás.

O secretário de obras de Florianópolis discorda das conclusões do trabalho por ter ouvido, segundo ele, vários engenheiros afirmando coisas diferentes. Disse que a prioridade é evitar a contaminação por sal da Lagoa do Peri, no interior da Armação, devido ao avanço do mar, já que o reservatório abastece cerca de 100 mil habitantes na região. A prefeitura, também, já iniciou a construção de um muro de 1,75 km para proteger as casas e cogita usar dragas para aumentar a faixa de areia da praia.

Não que o Secretário de Obras ou a prefeitura tivessem de, necessariamente, concordar com o estudo realizado pelo especialista, mas simplesmente discordar, sem qualquer outro embasamento técnico a não ser "opiniões" de outros "profissionais", parece um tanto arrogante para pessoas e instituições que servem a um sistema democrático. E esta é uma atitude comum, não apenas em instituições públicas, mas também em empresas privadas e pessoas, individualmente, todos incapazes de admitir as próprias limitações — diga-se de passagem, absolutamente normais. No caso citado, por exemplo, se as conclusões do estudo estiverem corretas — o que parece razoável, haja vista se tratar de um problema geológico estudado por um geólogo —, escassos recursos públicos e tempo valioso estão sendo, irremediavelmente, perdidos.

Saber que não se sabe tudo, no entanto, é uma sabedoria que poucos acabam adquirindo ao longo da existência, infelizmente...


domingo, 6 de junho de 2010

Vida


Quando se pensa na vida como um todo, ou seja, como um acontecimento no universo, não há como deixar de perceber o contraste entre sua fragilidade e permanência. Na Terra, por exemplo, embora haja registros fósseis de diversas extinções em massa ao longo de bilhões de anos, não há qualquer sinal de que, após surgida, a vida tenha deixado o planeta por completo. Tal força, capaz de criar-se e manter-se indefinidamente, não pode ser frágil. Mas basta o acaso alterar, minimamente, determinadas condições para se ter a vida desaparecida para sempre. Ainda bem que, para o universo, "sempre" pode não ser tanto tempo assim...


sábado, 5 de junho de 2010

Terrorismo de Estado


Há uma verdade muitíssimo mais inconveniente do que aquela tratada pelo ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, no seu documentário sobre o meio-ambiente. Algo do qual muito poucos ousam falar e que assombra qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade humana: o terrorismo de Estado. Sem carros-bomba, sem explosões suicidas e sem sequestros de aviões, esta modalidade de terrorismo já matou muito mais gente do que todo o terrorismo tradicional somado ao longo de toda história. E note que o termo empregado, "muito mais", não se refere ao dobro, triplo ou quádruplo de vítimas, mas muito mais mesmo! Se somadas todas as vítimas dos atentados terroristas movidos por vieses ideológicos, talvez não chegue a um décimo dos assassinatos promovidos, frequentemente sob o pretexto de combatê-los, por governos ao redor de todo o mundo.

O termo foi cunhado pela antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas para designar as ações violentas empregadas pelos governos autoritários sul-americanos na repressão aos movimentos nacionais de extrema esquerda, comuns à região na década de 1970 — ironicamente, os próprios soviéticos usaram e abusaram desse artifício para alcançar seus propósitos políticos. Atualmente, o termo se refere às ações violentas e desproporcionais de um Estado para subjugar pessoas e organizações. São exemplos claros do terrorismo de Estado os genocídios promovidos pelos governos stalinista, nazista e de Mao Tse-tung, dentre tantos outros.

O mais recente episódio ocorrido — e que ilustra perfeitamente do que se trata o terrorismo de Estado — foi a ação promovida pelo Estado de Israel no final do mês passado (31/05/2010). Agentes israelenses desceram de helicóptero, durante a noite, em um navio que tentava furar o bloqueio da Faixa de Gaza, levando ativistas civis, em sua maioria turcos, e ajuda humanitária à região. Na operação, assassinaram nove pessoas e feriram várias outras. Por mais absurdo que possa parecer, o governo israelense se justificou dizendo que foram os ativistas que começaram com a violência. Nem as pesadas críticas internacionais — inclusive dos históricos parceiros estadunidenses — nem a disposição da Organização das Nações Unidas em instaurar um inquérito internacional para investigar o caso, sensibilizaram a auto-crítica do governo de Israel o qual não parece compreender que, se não há qualquer justificativa para uma ação terrorista civil, ainda há menos justificativa para uma ação terrorista de Estado.

O terrorismo de Estado se apoia em leis e políticas públicas aparentemente legítimas e que se propõe a proteger toda a população de um país, mas, na verdade, frquentemente escondem interesses espúrios de grupos dominantes que desejam a manutenção de seu poder — não fosse assim, uma rápida análise quantitativa do que é publicado sobre terrorismo encontraria, pelo menos, um certo equilíbrio entre as duas modalidades. E as preocupações com a ampliação do debate sobre essa "verdade extremamente inconveniente" é simples: um Estado só se sustenta com o apoio da maioria de seu povo.

Assim, da próxima vez que se deparar com uma notícia sobre algum ato terrorista, não custa refletir se sua posição é, de fato, contrária ao terrorismo ou apenas favorável a alguma outra modalidade dele.


sexta-feira, 4 de junho de 2010

Engenharia Natural


Quem assistiu o filme estrelado por Bruce Willis e Samuel L. Jackson, "Corpo Fechado" ("Unbreakable") de M. Night Shyamalan, lançado em 2000, deve se lembrar que o personagem Elijah Price (Samuel L. Jackson) sofria de uma rara doença congênita, caracterizada pela extrema fragilidade de sua estrutura óssea. De fato, existe uma doença genética chamada osteogênese imperfeita que atinge cerca de 1:10.000 indivíduos em todos os grupos étnicos. Sua causa mais comum é uma mutação em um gene que codifica um único aminoácido — a glicina — essencial à adequada formação do colágeno tipo I que forma as fibrilas. Calma, traduzindo o "biologuês", pode-se dizer, simplesmente, que as fibrilas colágenas são fibras que conferem resistência aos ossos.

Fazendo uma analogia com algo mais palpável, ossos sem as tais fibrilas colágenas se comportariam como vigas de concreto sem a estrutura interna de aço, ou seja, tornam-se absolutamente frágeis e podem se romper, inclusive, com o próprio peso — aliás, as tais fibrilas apresentam uma resistência relativa (relação resistência-peso) muito próxima à do aço. Isto acontece porque o concreto apresenta uma excelente resistência à compressão, mas mínima à tração ou à flexão. E é aí que entra a estrutura de aço, suprindo essa necessidade e compondo um conjunto (concreto e aço) extremamente resistente.

Essa composição de propriedades individuais, amplamente estudada na engenharia de materiais, ocorre desde escalas atômicas até grandes estruturas. É o mesmo princípio aplicado, por exemplo, aos compósitos que combinam diferentes materiais visando a obtenção de características únicas no produto final. É, também, a mesma lógica que a natureza usa para manter estáveis as encostas, aproveitando-se da coesão que as raízes da vegetação conferem ao solo. Ou o mesmo artifício encontrado em qualquer esqueleto animal, com as fibrilas colágenas proporcionando uma impressionante resistência a toda estrutura óssea.

Parece que o Grande Arquiteto do Universo — como dizem os maçons — era também um Grande Engenheiro...


quinta-feira, 3 de junho de 2010

Notícias de 1º de abril


Aproveitando uma onda jornalístico-nostálgica, há que se destacar a reportagem publicada no Caderno de Ciências da Folha de São Paulo, justamente no "dia da mentira", primeiro de abril. O texto tratava dos indícios de que a indústria petroleira havia destinado recursos aos "céticos" do clima. Segundo a reportagem, um relatório do Greenpeace divulgou dados sobre o suporte financeiro dado por um grande conglomerado da indústria petroleira estadunidense a diversos grupos que questionam o fato das atividades humanas estarem contribuindo para o aquecimento global. O volume de recursos apurado teria ultrapassado os US$ 40 milhões, liberados ao longo de uma década, sendo cerca da metade entre os anos de 2005 e 2008. O dinheiro teria sido gasto em financiamentos de pesquisa, campanhas políticas, "lobby" direto e demais ações do gênero.

A empresa, proprietária do conglomerado com operações em mais de 60 países e faturamento ao redor de US$ 100 bilhões anuais, não nega os números, entretanto afirma que o relatório do Greenpeace distorce seu "histórico ambiental". Segundo comunicado à imprensa, o objetivo dos patrocínios seria o de fomentar o diálogo científico e promover um debate aberto e honesto de todos os lados, evitando a "demonização" de alguma posição específica — no caso a de que subprodutos do petróleo estivessem por trás das alterações climáticas. Entretanto, apesar da defesa pela multiplicidade de opiniões, aparentemente, não houve uma destinação similar de recursos financeiros para grupos ou instituições que estivessem pesquisando os efeitos climáticos das atividades antrópicas.

Seja como for, dentro de uma perspectiva democrática, não há, mesmo, como pretender tolher o direito de qualquer um de defender seus respectivos pontos de vista, seja o segundo maior grupo privado estadunidense, seja uma simples organização não-governamental. Mas, novamente sem entrar no mérito da questão, vale a pena analisar as motivações de cada um dos lados. Dentre os principais fatores que embasam a opção pela manutenção dos atuais níveis de extração fóssil estão, na melhor das hipóteses, a continuidade das operações industriais relacionadas à atividade e a consequente manutenção dos empregos (algo em torno de 70 mil empregos diretos no caso do grupo em questão). Já, entre os fatores contrários, está a preservação do planeta e da própria espécie humana (algo em torno de 7 bilhões de pessoas).

Agora, suponha, por um instante, que os especialistas da Universidade de East Anglia, no Reino Unido, tivessem, deliberadamente, manipulado os resultados sobre o aquecimento global fornecidos ao IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) — o que não foi verificado nem pelo Comitê de Ética da universidade, nem pela própria Organização das Nações Unidas —, atribuindo, levianamente, a causa do aquecimento global à emissão de gases de efeito estufa. Suponha, também, que existisse uma conspiração civil orquestrada para aniquilar os negócios da indústria petroleira ao redor do mundo. Neste caso, o que estaria motivando tais ações?

Pensou?! Agora procure refletir, também, sobre as motivações do outro lado...


quarta-feira, 2 de junho de 2010

Posições Patentes


No dia 29 de março passado, o The New York Times noticiou a decisão de um juiz federal dos EUA que cassou as patentes que protegiam dois genes cuja mutação está relacionada ao desenvolvimento de câncer de mama e de ovário — BRCA1 e BRCA2. Atualmente, a empresa proprietária permite que o teste de detecção da mutação seja realizado apenas por um único laboratório que cobra em torno de US$ 3000,00 por teste. Como a patente se refere aos genes e não às técnicas laboratoriais, outros laboratórios não podem, sem a autorização dos donos da patente, desenvolver alternativas, mais eficientes e baratas, ou continuar pesquisando os genes em questão.

Apesar das leis estadunidenses proibirem a concessão de patente a elementos disponíveis na natureza, a Suprema Corte, em 1980, já havia concedido a manutenção de uma patente sobre um organismo vivo completo — uma bactéria desenvolvida em laboratório para degradar petróleo. De lá para cá, cerca de 20% do genoma humano foi patenteado. As empresas alegam que ao desenvolverem isolarem um determinado gene e seus efeitos, torna-o passível de ser patenteado. Na decisão que derrubou a patente sobre os genes BRCA, entretanto, o juiz justificou sua posição dizendo que tal alegação se baseava em uma espécie de "truque jurídico" que, na prática, levava ao mesmo resultado de se patentear o gene diretamente. À decisão, ainda cabe recurso.

Sem pretender entrar no mérito da questão, propriamente dito, é interessante analisar as bases em que se trava a discussão sobre o tema. Em favor das patentes estão a manutenção do fluxo de investimento privado em pesquisas na área protegida, a atratividade para os acionistas da empresa proprietária, etc. Contra, estão a ampliação de benefícios a um maior número de pessoas, a continuação do progresso científico na área devido a maior liberdade de pesquisa, etc. Parece evidente que as prioridades e a lógica de cada um dos lados são absolutamente diferentes.

E qual seria a sua posição a respeito?


terça-feira, 1 de junho de 2010

O Bilhetinho


"Havia se deixado envolver demais e concluiu que já não encontraria um caminho de volta por aquele labirinto de sentimentos. Diferente de outras vezes, estava surpreendentemente confortável com a situação, o que, até certo ponto, provava para si mesmo sua tese sobre a irreversibilidade daquele relacionamento. Noutras ocasiões, havia se sentido sufocado, em uma reação típica de quem, ao se obrigar tomar decisões cruciais quanto ao futuro, receia a responsabilidade pelos seus próprios erros de julgamento. Com ela, finalmente, parecia ser diferente.

Lembrou-se, como que por instinto, dos fracassos anteriores — tinha plena consciência de sua inata dificuldade em se expressar. O mundo de coisas e acontecimentos diuturnos que sacudiam seu espírito eram invisíveis aos demais seres humanos. Sequer as pessoas mais próximas podiam compreender o que lhe passava no íntimo. Decidira que com ela seria diferente e pensou durante toda aquela semana em uma forma adequada para lhe comunicar seu amor. Um trecho da obra de Eça de Queiroz, há tempos perdido entre as reminiscências de suas leituras, soou-lhe quase como um conselho sussurrado pelo próprio autor: "
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades (...)".

Optou, então, pela escrita, porém a prosa lhe parecia excessivamente ordinária para refletir o turbilhão de emoções em sua alma. Achou que a poesia, por ser mais difícil de ser concebida, teria maior sucesso em expressar seus sentimentos. A ela, seguiu-se a decisão de adotar rima e métrica rígidas a fim de valorizar ainda mais a demonstração daquele estado singular de sua existência. A obra-prima deveria ostentar uma forma clássica e logo pensou nas redondilhas maior e menor. Teria de ser rara e vislumbrou um soneto de versos alexandrinos. Seria imprescindível, também, que fosse moderna, excêntrica e objetiva, o que o levou à forma final escolhida: um haikai.

E como supusera, foi extremamente difícil sintetizar emoções, que lhe eram tão caras, em apenas uma única frase poética. Não apenas isto, mas encontrar as palavras certas para que pudesse, ao mesmo tempo, expressar-se, exclusivamente, com dois versos de cinco sílabas e outro de sete, rimando os dois menores e, internamente, o maior, definitivamente, não era uma tarefa trivial para alguém que não estivesse realmente apaixonado. Por fim, decorou o texto, assinou o papel e, para dar o toque romântico que ela tanto apreciava, foi até uma agência de correio para despachar seu precioso poema de amor.

Dois dias depois ela lhe agradeceu, dizendo que havia adorado o 'bilhetinho'..."