sábado, 26 de junho de 2010

Fome de conhecimento


Uma das áreas mais intrigantes da ciência é o estudo da trajetória evolutiva do ser humano no planeta. É formidável pensar em como surgimos e evoluímos ao longo dos milhares de anos. Este período que parece um bocado para qualquer ser vivo é, na verdade, um breve instante quando comparado aos bilhões de anos terrestres. Logo, com tanto tempo disponível, a ação de fenômenos naturais acabam por eliminar a maioria dos rastros da vida que existiu um dia na superfície da Terra. Restam, então, apenas uma ou outra evidência que acabaram sendo preservadas por mero acaso, tal como as pegadas de Laetoli. Isto faz com que boa parte dos estudos evolutivos sejam especulativos. Mas que fique claro, isto em nada desabona a área, aliás, muito pelo contrário, é justamente a especulação que gera o progresso científico, permitindo encontrar novas evidências que, de outra forma, não seriam sequer procuradas.

Hoje, mais do que somente fósseis, há uma infinidade de tecnologias que possibilitam investigar outras evidências, como é o caso da análise do DNA mitocondrial. Para quem não se lembra das aulas de citologia, a mitocôndria é uma organela responsável pela respiração celular e que possui algumas características genéticas próprias, sendo transmitidas apenas pela linhagem materna. Torna-se mais fácil, portanto, mapear as sucessivas gerações do indivíduo, possibilitando descobrir em que momento, aproximadamente, surgiu uma determinada mutação. Um exemplo cabal dessa aplicação é a busca pela "Eva Mitocondrial", a fêmea da qual, supostamente, todos os seres humanos descendem.

Essa e outras técnicas podem ser usadas para uma série de pesquisas evolutivas, principalmente aquelas ligadas a origem de mutações relativamente recentes dos seres humanos, ajudando os especialistas a compreenderem muitos dos problemas identificados hoje. A intolerância à lactose, por exemplo, é manifestada apenas por um número reduzido de pessoas, mas parece ter sido a condição original do ser humano. A mutação que possibilitou a adequada digestão do leite de outros animais e seus derivados, segundo alguns estudos, pode ter surgido no Oriente Médio, há alguns milhares de anos, entre os primeiros humanos a domesticar animais e empregar seus produtos e derivados na alimentação. A novidade (mutação) teria dado tão certo que se espalhou pelas populações de todo planeta, invertendo a frequência de aparecimento dessa característica.

Contudo, mesmo que cada uma das alterações genéticas fossem mapeadas ao longo do tempo, a complexa interação entre genes e ambiente ainda manteria muito do teor especulativo presente no estudo da evolução. Recentes estudos, por exemplo, vêm investigando a possibilidade do fogo ter sido usado para transformar alimentos ainda pelo Autralopithecus afarensis — hominídeo da linhagem evolutiva humana — há cerca de 1,9 milhão de anos atrás, muitíssimo antes do aparecimento do Homo sapiens há cerca de cem mil anos. A ampliação do cardápio possível — transformando, pelo fogo, alimentos indigestos em digeríveis e/ou venenosos em inócuos — e a consequente melhora na absorção de elementos essenciais ao organismo teriam favorecido a evolução dos seres humanos, propiciando o aumento da massa encefálica — aparentemente viável apenas com uma redução proporcional do intestino, outro tecido energeticamente custoso.

Parece que o saber humano não é apenas compulsivo, mas, também, insaciável...


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