terça-feira, 1 de junho de 2010

O Bilhetinho


"Havia se deixado envolver demais e concluiu que já não encontraria um caminho de volta por aquele labirinto de sentimentos. Diferente de outras vezes, estava surpreendentemente confortável com a situação, o que, até certo ponto, provava para si mesmo sua tese sobre a irreversibilidade daquele relacionamento. Noutras ocasiões, havia se sentido sufocado, em uma reação típica de quem, ao se obrigar tomar decisões cruciais quanto ao futuro, receia a responsabilidade pelos seus próprios erros de julgamento. Com ela, finalmente, parecia ser diferente.

Lembrou-se, como que por instinto, dos fracassos anteriores — tinha plena consciência de sua inata dificuldade em se expressar. O mundo de coisas e acontecimentos diuturnos que sacudiam seu espírito eram invisíveis aos demais seres humanos. Sequer as pessoas mais próximas podiam compreender o que lhe passava no íntimo. Decidira que com ela seria diferente e pensou durante toda aquela semana em uma forma adequada para lhe comunicar seu amor. Um trecho da obra de Eça de Queiroz, há tempos perdido entre as reminiscências de suas leituras, soou-lhe quase como um conselho sussurrado pelo próprio autor: "
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades (...)".

Optou, então, pela escrita, porém a prosa lhe parecia excessivamente ordinária para refletir o turbilhão de emoções em sua alma. Achou que a poesia, por ser mais difícil de ser concebida, teria maior sucesso em expressar seus sentimentos. A ela, seguiu-se a decisão de adotar rima e métrica rígidas a fim de valorizar ainda mais a demonstração daquele estado singular de sua existência. A obra-prima deveria ostentar uma forma clássica e logo pensou nas redondilhas maior e menor. Teria de ser rara e vislumbrou um soneto de versos alexandrinos. Seria imprescindível, também, que fosse moderna, excêntrica e objetiva, o que o levou à forma final escolhida: um haikai.

E como supusera, foi extremamente difícil sintetizar emoções, que lhe eram tão caras, em apenas uma única frase poética. Não apenas isto, mas encontrar as palavras certas para que pudesse, ao mesmo tempo, expressar-se, exclusivamente, com dois versos de cinco sílabas e outro de sete, rimando os dois menores e, internamente, o maior, definitivamente, não era uma tarefa trivial para alguém que não estivesse realmente apaixonado. Por fim, decorou o texto, assinou o papel e, para dar o toque romântico que ela tanto apreciava, foi até uma agência de correio para despachar seu precioso poema de amor.

Dois dias depois ela lhe agradeceu, dizendo que havia adorado o 'bilhetinho'..."



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