quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Adeus Ano Velho...


Noutro dia, um professor falava na televisão sobre a importância dos rituais de passagem para nós, seres humanos. Ao longo da vida, usamos os rituais — mais ou menos elaborados, de acordo com os costumes de cada um — para reverenciar diferentes tipos de passagens. O nascimento, a maioridade, o casamento e a morte são alguns dos eventos para os quais se lança mão dos rituais. Alguns são informais, outros, como uma cerimônia fúnebre, nem tanto, mas todos marcam o início ou o final de um ciclo ou fase da própria existência.

O final do ano é um desses rituais. Há quem não se importe com a data, mas, a não ser que se viva recluso, é bastante improvável que o dia 31 de dezembro passe desapercebido. Mesmo os que não se apóiam no calendário cristão, acabam envolvidos, de uma forma ou de outra, no ritual de passagem das comemorações de "reveillon".

A principal razão de qualquer ritual existir é, justamente, a criação de um momento propício à reflexão. Portanto, reavaliar os acontecimentos do ano que passou e projetar desejos para o próximo não são chavões da virada, mas a própria razão das festas existirem.

Assim, reavalie-se e, claro, renove-se! Agradeça por tudo — os erros lhe dão a possibilidade de corrigi-los e os acertos, de repeti-los — e sonhe com o que deseja de melhor para si e para os outros. Prometa tudo que achar necessário, mas lembre-se de aproveitar toda a animação ao redor para se abarrotar de esperança e entusiasmo. Estes dois ingredientes, junto com a determinação, é o que mais vai precisar para cumprir as promessas ao longo de todo o novo ciclo que está para começar.

E, na remota possibilidade de você estar lendo isto hoje, 31/12/2009 às 21:00 h (GMT -3:00), receba os mais sinceros votos de Boas Festas a você e a seus entes queridos!



quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Pulseiras do Sexo


Essa é para ir terminando o ano... Talvez você também tenha se espantado com uma história, meio sem-pé-nem-cabeça, sobre umas tais "pulseiras do sexo" ("shag-bands" em inglês). Pois é... Acontece que em meados deste ano algumas matérias na imprensa britânica davam conta de uma nova "moda" entre as crianças e adolescentes daquele país. Inocentes pulseiras coloridas de silicone — dessas compradas por menos de um real cada — estariam sendo usadas em uma espécie de jogo no qual a usuária, ou usuário, submeter-se-ia a uma tarefa sexual com a pessoa que conseguisse arrebentar uma dessas pulseiras. A tarefa varia conforme a cor, desde de um beijo até o ato sexual completo. Como toda baboseira que se preze, a notícia se espalhou feito fogo em rastilho e veio explodir logo por aqui, como sempre, com a "responsável" colaboração da imprensa brasileira.

Claro que a intenção não era a desesperar pais e mestres, nem tampouco incentivar a adoção do tal "jogo" por estas bandas, mas foi exatamente isto que aconteceu. Alguns pais proibiram o uso das tais pulseiras por seus filhos e algumas crianças, que sequer pensavam nisso, agora escolhem as cores que devem carregar em seus pulsos. Subitamente, algo que estava restrito às terras anglo-saxãs, passou a fazer parte do rol de preocupações paternas também no Brasil.

Jogos deste tipo entre adolescentes não é nada incomum. Quem não se lembra do "beijo, abraço ou aperto de mão" que rolava nas festinhas antigamente? O problema, mesmo, é a notoriedade que se deu, sem necessidade, a um fato bem pouco importante por aqui. Ou será que os tempos mudaram tanto que um adolescente tiraria a roupa em público simplesmente porque outro lhe disse que teria de fazê-lo, pois uma conta lilás de seu chaveiro fora arrancada? Se alguém executa algo desse tipo, não é porque usa uma conta lilás no chaveiro, mas porque deseja realizar algo assim ou busca a aceitação de seu grupo social. E neste caso, uma conversa franca em família seria muito mais útil do que, por exemplo, proibir o uso de contas lilases nos chaveiros.

Mas o puxão de orelha, mesmo, cabe a quem não compreende que nem todas as pessoas possuem a capacidade de entender adequadamente o problema ou tratar do assunto com a mesma facilidade. Se não havia necessidade, já que o "jogo" só existia no Reino Unido, por que se dar tanto destaque a algo assim? Qualquer ser humano deve ter responsabilidade com o que diz a outro, mas não parece ser uma atitude muito comum de alguns veículos de comunicação de massa.

Já diriam nossos avós — pais dos adolescentes do passado — que bom senso e canja de galinha não fazem mal a ninguém.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Engenheirando o Futuro


Domingo passado saiu uma notícia na Folha de São Paulo sobre o aumento na procura pelo curso de engenharia civil. De acordo com a reportagem, a oferta de vagas nos cursos de graduação não acompanhou a demanda, ficando cerca de 30% abaixo desta no mesmo período. A resistência das instituições de ensino em abrir novas turmas se deve, muito provavelmente, aos altos e baixos do mercado de trabalho que essa profissão experimenta, exaustivamente, ao longo de anos no Brasil.

Ainda segundo a reportagem, sugere-se que a construção civil anda sofrendo um "apagão" de mão-de-obra, algo que deve piorar muito com a aproximação da Copa do Mundo, em 2014, e dos Jogos Olímpicos, em 2016, no país. O governo vem pensando em financiar a expansão do número de vagas nos cursos de graduação, mas não há solução imediata possível, já que, se a quantidade de vagas aumentasse neste exato momento, os primeiros engenheiros só estariam formados em 2015 — pelo menos no meu tempo, eram necessários dez semestres para se formar um engenheiro civil.

Mas se a situação é periclitante e a falta de mão-de-obra é, assim, tão grave, como podem existir tantos anúncios pretendendo contratar engenheiros civis por baixos salários? Basta abrir qualquer classificado de empregos para encontrar várias ofertas de trabalho, para engenheiros formados, com vencimentos mensais dignos de estagiários. Algo similar também ocorre com outros profissionais, como os ligados à área de tecnologia da informação, cuja escassez de mão-de-obra também é frequentemente alardeada.

Se você conhece alguns engenheiros civis, deve saber que há vários deles trabalhando em áreas absolutamente diversas de sua formação acadêmica. Alguns por opção, claro, mas, sem dúvida, muitos por conta dos baixos vencimentos pagos à categoria. A falta de vagas nas universidades e a escassez de mão-de-obra são os sintomas, não as causas, do problema. Não parece, portanto, que haja um "apagão" de mão-de-obra especializada, mas, sim, muito pouco interesse em remunerar adequadamente o profissional.

Talvez o sufoco da Copa e da Olimpíada sirva, pelo menos, para mostrar que a valorização do profissional — não somente engenheiros, mas todos os demais — é muito mais importante, em longo prazo, do que obter margens de lucro exorbitantes apenas algumas poucas vezes. Ganhar menos, mas ganhar sempre, pode ser muito mais interessante, tanto para o bolso dos investidores quanto para o futuro do país.



segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Futebol Quântico


Mesmo quem não acompanha futebol deve ter ouvido falar sobre as reviravoltas nas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro. O Palmeiras chegou a liderar a competição por 19 rodadas consecutivas e o São Paulo, segundo os matemáticos esportivos da TV, chegou a ter 55% de chances de se sagrar campeão pela sétima vez — quarta consecutiva. Mas no final, foi o Flamengo que levou a taça para casa, deixando Internacional, São Paulo e Cruzeiro como segundo, terceiro e quarto lugar, respectivamente.

Não há como negar que o resultado foi uma tremenda surpresa, confirmando mais uma vez, outro adágio popular: "o futebol é uma caixinha de surpresas". A afirmação, claro, baseia-se na experiência de milhares de torcedores ao longo dos anos, mas sem possuir qualquer base científica. Bom, isto foi verdade até meados deste ano quando dois britânicos, um astrofísico e um estatístico, Gerald Skinner e Geoff Freeman, respectivamente, publicaram um trabalho analisando os resultados dos 64 jogos da Copa do Mundo ocorrida na Alemanha em 2006. A conclusão a que chegaram só confirmou o que a galera já imaginava: a probabilidade da melhor equipe ganhar a competição é menor do que 30%. A análise foi feita comparando grupos de três jogos, sendo definida uma "zebra" quando um time vencedor, perdesse para outro, previamente vencido por seu adversário derrotado.

Os critérios — ou modelo — utilizados são discutíveis. Afinal, como saber de antemão qual o melhor time se uma competição serve exatamente para determiná-lo? Sem mencionar que a precisão de uma análise estatística é tão precisa quanto maior for a quantidade de amostras — no caso, jogos. E os 64 jogos de uma Copa do Mundo é, de fato, uma amostra pequena — aumentá-los, muito provavelmente inviabilizaria o torneio. Mas se um campeonato como o Brasileirão, de pontos corridos e com muitos jogos, terminou com uma classificação tão inesperada, supõe-se que o resultado dos cientistas não seja, assim, de todo absurdo.

A estatística, neste caso, acabou por confirmar o senso comum, mas é sabido que em muitos outros, faz justamente o contrário. Seria correto afirmar, então, que os resultados estatísticos não são confiáveis? Ou, contrariamente, que algum dia será possível prever o acaso?

Felizmente, nem um, nem outro. Quase com certeza, a vida sempre terá suas caixinhas-de-surpresas como a que Schröndiger descreveu em seu experimento com o gato*. E, tal como no futebol, é justamente no inesperado em que reside a graça de viver...



* O "Gato de Schrödinger" é um experimento mental proposto pelo próprio físico austríaco, Erwin Schröedinger, para tentar explicar as implicações da Teoria Quântica. Neste experimento, um gato vivo seria colocado em uma caixa fechada, junto de um dispositivo que pode, ou não, matá-lo dentro de um certo intervalo de tempo. Não sendo possível determinar se o gato está vivo ou morto com a caixa fechada, a Teoria Quântica assume que o bichano está em um estado intermediário — vivo e morto ao mesmo tempo. A implicação disto é que, na natureza, sempre haverá um limite para aquilo que podemos determinar — como, por exemplo, a real situação do gato enquanto a caixa permanecer fechada.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Há males que vêm para o bem!


Os ditados populares, como o próprio nome diz, são dizeres comuns entre o povo e que, após algum tempo, acabam por adquirir um certo quê de verdade. É quase como a evolução darwiniana de uma ideia que, sobrevivendo às provações do cotidiano, terminam lapidadas, transformando-se em jóias da sabedoria popular.

Um ótimo exemplo de ditado popular é o do título: "há males que vêm para o bem". Ótimo exemplo porque foi mais ou menos o que houve com a crise econômica neste ano que vai se acabando. Segundo a Agência Internacional de Energia, AIE (ou IEA, "International Energy Agency"), a emissão de gás carbônico, um dos causadores do efeito estufa, deve cair cerca de 3% em relação à estimativa para o ano por causa da crise econômica que assolou o mundo. Sem discussão, sem desacordos políticos, sem protesto de ecologistas ou outros "inconvenientes ambientais", o recuo nas emissões foi o mais brusco dos últimos quarenta anos. E mesmo sem a adoção de novas medidas de contenção, as emissões projetadas para 2020 devem ficar cerca de 5% menores.

A concentração de gás carbônico na atmosfera vem subindo desde a industrialização e a maioria dos especialistas parece concordar que seu valor seguro — insuficiente para alterar de forma catastrófica o clima mundial — é de 350 ppm (partes por milhão), quase 30% superior à de 200 anos atrás. Mantendo-a em 450 ppm, acredita-se que haja 50% de chance do aquecimento global não ultrapassar os 2 ºC — valor crítico. O "problema" é que já para estabilizá-la aí, entre 2010 e 2030, estima-se um custo de US$ 10 tri que se eleva em US$ 500 bi a cada ano de inação.

A crise econômica de 2008, péssima para muita gente, acabou sendo um grande negócio para o meio-ambiente e é essa dicotomia da realidade que assusta. Por que o ambiente tem de perder para a economia ganhar ou vice-versa? A recente COP-15, só para variar, terminou com uma negociação pífia, estimando concentrações de 770 ppm para o ano de 2100. A justificativa para o fracasso do acordo? Ganha um doce quem responder que foi a crise econômica...

Mas "devagar se vai longe" e, pouco a pouco, cada vez mais gente ao redor do globo vem contestando certas posições de suas lideranças políticas. E como "a voz do povo é a voz de Deus", talvez haja alguma esperança de se chegar ao consenso de que "mais vale um carbono no chão do que dois voando"...



sábado, 26 de dezembro de 2009

Vidros Metálicos?


Não há como negar a importância que os materiais exercem na existência dos seres vivos. Quando um pássaro usa uma fibra qualquer na fabricação de seu ninho, por exemplo, está, mesmo que inconscientemente, aplicando características estruturais de um material para sobreviver e perpetuar sua própria espécie. Com o ser humano, não poderia ser diferente.

Há mais de 6000 anos, o homem já dominava as técnicas fundamentais que constituem a base da metalurgia. A partir da chamada Idade dos Metais, a utilização dos materiais metálicos vem se diversificando a cada nova propriedade descoberta.

Na segunda metade do século passado, pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) descobriram que se uma liga metálica fundida fosse solidificada suficientemente rápida e homogeneamente, seus átomos não teriam tempo ou energia para se ordenarem em um cristal, dando origem ao que foi chamado de vidro metálico.

Apesar de se tratar de uma liga metálica conhecida, este “novo” material possuía características bastante diferentes daquelas apresentadas por seu correspondente cristalino. Sem a ordenação atômica de um cristal, as propriedades mecânicas inerentes à existência e movimentação de defeitos cristalinos se apresentavam drasticamente diferentes. Citam-se, como exemplo, as elevadas resistência, dureza, tenacidade e elasticidade.

Estudando-se outras ligas, verificou-se também que a ausência de contornos de grãos — superfícies que separam duas regiões cristalinas, com átomos ordenados, distintas —, comuns nos materiais policristalinos, promovia maior resistência à corrosão e à abrasão. Nas ligas ferro-magnéticas, constatou-se uma maior resistividade elétrica e fácil magnetização e desmagnetização, minimizando as perdas elétricas em diversas aplicações.

A aplicação dessas intrigantes propriedades, entretanto, esbarrava em um problema prático: como atingir as taxas de resfriamento, da ordem de milhões de graus Kelvin por segundo, necessárias para se inibir a cristalização do metal?

A solução inicialmente encontrada foi a fabricação de vidros metálicos na forma de fitas, já que taxas de resfriamento tão altas só poderiam ser atingidas com pelo menos uma das dimensões — no caso a espessura — muitíssimo reduzida. A aplicação de tais produtos, entretanto, era demasiadamente restrita.

Muitas pesquisas foram realizadas, tanto nos processos de produção quanto no desenvolvimento de novas ligas metálicas com menor tendência a cristalização. Atualmente, já existem ligas metálicas que se solidificam em uma estrutura amorfa — não cristalina — com taxas de resfriamento bem menores que aquelas no advento dos vidros metálicos, possibilitando a obtenção de peças com dimensões de dezenas de milímetros.

Isso possibilitou o estudo mais aprofundado das propriedades e características dos metais amorfos, promovendo, consequentemente, novas aplicações desses materiais. Hoje já é possível encontrar ligas de vidro metálico sendo empregadas na composição de diferentes equipamentos.

Dado o alto custo de produção, a utilização ainda está restrita às áreas pouco sensíveis a preço como componentes para satélites, armamentos militares ou artigos esportivos de alto desempenho. Entretanto, com o domínio cada vez maior da tecnologia de processamento dos vidros metálicos, a tendência é de diminuição dos custos envolvidos, possibilitando seu uso em diversos outros campos da atividade humana.

Dentre as aplicações comerciais já encontradas atualmente, vale destacar os implantes cirúrgicos — devido às elevadas biocompatibilidade e resistência à corrosão — e os tacos de baseball ou golf, dada a eficiente transferência de energia mecânica proporcionada pelo material.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Acredita em Papai Noel?!


Ao menos para a maioria dos cristãos, é natal e este autor tem de confessar que ainda acredita em Papai Noel — ou Pai Natal como dizem nossos irmãos portugueses. Claro que seria trapaça tentar justificar a afirmação dizendo que ele existe no imaginário popular e blá, blá, blá... Não é isso. É só que, talvez, o bom velhinho não se pareça, exatamente, com aquele estampado em toda parte nesta época do ano...

Há quem acredite em Deus, Zeus, Rá, Alá, Ossaim, Odin ou em nada, mas todos creem. E a crença é o que o ser humano tem de mais precioso porque está na base de tudo o que pensa. É como o substrato sobre o qual se ergue a construção de toda uma vida. Pode-se construir sobre a rocha, sobre a terra, sobre a areia, sobre a água, sobre uma árvore... Mas o fato é que sempre haverá a necessidade de algo para basear sua construção.

Os arquétipos são tantos quanto possibilita a criatividade humana, mas nenhum é mais, ou menos, válido do que outro. Assim, não creio que o Papai Noel seja algo obeso ou tenha barbas brancas e roupas vermelhas. Nem acredito que carregue um enorme saco vermelho abarrotado de presentes ou possua um trenó voador puxado por renas. Também não deve manter uma fábrica de brinquedos no Polo Norte, empregando um sem número de duendes. A típica descrição com características humanas serve apenas para que as crianças possam visualizá-lo mais facilmente.

O Papai Noel, de fato, não pode ser descrito por sua aparência física, tanto quanto não se pode descrever a forma do vento. Tal como o ar, o amor, a amizade, a bondade, a felicidade e outras tantas coisas invisíveis, o verdadeiro Papai Noel se mostra pelo que exerce em nossas vidas.

A cada sorriso, a cada felicitação, a cada ato de carinho, de preocupação, de solidariedade, comuns nesta época do ano, constata-se a distribuição dos presentes trazidos pelo Papai Noel. A cada gentileza entre amigos, com alguma sensibilidade, é possível notar seu rosto sorridente iluminando as faces de todos. Em cada confraternização familiar, apurando-se os ouvidos, pode-se escutar as risadas satisfeitas do bom velhinho. E quando alguns pensamentos se voltam para o bem, por um segundo que seja, é Papai Noel chamando a atenção dos corações com um suave tilintar de seu sininho.

Portanto, crianças, Papai Noel, ou Pai Natal, existe sim! Talvez não exatamente como lhes foi descrito, mas sua presença é incontestável. Afinal, se você realmente foi um bom menino ou uma boa menina, Papai Noel certamente deve ter-lhe trazido, como presentes, vários de seus entes queridos para o redor da árvore...

Feliz Natal!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Pedidos de Natal


Se no ano existir, mesmo, um momento propício para que seus desejos se realizem, este é, muito provavelmente, o período natalino. Místicas à parte, como nesta época a disposição em ajudar os outros aumenta nas pessoas, não seria exagerado supor que a probabilidade de um desejo se concretizar também aumente. Afinal, tudo que se almeja depende sempre, basicamente, de três fatores: do próprio esforço, das ações dos outros e do acaso — ou divindade, Deus, destino ou algo que o valha. Pode-se dizer, portanto, que fazer pedidos na véspera do natal, além de perfeitamente humano, seria, também, "matematicamente" justificável. Seja como for, a dependência das ações, por parte de quem deseja, é patente — nem que seja, mera e unicamente, o ato de pedir.

A transcrição do sermão "A Urgência de Viver" do rabino Henry Sobel — feito à ocasião do "Yom Kipur", dia do perdão que antecede o ano novo judaico —, enviada por uma amiga muito especial, serve de inspiração para pedidos menos convencionais neste natal. Ao invés de, como sempre, desejar muita alegria, muita paz e muito dinheiro, talvez melhor seria desejar um pouco de impaciência, algum egoísmo e uma dose de indignação.

Indignação para gerar a força necessária à movimentação da infeliz zona de conforto em que muitos se encontram. É essencial se indignar com cada criança deixada ao sabor das ruas, com cada ser humano caído nas calçadas, com cada família encharcada com a água podre das enchentes urbanas, com cada idoso esquecido nas zonas rurais, com cada desempregado, com cada ato de violência gratuita e até com a incapacidade de resolver os próprios problemas. A falta de indignação acomoda a ponto de nos acostumarmos com as crianças nas ruas, com o tráfico de influência nas instituições públicas, com a violência gratuita, com a fome, com a insatisfação da própria vida e com tantas outras indignidades.

Egoísmo para se evitar a armadilha de querer corrigir o outro ao invés de, primeiramente, a si mesmo. Ao se indignar com algo, é necessário ser egoísta para pensar, primeira e exclusivamente, em si próprio, avaliando se as próprias atitudes contribuem, ou não, para o surgimento do objeto de indignação. São as ações individuais que, no conjunto, fazem toda a diferença.

Impaciência para não mais ser possível esperar um segundo sequer para agir. Depois de se indignar e identificar o que é preciso mudar no próprio agir, a impaciência dará um sentido de urgência fundamental às realizações. Impacientemo-nos, se for o caso, com o fato de não estarmos suficientemente felizes, de injustiças ainda serem cometidas, das coisas não funcionarem como deveriam, da paz ainda não ser a única opção...

Como comentado no início, apesar dos pedidos generalizados por alegria, saúde, paz, riqueza e vários outros votos natalinos, desejemos um pouco de indignação, algum egoísmo e uma dose de impaciência. Afinal, é o cultivo, individual e urgente, da dignidade coletiva que abençoará o natal de todos nós.

Tenha um natal maravilhoso!



quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Svět Piva


Quando se fala em cerveja, a cabeça da gente se volta automaticamente para a Alemanha. Também pudera, foram as tribos germânicas, juntamente com as célticas, que popularizaram a bebida no continente europeu há cerca de 5.000 anos atrás. Certamente, naquela época, ninguém poderia imaginar que, milhares de anos depois, a cerveja faria tanto sucesso a ponto de ser uma das mais consumidas no planeta, atrás somente de água e chá.

No Brasil, a cerveja mais consumida é a do tipo pilsen. O que, talvez, pouca gente saiba é que o nome vem da cidade de Pilsen, República Tcheca, onde, em meados do século XIX, surgiu este tipo de cerveja. Curiosamente, a bebida de aspecto claro e dourado — bonita de se ver — coincidiu com o início do hábito de se usar recipientes de vidro transparente para bebê-la. Anteriormente, as cervejas eram, geralmente, escuras e com aspecto lamacento, variando muito em qualidade de um cervejaria para outra.

Diz a lenda que o povo da antiga região de Bohemia chegou a verter barris e barris de cervejas no esgoto, como forma de protesto, por estarem insatisfeitos com a qualidade da bebida. Fundou-se, então uma cervejaria pertencente à cidade e um mestre cervejeiro bávaro, Josef Groll, foi convocado para produzir uma cerveja de melhor qualidade. Segundo informações da Pilsener Urquell, em 4 de outubro de 1842, a cerveja foi, finalmente, lançada no mercado de São Martins.

Hoje a cidade de Pilsen é a quarta mais populosa da República Tcheca e continua produzindo sua cerveja fielmente à receita original. Para quem viaja de carro entre Praga, a capital do país, e Dresden, na Alemanha, não será sacrifício algum parar na cidade e conhecer o Museu da Cerveja mantido pela fábrica da Pilsener Urquell — hoje, pertencente ao grupo Sab Miller. A marca, aliás, não poderia ostentar um nome mais sugestivo, já que significa "a pilsen da fonte original". No museu, podem ser vistos os primeiros equipamentos e instalações usadas para a fabricação e envasamento da cerveja. Também há como degustar a bebida, o que talvez lhe impeça de seguir viagem dirigindo com segurança. Mas, em compensação, pode-se usar o fato como desculpa para permanecer mais algum tempo e, em algum dos charmosos estabelecimentos da cidade, experimentar outras excelentes cervejas tchecas como a Krušovice e a Budweiser — a legítima, não aquilo que eles vendem nos EUA ou por aqui.

Viu?! E há quem não acredite que um "papo-de-bar" possa também ser cultural...



terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Rapaz...


Não há como chegar a Salvador e não se admirar com a cidade encravada na entrada da Baía de Todos os Santos. Estende-se, em direção ao leste, por toda a costa, desde o Farol da Barra até o aeroporto, na divisa com a cidade vizinha, Lauro de Freitas. Ao norte, possui como extremo continental a Base Naval de Aratu, próximo à divisa com o município de Simões Filho. Como toda metrópole, Salvador também possui suas "extensões" nas cidades vizinhas, como o Centro Industrial de Aratu em Simões Filho, o Polo Petroquímico em Camaçari e os condomínios de alto padrão, Parque Encontro das águas e Vilas do Atlântico, em Lauro de Freitas.

Historicamente, era na região central que se concentrava boa parte da economia soteropolitana e, talvez por isso, vários símbolos da cidade ficam por ali. Na Cidade Alta estão o Terreiro de Jesus, o Pelourinho, a catedral e as várias igrejas históricas. Com um pouco mais de disposição para andar pelo centro, também é possível encontrar algumas pérolas menos conhecidas como a região do Dois de Julho. Já às margens da baía, há o porto, a balsa que leva à Ilha de Itaparica, o Mercado Modelo, o Elevador Lacerda, o Solar do Unhão e a região do Comércio. E, para os amantes da modernidade e da vida cosmopolita, a Bahia Marina é o lugar. Lá estão bares, restaurantes e casas noturnas, frequentados, normalmente, pela nata da sociedade local. Vale a pena saborear um chopp no Acqua Café, assistindo ao pôr-do-sol, e, depois, jantar algumas das especialidades japonesas servidas no restaurante Soho — como o "ika-nira", broto de alho com rodelas de lula.

Aos incautos migrantes, candidatos a moradores de Salvador, o bairro da Pituba talvez seja prontamente apresentado como a melhor opção. Lá, o progresso econômico acabou por desenhar a cidade com linhas modernas, nos moldes de outras grandes metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo. Localizada na região sudeste, altamente valorizada e atual centro financeiro da cidade, a Pituba se avizinha a outros agradáveis e modernos bairros de classe média-alta como Costa Azul, Itaigara e Caminho das Árvores, verdadeiros retiros para quem deseja paz em meio ao furor do carnaval baiano. Isto porque a famosa festa acaba ficando restrita aos bairros mais tradicionais da zonas central e sul — como Campo Grande, Vitória, Barra e Ondina.

Mas, na minha opinião, é o bairro da Graça que traduz o que há de mais autêntico em Salvador. Com um jeito de cidade pequena do interior, o charmoso bairro fica exatamente entre a região central e as praias da Barra e Ondina, conservando muito da antiga arquitetura soteropolitana. Há, na redondeza, praticamente todos os serviços necessários no dia-a-dia, além de uma série de atrações culturais. Museu Carlos Costa Pinto, Museu Geológico da Bahia, Instituto Goethe, Mansão Bernardo Martins Catharino, Igreja da Vitória são algumas das visitas obrigatórias na região. Descendo em direção ao mar, além da própria Ladeira da Barra que é um espetáculo, há também o Cemitério dos Ingleses, a Mansão dos Mariani, o Instituto Cervantes, a Igreja da Ladeira da Barra e, já na Barra, o Forte de São Diogo. Com relação aos estabelecimentos comerciais, vale a pena almoçar na Perini da Graça, tomar um café e comer uma sobremesa na Doces Sonhos, no Corredor da Vitória, e jantar em um dos melhores restaurantes japoneses da cidade, o Shiro.

O caranguejo e a cerveja gelada do Caranguejo de Sergipe, as saladas e crepes do Mariposa, as pizzas da Piola, o Museu do Farol, o acarajé da Regina, enfim, Salvador guarda tantas outras preciosidades que seria difícil enumerá-las todas neste texto. Entretanto, o que faz mais falta é, justamente, o que o dinheiro não pode comprar: os momentos passados com os amigos e amigas de lá. Essas memórias, inevitavelmente, terminam por criar no espírito uma baianidade a ser carregada para o resto da vida...


Praia da Barra

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Água-que-passarinho-não-bebe


Não bastasse boa parte da imprensa brasileira — na figura dos donos e editores-chefes de alguns dos grandes veículos de comunicação — andar, frequentemente, de mãos dadas com os leprechauns da imparcialidade, alguns de seus jornalistas, além de não ajudar, ainda atrapalham bastante. Poucas coisas são piores do que falar mal, constantemente, do país em que se vive e do qual se retira o próprio sustento — o termo em bom português brasileiro é "cuspir no prato que come". Não que, obviamente, deva-se fazer "vistas grossas" aos problemas, mas quando o falar mal começa a predominar, impedindo que se veja o que também há de bom no país, isto começa a ser um problema sério. Esse tipo de gente — principalmente entre os jornalistas — que vive "babando o ovo" de outros países, ditos desenvolvidos, deveriam receber um prêmio. Sim, um prêmio: uma viagem só de ida para o país que bem quisessem.

É tanta notícia falando mal do Brasil que quando se encontra um texto criticando um problema interno de um país do "primeiro mundo", as pessoas até se espantam — note o tamanho do prejuízo subliminar causado pelo falatório quase que exclusivamente negativo! Pois foi o caso de uma notícia no caderno "The New York Times" veiculado pela Folha de São Paulo do dia 28/09/2009. Na última página, consta a história de uma mãe estadunidense, Jennifer Hall-Massey, que viu seus dois filhos apresentarem vários problemas de saúde por conta da água contaminada com metais pesados e outras substâncias tóxicas. Tanto na sua residência, nas proximidades de Charleston, Virgínia Ocidental, quanto nas de seus 264 vizinhos, a água que saía das torneiras apresentava índices alarmantes de poluição por conta dos resíduos perigosos descartados por nove empresas de carvão das redondezas. Mesmo alertados sobre o problema, os organismos reguladores estaduais não puniram qualquer responsável e a Agência de Proteção Ambiental do país sequer pensou em intervir.

Segundo a reportagem de Charles Duhigg, o fenômeno não está restrito à região da Virgínia já que, nos últimos cinco anos, empresas de todo o país cometeram cerca de meio milhão de infrações às leis de proteção a água, sendo que a maioria escapou impune. Além disso, sem considerar as doenças causadas por essas toxinas e substâncias químicas, estima-se que cerca de 19,5 milhões de pessoas adoecem nos Estados Unidos da América por consumirem água contaminada por parasitas, vírus e bactérias — segundo estudo da "Reviews of Enviromental Contamination and Toxicology".

Hall-Massey conta que depois de seu filho de seis anos, Clay, brincar na banheira, ficou com partes de seu corpo vermelhas, irritadas e doloridas a ponto dele não conseguir dormir naquela noite. Ao se queixar às autoridades, foi dito à Hall-Massey que não sabiam porque a água da casa dela estava tão poluída, mas que duvidavam que a culpa fosse da indústria carvoeira da região. A família decidiu, então, colocar a casa a venda mas, devido ao problema da água, nenhum comprador se interessou pelo imóvel. Após ela e seus vizinhos entrarem com um processo contra as empresas, desabafou com o repórter: "O trabalho mais importante dos pais é proteger os filhos. Mas onde estava o governo para nos proteger contra essa sujeira?".

Ao contrário do que geralmente à primeira vista, a história deveria chocar pela sua desumanidade, não pelo fato de ter acontecido nos Estados Unidos da América. Quem sabe isto venha a ocorrer algum dia quando, então, muitos estarão gozando suas viagens-prêmio. Já para os que ficarem, fica o prêmio de consolação: um sentimento nacional mais autêntico do que aquele manifestado apenas nos eventos esportivos internacionais... E, claro, um país melhor!



domingo, 20 de dezembro de 2009

Aprender a Desaprender?


A mente humana é algo absolutamente espetacular. Mesmo com a infinidade de progressos tecnológicos da contemporaneidade, a humanidade sequer arranhou a superfície do que nos fora proporcionado pela Criação — seja divina ou não. Um projeto desenvolvido pela Universidade de Lausanne, na Suíça, talvez sirva como exemplo para fornecer uma vaga noção do quanto, ainda, há para se conhecer a respeito de nós mesmos.

Segundo a revista Seed, pesquisadores da universidade desenvolveram um supercomputador capaz de simular o funcionamento de uma região cerebral com cerca de dez mil neurônios e suas respectivas ligações sinápticas — algo em torno de 30 milhões. Para isso, foi construído um supercomputador cujo processamento central conta com 2.000 microprocessadores da IBM, permitindo ao equipamento lidar com 22,8 trilhões de operações por segundo. Mesmo com esses números impressionantes, a máquina representa o modelo de 1 mm³ do cérebro de um rato — o cérebro humano, hoje, possui em média 1.350.000 mm³.

Mas não é preciso ir assim tão longe para se impressionar com os feitos desse nosso "processador biológico". Quem nunca notou as maravilhas e os absurdos produzidos pela mente humana? Muito desses extremos se deva, talvez, ao desconhecimento sobre como uma das partes, subconsciente, funciona. Diferentemente do consciente, parte supostamente controlada por nós, o subconsciente não é facilmente manipulado. Responsável por quase todas as atividades que desempenhamos diariamente, ele registra todas as novas informações, a medida que aprendemos algo, para que depois sejam recuperadas de forma quase automática quando necessárias. Logo quando se começa a andar de bicicleta, por exemplo, é praticamente impossível coordenar, conscientemente, tudo o que é necessário para equilibrar-se, direcionar-se, pedalar, brecar, tomar cuidado com os perigos do caminho, etc. Mas depois de algum tempo de treino, a mesma criatura que se esborrachou no chão várias vezes é capaz de andar de bicicleta, ouvir música, conversar, etc., tudo ao mesmo tempo, sem se preocupar com o lado que deve virar o guidom, esquerda ou direita, para que não caia.

É fato, porém, que o mesmo mecanismo funciona igualmente para o "mau" quando, por exemplo, adquire-se um hábito ruim. E é justamente aí que reside a maior complicação. Se você já tentou mudar um hábito, deve ter notado que é mais difícil do que adquirir um novo, ou seja, desaprender costuma ser mais complicado do que aprender. Provavelmente, seja esta uma das causas da perversa "zona de conforto" a que todos nós nos submetemos nas mais diversas situações do cotidiano. Se por causa dela já evitamos, às vezes, aprender coisas novas — como obter o máximo do controle remoto da televisão, ao invés de apenas trocar de canal e mudar o volume —, dá para imaginar a força de vontade necessária para desaprender um mau hábito qualquer, não?!

Bom seria se houvesse uma fórmula para resolver o problema, mas na sua falta, um pouco de pragmatismo não faz mal a ninguém. Assim, se desaprender um hábito é difícil, talvez adquirir outro que o anule seja um pouco mais fácil. Mais ou menos como fazem os ex-fumantes que, para não sucumbir ao hábito de sacar um cigarro e colocá-lo na boca, lançam mão de guloseimas leves como uvas passas, castanhas, casquinhas açucaradas de limão, etc. O exemplo, claro, deve servir também para outro hábito qualquer que se queira eliminar. O importante, mesmo, é tentar sempre e não parar nunca!

Mas se você já consegue desaprender seus maus hábitos com facilidade, parabéns! Provavelmente, você deve conseguir tudo o que deseja. Se não, parabéns, também, por fazer parte da maioria das pessoas...



sábado, 19 de dezembro de 2009

Engenheiros de Aço


Dentre os muitos metais — cobre, alumínio, chumbo, estanho, magnésio, ouro, prata, platina, nióbio, tungstênio, ferro, antimônio, cromo, ligas como latão, bronze, etc. — sujeitos à capacidade de manipulação do metalurgista, um deles, o aço, é de longe o mais importante em volumes e aplicações. Talvez por isso, o aço esteja tão vinculado à profissão do engenheiro metalurgista a ponto de ser difícil, para alguns, vislumbrar a amplitude de sua atuação profissional. Desde as operações de refino do minério (atividade compartilhada com os engenheiros de minas) até as operações de montagem e acabamento (compartilhadas com os engenheiros mecânicos), há um vastíssimo campo de possibilidades para o emprego das competências dos engenheiros metalurgistas.

O aço, basicamente uma liga de ferro e carbono, foi o que deu vida à Revolução Industrial e, até os dias de hoje, desempenha um papel fundamental em toda a economia do planeta. A versatilidade é uma de suas principais características responsável por todo esse sucesso. Variando a composição química, o aço pode adquirir inúmeras propriedades diferentes, sendo que qualquer uma dessas composições, sob condições produtivas adequadas, pode assumir outras várias características, como maleabilidade, dureza, tenacidade, resistência, etc. Combinando-se composição e processamento, dá para se ter uma ideia das infinitas possibilidades de aplicação para o aço e o porquê dele ser tão largamente utilizado.

Já há algum tempo, a indústria automobilística vem se aproveitando dessa versatilidade para aumentar a eficiência ecológica dos seus veículos. Como boa parte da energia consumida por um automóvel serve apenas para locomovê-lo, ou seja, transportar sua própria massa, a diminuição de seu peso é o caminho mais natural para se obter um maior rendimento por litro de combustível consumido. Com esse propósito, os engenheiros foram chamados para realizar aquilo que melhor sabem: fazer mais com menos. Assim, muitas peças, inclusive da estrutura e lataria, foram substituídas por outras conformadas em chapas cada vez mais finas, diminuindo, assim, a quantidade de material utilizado — e, portanto, o peso das estruturas — ao mesmo tempo em que — surpreenda-se! — era melhorado o desempenho das antigas peças.

Isto só foi possível, entretanto, com o advento dos aços de alta e ultra-alta resistência que, ao contrário do que o senso comum poderia inferir, exibem tais níveis de resistência principalmente por causa de seu processamento diferenciado e não por grandes diferenças em sua composição química. Diversos passes de laminação — processo no qual o aço passa entre dois cilindros, tendo sua espessura reduzida — sob resfriamentos extremamente controlados, permitem obter chapas com resistências fora-de-série. Só para se ter uma ideia, uma chapa de aço carbono do tipo IF (Interstitial Free), comumente usado na lataria de um veículo (ou da sua geladeira), possui um limite de resistência da ordem de 300 MPa, enquanto que um aço de alta resistência multifásico (TRIP) pode atingir valores acima de 800 MPa, ou seja, mais do que o dobro.

A "mágica" fica por conta das várias fases — ordenações atômicas com propriedades distintas — presentes na mesma microestrutura do material. Diferente dos aços IF comuns, com basicamente uma única fase, os aços de alta-resistência possuem duas ou mais fases, permitindo que o material, ao se deformar, endureça segundo vários mecanismos simultâneos de endurecimento, o que o torna muito resistente, porém, não frágil — grosso modo, a fragilidade é uma contrapartida natural ao aumento de resistência.

Complexo, não? Mas tudo isso, como diriam meus colegas engenheiros, é apenas um infinitésimo de um mundo chamado metalurgia...

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O que os olhos não veem...


Se você nunca viu uma cabeça de bacalhau na sua vida, pelo menos já deve ter experimentado o sabor de sua carne nos deliciosos pratos tipicamente portugueses. O peixe, antigamente muito comum no Oceano Atlântico, é muito saboroso e extremamente saudável. Raramente, porém, encontramos sua carne fresca, sendo normalmente comprado seco e salgado. Aliás, não é incomum achar, no interior brasileiro, gente vendendo outros peixes, secos e salgados, dizendo ser bacalhau.

E o "hoki" (Macruronus novaezelandiae), outro peixe, você também já experimentou? De carne tenra e sabor suave, milhões de toneladas desse peixe são processadas e vendidas anualmente ao redor do mundo. Mas tal como seu "primo português", não é fácil encontrá-lo fresco por ser pescado, principalmente, nas proximidades da costa da Nova Zelândia — o que se evidencia em seu nome científico —, em águas profundas do Oceano Pacífico, a cerca de 800 m. O "hoki" chega a pouco mais de um metro de comprimento, possui olhos saltados, além de uma cauda longa e sinuosa.

Mas, se não o viu, é bem provável que, pelo menos, já o tenha experimentado na forma de empanados — como o que compõe o "McFish". A cadeia de lanchonetes responsável pela sua comercialização, aliás, é uma voraz consumidora, chegando a comercializar quase 7 milhões de toneladas de "hoki" processado por ano.

O resultado previsível, exceto para a indústria de pesca, foi a diminuição da população do peixe, causando impactos sensíveis na ecologia oceânica. Some-se a isto, causas secundárias como a "pesca" acidental de tubarões, arraias, leões marinhos e até aves marinhas, durante a atividade pesqueira. Hoje, o "hoki" é uma preocupação não só de entidades ligadas ao meio-ambiente, como também do próprio governo neozelandês que acreditava ter encontrado uma fonte de exportação sustentável para sua indústria de pesca. Quem paga a conta? Todo mundo. A natureza, a economia, a cadeia comercial e nós, que poderemos deixar de saborear o peixe no futuro.

Disseram-me uma vez que, em excesso, tudo faz mal, até água! Mas, talvez ainda pouca gente compreenda bem isso...



quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Realidade Aumentada


Imagine se você pudesse sacar seu celular do bolso, apontá-lo para a paisagem urbana à sua frente e se, na imagem capturada pela câmera, aparecessem informações sobrepostas sobre estabelecimentos, produtos e serviços, em tempo real. Seria bem útil para um turista recém-chegado ao local, não? Este é um exemplo das inúmeras aplicações da realidade aumentada (RA) que, diferente da realidade virtual, integra elementos tanto virtuais quanto do mundo real para criar um ambiente misto, ampliado, no qual as informações são processadas em tempo real.

Para quem gosta de filmes de ficção, há uma infinidade de outros exemplos de aplicação, alguns, inclusive, já em uso. Óculos com projeção de alvos e ameaças, teclados projetados em superfícies, composição de imagens com base em modelos reais — como um objeto que, ao movimentar-se, tem seus movimentos reproduzidos no computador, animando uma imagem virtual —, dispositivos de camuflagem que projetam sobre um objeto as imagens que estão atrás dele, lentes de contato com projeção de informações diretamente na retina, sobreposição de imagens diagnósticas — radiografia, tomografia, etc. — ao corpo dos pacientes, e vários outros usos já escaparam do mundo ficcional para o real, muitos em fase final de pesquisas.

Aliás, o serviço descrito logo no início do texto já existe para os proprietários do Iphone 3GS ou dos "smartphones" com o sistema Android da Google. Basta baixar um programa gratuito chamado Layar para olhar através da câmera e encontrar os restaurantes, caixas-automáticos e outros serviços disponíveis nas proximidades. Infelizmente, parece que o serviço, hoje, só funciona nos países baixos, mas até o próximo ano deve chegar aos EUA, Alemanha e Reino Unido.

Dá até para imaginar, no futuro, esse tipo de coisa sendo usada para prevenir os desavisados cidadãos dos problemas provocados por obras na cidade, congestionamentos ou eventos de massa. Mas uma pergunta ainda fica no ar: será que, nesse futuro não muito distante, outros problemas "menores" já terão sido resolvidos ou o serviço também será ampliado para abranger essa realidade um pouco mais dura?



quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Alguém Chamado Gaia


A Hipótese Biogeoquímica, ou Hipótese de Gaia, é um polêmico modelo que considera todo o planeta como um único organismo vivo, onde a biosfera e cada um de seus componente físicos — ou seja, atmosfera (ar), hidrosfera (água), criosfera (gelo) e litosfera (pedra) — são partes integrantes e intimamente relacionadas de um sistema complexo. Neste sistema, todos os componentes se ajustam dinamicamente, buscando uma condição de equilíbrio perene. Inicialmente proposta pelo britânico James E. Lovelock, com o nome de Hipótese de Resposta da Terra, a hipótese foi rebatizada com o nome de Gaia, suprema deusa grega da Terra.

Além de poético, o modelo de um único organismo formado por muitos outros parece bastante razoável, uma vez que há inúmeros exemplos de "colônias" de seres formando outros, mais complexos, tal como um arrecife de corais, uma caravela (cnidário) ou até nós mesmos (sim, ou acha que sobreviveria bem sem sua flora intestinal, por exemplo?). Alguns seres, inclusive, dão tão certo trabalhando juntos que acabam se fundindo, como é o caso de nossas mitocôndrias celulares — organelas responsáveis pela respiração celular. O DNA mitocondrial é uma forte evidência de que as mitocôndrias eram, antigamente, bactérias que foram assimiladas por seres mais complexos, conforme reza a teoria da endossimbiose.

Mas independentemente da visão de Lovelock estar correta, ou não, é incontestável que nós, seres humanos, somos uma única espécie no meio de bilhões de outros seres vivos no planeta. Sendo assim, o que nos faz crer que podemos dispor, como bem entendermos, dos recursos naturais sem que nos preocupemos com as consequências disso? Analogamente, seria legítimo um indivíduo sair pela cidade fazendo o que bem entender sem se incomodar com as demais pessoas?

E por falar nisso, as analogias são excelentes ferramentas para se entender problemas sobre si próprio, já que oferecem um ponto de vista diverso e fora do sujeito em questão, além, claro, de serem divertidíssimas! Assim, aproveitando a hipótese explicada, pensemos na Terra como um ser humano, com milhões de células vivas — os seres vivos — em seu interior, cada qual com seu papel. As hemácias, anucleadas, apesar de absolutamente essenciais à vida, são passivas, sendo levadas de um lado a outro ao sabor da corrente sanguínea — tal como fazemos com os recursos naturais. Os leucócitos, responsáveis pela defesa do organismo, células diferenciadas e ativas, são capazes de se encaminhar, voluntariamente, até onde são necessários — tal como nós, seres racionais. Assim, quando bactérias invadem algum lugar, logo aparecem os leucócitos para detê-las. Ou quando um grupo de outras células do próprio organismo acaba por se rebelar, criando um tumor, imediatamente surgem os leucócitos para dissolvê-lo o quanto antes.

Em um dado momento, os leucócitos, cheios de si e cientes de seu poder, começaram a comandar tudo no organismo. As hemácias já não eram simplesmente levadas pelo sangue, mas passaram a ser reguladas pelos leucócitos — e o organismo ficou com anemia. Os leucócitos passaram, então, a atacar algumas células desobedientes do pâncreas que, parando de produzir a insulina, deixou o organismo diabético. Após as interferências, percebendo a dificuldade com que os órgãos passaram a funcionar, os leucócitos começam a agredi-los, buscando forçá-los a melhorar novamente...

E fica sob sua responsabilidade terminar qualquer uma das histórias: a do "planeta-homem" ou a dos "homens-leucócitos".



terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Profissões Admiráveis


Dentre as inúmeras atividades humanas, uma das mais admiráveis é a política. E antes que você comece a duvidar da sanidade mental do autor deste blog, sugiro que, primeiro, leia o texto até o final para, só depois, tirar suas próprias conclusões a respeito da afirmativa, ok?!

Pois bem, é um hábito admirar o trabalho daqueles cuja ocupação é mais complexa ou perigosa que o usual, tal como um soldador-mergulhador de plataformas marítimas de petróleo, pilotos de caça ou astronautas. Ou mesmo de profissionais tradicionais, mas cujos resultados superem a média das expectativas, como engenheiros com técnicas inovadoras, hábeis advogados engajados socialmente, médicos abnegados, artistas de estética inquestionável, filósofos, psicólogos, professores, administradores, enfim, uma verdadeira miríade de trabalhadores admiráveis, cada qual na sua área específica de atuação.

Há, entretanto, inúmeras outras profissões pouco admiradas, porém, não menos importantes. O que dizer dos garis que, a despeito do pouco caso de muita gente formada, mantém o asseio das áreas comuns nas cidades grandes? Ou das cozinheiras responsáveis por alimentar um batalhão de crianças — talvez até um filho seu — nas escolas públicas? E se ainda não percebeu o altíssimo valor do trabalho dessas pessoas, basta comparar as diferenças no seu ambiente de trabalho após as ausências, primeiro, de seus superiores e, depois, do pessoal da limpeza, por apenas uma semana. Verifique quem fará mais falta... Sem mencionar o fato de que raríssimas pessoas trocariam de lugar com esses trabalhadores, mesmo sem redução de seus ganhos atuais.

E é mais ou menos neste pé que entra a citada admiração pela política. Para uma pessoa de princípios, deve ser tudo, menos fácil, ter de assumir, publicamente, determinadas posições políticas. Imagine-se tendo de apoiar, ou não, o aumento de mais de 90% do próprio salário enquanto vota a favor, ou contra, a elevação da alíquota de imposto, ao mesmo tempo em que milhares de pessoas sofrem as agruras de alguma catástrofe "natural". Vizualize-se em uma reunião anual de planejamento orçamentário, com assessores lhe assoprando nos ouvidos inúmeros dados, como o aumento de X% na mortalidade infantil e Y% na taxa de homicídios, enquanto o povo aguarda sua decisão se vai ou não liberar o dinheiro — o único disponível para todos os problemas — para abrir mais vagas, necessárias há anos, nas escolas e creches públicas.

Mesmo para os de moral, digamos, manca, deve ser algo complexo manter-se incólume em meio aos disparos, cada hora de um lado. A vida de um político de conduta dúbia deve ser tão eletrizante quanto uma apresentação de mágica, na qual um cara amarrado, acorrentado e trancafiado em um cofre atirado ao mar, tem de sair ileso da situação em apenas alguns segundos — e sai! Da mesma forma, parece nunca haver saída para o político moralmente manco, uma vez que não importa muito o que faça — certo, errado ou nada — ele sempre está sob risco de ser fuzilado por algum dos lados, seja pelos seus pares, opositores ou eleitores — mas, raramente o acertam! Por causa de tudo isso, tanto quanto as demais ocupações preteridas, também bem pouca gente se disporia a viver dessa maneira.

Portanto, esqueçamo-nos dessa história de "vida fácil" dos políticos e, como ativos participantes de um legítimo sistema democrático, concentremo-nos nas nossas próprias atitudes, de forma a torná-las efetivas na construção de uma sociedade melhor. Como comentado em outra postagem, "Brasília", os políticos que aí estão representam de forma relativamente fiel o conjunto da sociedade brasileira. Porque, enquanto parte dos cidadãos continuar escolhendo seus representantes com base nos benefícios que terá para si, sempre haverá parte dos políticos agindo da mesma forma, ou seja, também buscando auferir benefícios para si e não para os outros — que, neste caso, somos nós.



segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Nostalgias Econômicas


Quem já teve a oportunidade de aprender um pouco sobre a Ciência Econômica, ou Economia, para os íntimos, deve ter notado que a organização social se estrutura, necessariamente, com base no modelo econômico adotado por aquela sociedade. Algumas coisas, entretanto, são comuns a qualquer modelo, tais como as indústrias, ou produtores, e as famílias, ou consumidores. Sem querer ser excessivamente minimalista, pode-se afirmar que, basicamente, é essa relação, entre produtores e consumidores, que efetivamente determina os rumos do mercado.

Ainda me lembro de, quando criança, ter ficado deslumbrado com uma novidade eletrônica que começava a aparecer no mercado brasileiro: um microcomputador TK-85. Recordo-me de meu primo nos mostrando seu novíssimo exemplar que, com programação em BASIC adequada, era capaz de fazer uma linha — ou quem sabe um rio visto de muito, muito alto — mudar de cor no televisor. Fiquei tão maravilhado que infernizei meus pais durante todo o ano para comprarem um igual para mim. No natal, veio a surpresa: meu pai — à época também afeito àquelas modernidades — comprou um microcomputador ainda mais moderno que o TK-85, um Expert MSX da Gradiente! Óbvio que eu não tinha noção de quanto aquilo custara, mas receio, hoje, ter sido bem caro.

Era um sonho! Com seus infinitos 64 KB de memória, era muitíssimo mais poderoso que o ultrapassado TK-85 do meu primo. Com 16 cores e um canal de som, rodava jogos variados e até uma planilha eletrônica! A armazenagem dos dados era feito por um gravador de fitas cassetes e o sistema operacional vinha gravado na memória ROM da máquina. Era possível programar em BASIC, Assembler e código de máquina, além de executar compiladores para várias outras linguagens como LOGO e Lotus123. Depois vieram os PCs e, já na faculdade, minha calculadora HP 48G tinha mais memória que o meu primeiro microcomputador. E, hoje, todos os 128 KB da calculadora não armazenariam uma única imagem em alta resolução.

Mas, talvez você já esteja se perguntando: o que a Economia tem a ver com a pré-história da informática? Pois bem, eu explico. De lá para cá, o custo do byte armazenado caiu de alguns dólares para virtualmente nada! Não faz muito tempo, um cartão de memória de 1 GB para minha máquina fotográfica digital custava R$ 700,00 nas galerias da rua 25 de Março. Atualmente, com menos de R$ 200,00, você pode entrar em qualquer shopping da cidade e sair com o mesmo cartão só que com 8 GB. E o motivo para essa queda absurda dos preços surge, exatamente, da relação entre os produtores e consumidores.

Em um mercado cujo potencial de consumo possa, virtualmente, ser considerado infinito, os produtores investem ininterruptamente em escala e tecnologia para derrubar o custo dos produtos e, com isso, aumentarem suas margens de lucro. Sem consumidores, entretanto, não há investimentos e o produto, ou encarece — no caso dos essenciais —, ou desaparece. Um bom exemplo foi minha última incursão pelas óticas, onde descobri que um par de lentes — não do par de óculos completo! — podia custar mais caro que um laptop.

Já imaginou no que daria para transformar este país se o governo decidisse investir pesado em pesquisa e tecnologia?



domingo, 13 de dezembro de 2009

Qual é a tua obra?


À primeira vista, a pergunta assusta. Afinal, poucos se questionam ao ponto de possuir a resposta na ponta da língua. O mais comum é não refletirmos sobre o assunto e seguir sempre velozes pelas batalhas do cotidiano. A dúvida, porém, permanece e acaba por assumir outras formas como aquela ansiedade ou angústia sem explicação aparente. Vale a pena? Para que tudo isso?

"Qual é a tua obra: inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética" de Mário Sérgio Cortella, pretende fustigar o leitor com relação aos objetivos de sua própria existência. Com uma linguagem simples, quase como uma conversa a dois, o filósofo trata de assuntos complexos, explicando, organizando e esclarecendo uma série de conceitos filosóficos necessários para uma visão mais clara sobre a direção seguida pela vida. Além disso, as proposições relacionadas à gestão, liderança e ética abordadas no livro são úteis, não só para quem exerce cargos de liderança nas corporações, como também, para as pessoas comuns que integram qualquer comunidade.

Dentre os pontos que mais chamam a atenção está a ênfase do autor a problemas como arrogância, alteridade, sustentabilidade e relatividade ética, segundo ele, barreiras enormes para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade. Passagens como "Nós somos um animal tão arrogante que nem aceitamos sermos chamados de animal.", "Aliás, quem são os outros de nós mesmos? O mesmo que nós somos para os outros, ou seja, outros.", "Nós não somos proprietários [do planeta], somos usuários compartilhantes." e "Ele não admite, em casa, que a empregada doméstica se atrase um minuto, mas pouco se incomoda se ele mesmo atrasar." dão o tom de todo o texto.

A respeito do autor, Mário Sérgio Cortella é filósofo, natural de Londrina, PR, mestrado e doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, na qual, desde 1977, é professor-titular do Departamento de Teologia e Ciências da Religião e da Pós-graduação em Educação. É também professor-convidado da Fundação Dom Cabral e do Gvpec da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, FGV/SP, além de consultor e palestrante. Foi também chefe-de-gabinete do emérito Professor Paulo Freire, na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, entre 1989 e 1990, substituindo-o entre 1991 e 1992.

Mas, e você, já pensou na resposta?!

sábado, 12 de dezembro de 2009

'Brazilian', Sim Senhor!


Falar sobre uma pessoa específica não é muito meu estilo, simplesmente por não acreditar que isto seja útil. Aliás, se não estiver enganado quanto à autoria, Platão já dizia que "pessoas normais falam sobre coisas, pessoas inteligentes falam sobre ideias e pessoas mesquinhas falam sobre pessoas". Entretanto, quando as atitudes do indivíduo servem de exemplo para o mundo, torna-se muito difícil não mencioná-lo. Mesmo assim, vou fazer o possível para me ater apenas ao "exemplo", sem citar nomes.

Há uma modelo brasileira que, há algum tempo, despertou a ira de alguns ecologistas por fazer uma campanha para uma grife de peles de animais. Lógico que ela não fez nada de "errado", recebeu por um trabalho e o executou com maestria. Entretanto, uma personalidade internacional não pode estar alheia às questões internacionais em voga na atualidade, tal como é a ecologia. Basta dar uma rápida olhada na página da PeTA — "People for the Ethical Treatment of Animals" —, mostrando como as peles são extraídas de animais ainda vivos, para entender a fúria dos ecologistas ao verem a musa brasileira desfilando envolta em finas peles.

Pois bem, pode parecer piada, mas a mesma modelo foi empossada pelo Pnuma — Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente — como "embaixadora da boa vontade" no dia 20 de setembro deste ano. No dia seguinte, a Folha de São Paulo publicou, em seu caderno Ciência, o que ela disse ao ser questionada sobre qual seria sua mensagem ao presidente Lula após as críticas de Ban Ki-Moon, secretário geral da ONU, sobre o desmatamento na Amazônia brasileira. Abaixo, segue transcrito o que ela, segundo o jornal, respondeu:

"Falo com a boca cheia que sou brasileira porque a gente tem todos os 'natural resources' [recursos naturais] que muitos outros países estão aí 'struggling' [se esforçando]. A gente tem e está desmatando nosso bem mais precioso. Acho que ele [Lula] tem de fazer leis. Não pode desmatar; demora 30 anos para uma árvore crescer."

E que cada um que tire suas próprias conclusões...



sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Xadrez e o Samba


Sob um olhar nada humano, pode-se dizer que não existem coisas boas ou más, certas ou erradas, alegres ou tristes e assim por diante. Há apenas ação e reação, acontecimento e consequências, fenômeno e efeitos... Todos os adjetivos que usamos advêm de julgamentos gerados por nosso próprio discernimento, às vezes tão instantaneamente que sequer percebemos o processo. Por isso é tão comum classificarmos qualquer fato como certo ou errado, bom ou mau, etc.

Mas imagine, por exemplo, uma pedra caindo. Imaginou? Pois bem, isto é bom ou ruim? Depende, não é mesmo? Se a pedra for grande e você estiver embaixo, isto pode ser algo bem ruim. Ao contrário, se a pedra for pequena e possuir um diamante incrustado, talvez você ache isso muito bom. Por mais estranho que possa parecer, o mérito sempre dependerá de suas expectativas com relação ao fato e não deste, especificamente. Um outro exemplo, poderia ser o de um veículo furtado. A consideração sobre isto ser péssimo ou ótimo vai depender das intenções de seu proprietário — querer continuar com o carro ou, eventualmente, receber o dinheiro da seguradora.

Disso, conclui-se que as emoções humanas acabam por se relacionarem muito mais com nossos julgamentos do que com os fatos propriamente ditos. Geralmente, as pessoas ficam felizes, quando ocorre algo que consideram bom, e tristes, quando se passa o contrário. Mas o fato, em si, não é nem bom, nem mau. É apenas um fato, neutro, se preferir. Sendo assim, é possível, portanto, alterar nosso julgamento a respeito desses fatos e, consequentemente, mudar também as emoções deles originadas. Há, se não me engano, até um neologismo pomposo para esse processo: ressignificação — e caso discorde do emprego do termo neste caso, fique à vontade para comentar.

Dar um novo significado para determinados acontecimentos pode ajudar a controlar sentimentos que, em excesso, atrapalham. A tristeza, por exemplo, apesar de útil, por nos remeter a uma introspecção necessária ao aprendizado, quando excessiva, paralisa, acabando com o entusiasmo, a disposição e o prazer para realizar as ações necessárias à conquista do futuro desejado. Afinal, sofrer com acontecimentos passados é tão produtivo quanto, durante uma partida de xadrez, preocupar-se com o lance que o levou a perder uma peça importante — como a rainha, por exemplo. Sem a "frieza" suficiente para reformular a estratégia a partir daquele ponto, o jogo certamente será abreviado, já que o "mau" lance não mais poderá ser revertido.

Mas, como nos lembra o poeta, nenhum sentimento é vão se direcionado para a coisa "certa"...

Samba da Benção
Vinicius de Moraes / Baden Powell

"É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não

Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não

Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração"


quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Que Vergonha!


Desculpe-me, mas estou extremamente envergonhado por compartilhar da mesma espécie — humana — que a dos membros do pelotão de choque da Polícia Militar do Distrito Federal. Para quem não viu, nesta quarta-feira, 09/12/2009, a cavalaria do pelotão de choque da Polícia Militar do Distrito Federal avançou sobre um grupo de manifestantes, trabalhadores e estudantes, em frente do Palácio do Buriti, sede do governo distrital e do — admire-se! — Tribunal de Justiça. Absolutamente aparelhados com capacetes, botas, coletes, escudos, cacetetes, bombas de efeito moral, armas com balas de borracha, sprays pimenta, helicóptero e cavalos — tudo pago com dinheiro público — os homens da guarda estadual partiram para cima da multidão desarmada e, como se diz por aí, sentaram a borracha na galera!

De tanta vergonha, vou me abster dos detalhes. Há ampla cobertura jornalística muitas fotos e vídeos disponíveis no UOL, no G1, no R7, no Último Segundo, no Estadão ou no portal de notícias de sua preferência. Mas o fato é que a polícia, subordinada ao governador José Roberto Arruda (DEM), negou qualquer excesso contra os cidadãos ali presentes.

Ao ver os cavalos montados, digo, homens montados avançando com os cavalos sobre pessoas deitadas no chão, assumindo o risco de matá-las ao pisoteá-las com os animais, lembrei-me do massacre da Praça da Paz Celestial na China, ocorrido em 4 de junho de 1989. Quem não se lembra do jovem na frente de uma coluna de tanques de guerra, impedindo-os de seguir adiante? Lá, sob o comando ditatorial chinês, o soldado que dirigia o tanque tinha permissão para passar por cima do manifestante, mas não o fez. A cena no Distrito Federal, foi bastante similar, só que com cavalos, que não pararam, e sob a batuta de um regime democrático.

Tal como afirmou o chefe do Comando de Policiamento da Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Fonseca, não houve qualquer excesso por parte da polícia. Quem viu as imagens pela televisão, deve ter notado que os tiros disparados no chão à frente dos repórteres e os jatos de spray pimenta em direção aos olhos deles, não tinham qualquer intenção de intimidar a imprensa ou impedir que as cenas fossem registradas para a posteridade. Afinal, qual seria o problema em gravar cenas nas quais não se evidenciaria qualquer sinal de excesso?

Não que eu também não sinta vergonha quando um torcedor invade o campo e agride alguém ou quando um grupo prejudica a liberdade de ir e vir de tantas outras pessoas, mas ao ver um pelotão de choque, supostamente,  com pessoas treinadas e pagas com dinheiro público, agredindo desmedidamente cidadãos desarmados que protestavam contra a corrupção, minha vergonha não cabe em mim. E quando o povo se tocar do poder que possui e também se revoltar desmedidamente, que ninguém o acuse de excessos.

Meu Deus, que vergonha...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Que Viagem!


Ontem, começaria uma bateria de testes com a SpaceShipTwo, nave comercial da Virgin Atlantic Airways que, em breve, levará intrépidos passageiros para experimentarem a gravidade zero no espaço. O projeto foi orçado em US$ 450 milhões e objetiva disponibilizar o acesso a viagens espaciais, já em 2011 ou 2012, a qualquer pessoa disposta a desembolsar US$ 200 mil, incluídos três dias de treinamento — segundo o Portal de Notícias G1, trezentos candidatos já realizaram o depósito para fazer o passeio. Há planos, também, para fornecer serviços de viagens suborbitais entre destinos longínquos do planeta, reduzindo drasticamente o tempo atual do percurso, transportar cientistas e materiais para pesquisa e fornecer uma plataforma remota para o lançamento de pequenas cargas no espaço.

Já dá para imaginar, daqui alguns anos, os relatos sobre as férias passadas no espaço, as fotos do planeta Terra tiradas pelo celular, os executivos incomodados com a demora de duas horas para chegar ao outro lado do mundo, os programas de milhas espaciais, as previsões das tempestades solares na TV, filmagens das brincadeiras na gravidade zero, etc. Com exceção do desenvolvimento tecnológico, não será nada muito diferente do que já pode ser visto hoje por aqui.

No livro "Qual é a tua obra?" de Mário Sérgio Cortella — que estou finalizando e sobre o qual devo escrever em breve —, há uma passagem na qual o autor relata a visita de dois caciques da nação Xavante na São Paulo de 1974. Conta que depois deles ficarem boquiabertos com a Avenida Paulista, o Metrô e os shoppings, foram levados ao Mercado Municipal. Lá, ficaram ainda mais espantados ao ver as enormes pilhas de alimento — que, para os indígenas, era o mesmo que "ouro" para nós. Um dos xavantes viu um garoto recolhendo alguns restos de comida do chão e, sem entender, perguntou a um dos guias o que aquela criança fazia ali, obtendo o "óbvio" como resposta: que ele estava pegando comida. Mais confuso ainda, o cacique questionou o porquê dele pegar comida estragada do chão com tanta comida boa ali disponível, no que lhe responderam que era porque a criança não tinha dinheiro para comprá-la. Ainda sem entender, o índio insistiu e perguntou se o pai da criança não tinha dinheiro, ao que, também, foi-lhe respondido que não. O xavante, então, quis saber por que ele, o guia, que era grande, tinha dinheiro e o pai da criança, que também era grande, não tinha e emendou: "De qual pilha você come, dessa daqui ou a do chão?". E, ao ouvirem a resposta, os xavantes, horrorizados, pediram para ir embora dali imediatamente...

Mas mais de trinta anos depois, muita coisa mudou! A pergunta, hoje, que não quer calar, é se haverá, ou não, serviço de bordo para os viajantes do espaço.



terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Cooptação Ambiental.


E por falar em ética, ontem começou a COP-15, o evento em Copenhague, capital da Dinamarca, patrocinado pelas Nações Unidas e que pretende reunir todos os chefes de Estado para chegarem a um consenso sobre as medidas necessárias ao controle das alterações climáticas, causadas pelo homem, na Terra. Em meio a ladainha político-financeira interminável, países se acusam e se justificam, mutuamente, como se tal atitude fosse contribuir com algo útil. Dá para dizer, inclusive, mesmo não sendo psiquiatra, que as sociedades, de modo geral, estão tendendo, seriamente, à esquizofrenia. Ou — fato igualmente provável —, ninguém está entendendo ao certo o que está sendo discutido nesses foros.

Os países pobres acusam os países ricos de terem devastado suas áreas florestais em prol de seus próprios desenvolvimentos econômicos — o que é absolutamente verdade — e de tentarem impedir, agora, que os demais façam o mesmo. Suponha que seja exatamente assim e que os países ricos não queiram mesmo mover uma única palha para ajudar ninguém. Ora, é apenas impressão ou os países em desenvolvimento estariam considerando a hipótese de continuar destruindo seus biomas para não atrapalhar seus próprios desenvolvimentos, trilhando o mesmo caminho de seus criticados primos ricos?

Mais, praticamente todos os países criticam o EUA de Obama — que, façamos justiça, ao contrário do governo Bush, pelo menos se dignou a dialogar — por não se comprometer com metas agressivas para reduzir o lançamento de gás carbônico na atmosfera terrestre, alegando que isto poderia prejudicar sua recuperação pós-crise. Oras, perguntar não ofende: os Estados Unidos da América vendem para quem? Por que, ao invés de continuar criticando e comprando, não interrompem ambas as coisas simplesmente?

O tema ambiental não é uma dialética entre natureza e desenvolvimento, senão uma necessidade primordialmente humana, já que a Terra continuará existindo com ou sem a gente por aqui. Não é uma questão financeira tampouco. O governo paulista, por exemplo, gastou milhões de reais durante anos para conter as cheias do Rio Tietê. De ontem para hoje, muito antes das águas típicas do verão, choveu mais de treze horas sem parar e, adivinha: o Tietê deixou as zonas norte e oeste debaixo d'água, inclusive a maior central de abastecimento do estado, a CEAGESP. Enquanto isso, no Rio Grande do Sul, dezenas de cidades estão em situação bem pior. E, em algumas regiões amazônicas, a estiagem matou milhares de peixes, deixando rios e população ribeirinha em estado de penúria. Qual é o prejuízo que já se verifica devido às alterações climáticas hoje?

Isso tudo sem mencionar que, pelo fato de pensarmos, de possuirmos consciência e discernimento, a busca pelo equilíbrio, pela sustentabilidade e preservação da própria espécie deveria ser o caminho mais natural e não o mais difícil. Imagine se, após o acidente com o voo AF 447 da Air France, as autoridades fossem pensar sobre a viabilidade da operação de resgate. Não. Mesmo já sem esperanças de se encontrar algum sobrevivente, o Brasil gastou milhões de reais durante semanas, sem questionar, em momento algum, se o dinheiro faria falta no orçamento. Simplesmente porque há coisas que não se medem financeiramente. Se a Terra está a beira de um colapso, como dizem os ecologistas, ou se há boas chances para isso, como dizem os cientistas, um mínimo de bom senso seria esperar que as civilizações se acautelassem, buscando uma solução comum, algo a ser feito em conjunto, e não que apenas discutissem sobre as implicações econômico-financeiras do problema. Afinal, sem um planeta são, não haverá economia viável.

Mas a despeito de tudo isso, não é curioso que os dinossauros, ditos irracionais, tenham dominado o planeta por cerca de 110 milhões de anos e o homo sapiens, dito racional, não se preocupe em ameaçar seu domínio em pouco mais de 40 mil?



segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Cadê a ética que estava aqui?


Neste último final de semana, aconteceu a prova do ENEM. Lembra?! Aquela prova que foi adiada depois que uns gaiatos resolveram fazer um pé-de-meia vendendo as questões... Se não se lembra, pode dar uma olhadinha em "E... Nem...", quando escrevi algo sobre o episódio.

Curiosamente, não sei se de propósito ou não, o tema da redação foi: "O indivíduo frente à ética nacional". Achei que daria um ótimo tema para uma postagem por aqui também, assim, preparem-se! Só espero que nenhuma das professoras de redação me corrija...

Ética é algo que só o ser humano possui. Animais não possuem ética. Plantas não possuem ética. Virus e bactérias não possuem ética. São aéticos, ou anéticos. Não porque sejam vis, ou algo assim, mas, simplesmente, por não apresentarem a mesma capacidade de julgar e decidir que os homens e as mulheres possuem. À exceção destes que leem, todos os demais seres vivos no planeta Terra agem apenas por instinto — pelo menos a priori.

É justamente o discernimento que nos faz humanos e, com base nele, relacionamo-nos. A ética surge daí, de um conjunto de princípios em que o indivíduo se baseia para decidir sobre sua própria conduta e, assim, bem conviver com seus pares. As leis, códigos e preceitos apenas mostram o caminho de uma ética comum adotada por um povo ou um determinado grupo de pessoas, não sendo, porém, imanentes à ética. Isto significa que é o indivíduo quem deve moldar sua ética para que possa pertencer a uma determinada coletividade. Como exemplo disso, pode-se citar, talvez, a ética dos criminosos nos presídios.

Portanto, parodiando um conhecido adágio — mas mudando a parte do corpo humano para não ser deselegante —, "ética é como cabeça, todo mundo tem uma". A dificuldade está em fazer convergir várias éticas para uma ética comum, visto que esse movimento só pode partir do indivíduo e de ninguém mais.

Ao contrário de uma "lei" física que impõe uma impossibilidade — como a de dois corpos não poderem coexistir no mesmo lugar do espaço —, as leis humanas servem apenas para "orientar" as pessoas na busca por sua própria ética, alinhando-a à ética vigente na sociedade. Segundo as leis brasileiras, por exemplo, o roubo é punido com alguns anos de cadeia, mas, a depender das condições, da interpretação do magistrado e até da ausência do ladrão, pode ser que nada aconteça. Somente o indivíduo possui o verdadeiro poder sobre suas próprias ações, o resto é contingência.

Sendo assim, talvez a conduta ética comum devesse ser incluída como disciplina obrigatória já na pré-escola, para que o indivíduo tivesse claro, o quanto antes, que, ao longo de toda sua vida, a privação de alguns desejos seus será necessária para o bem de si e de seus semelhantes. Kant já explicitava essa idéia quando escrevia que as pessoas deveriam sempre avaliar se uma dada ação poderia, ou não, ser convertida em universal, ou seja, se todos os outros também poderiam agir da mesma forma. A negativa ao questionamento era sinal de que a ação fugiria a uma ética comum aos seres humanos. Analogamente, Mário Sérgio Cortella, um filósofo brasileiro, sugere, também, perguntar-se, antes de agir, se quer, pode e deve, não levando a cabo a ação se qualquer das respostas for negativa. Além disso, alerta que não possuir dilemas éticos é um indício de que algo vai mal.

Depreende-se de tudo isso que é, principalmente, com respeito e os bons exemplos de cada um que a ética nacional deverá mudar, acabando com ladrões de prova, guardadores de dinheiro em roupas íntimas, fraudadores de imposto de renda e estacionários jovens das vagas para idosos. A solução reside no íntimo individual de cada cidadão, ou cidadã, e não nas leis, na indignação inerte ou no "apontar de dedos". Porque, adaptando o que diz Calligaris em seu texto na proposta de redação, indignar-se só com os outros e com o mundo, "serve apenas para 'confirmar' a 'integridade' de quem se indigna", mas não contribui com a ética de seu povo.



domingo, 6 de dezembro de 2009

Para Entender a Vida...


Ontem, passando pelos canais de televisão, acabei pegando o pedacinho final de um documentário, na TV Cultura, sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade. Lembrei-me de um livro dele que li, ainda pequeno, chamado A Rosa do Povo. Mas, confesso que, à época, não me emocionei muito, certamente por não entender muito bem sua poesia. Não me refiro, porém, ao entendimento "técnico" de seu texto, mas ao universo contextual de sua obra.

É um padrão, aliás, na vida dos seres humanos: não entender e, consequentemente, não gostar. Acostumamo-nos a não gostar de algo quando não o entendemos. E um exemplo típico é quando nos dizem algo de que não gostamos. Não gostamos porque não entendemos. Ora, se alguém nos critíca é porque, no mínimo, nossa presença não é indiferente à outra pessoa. Já ouviu falar naquele ditado: "O ódio está mais próximo do amor do que a indiferença."? Então, se você não se importa com o outro, jamais se preocupará em dizer qualquer coisa a ele ou a ela. Ao contrário, apenas quando se preocupa, tenta ajudar, mesmo que precise dizer algo mais contundente. Este costuma ser o papel dos verdadeiros amigos...

Entretanto, normalmente, quando alguém nos diz algo que nos desagrada, ao invés de tentarmos entender o que está sendo dito, simplesmente não gostamos. No meu caso, talvez tenha sido mais ou menos isso o que ocorreu com o gosto pela poesia moderna. Foi, ao longo do tempo, uma companheira, mas nunca uma paixão.

Os anos se passaram, a alma acumulou bagagem e uma certa argúcia na compreensão das coisas acabou se consolidando. Portanto, como já me foi dito, Drummond é um dos que deverão ser relidos brevemente. Sua poesia, além de bela, carrega na essência uma sabedoria pragmática de sua própria vida, entendida apenas por espíritos dispostos a compreender sua metafísica poética. Se não, serão apenas algumas das melhores poesias modernas da literatura brasileira. Nada mais.


Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.


Carlos Drummond de Andrade

sábado, 5 de dezembro de 2009

Nan'outro Mundo


A nanotecnologia é a ciência que estuda o controle da matéria em escalas atômica e molecular. O nome deriva da justaposição de "nano", do grego "nânos" que significa anão, e "tecnologia", que trata do domínio de uma dada atividade humana. As dimensões envolvidas são de nanometros, ou seja, um metro multiplicado por dez elevado à nona potência negativa. Para quem não está muito acostumado com a notação científica dos números, significa dizer que o nanometro equivale a um metro dividido em um bilhão de partes.

Para se ter uma ideia mais clara do que estamos falando, digamos que, se escritos com "nano-letras", todos os volumes da Enciclopédia Britânica caberiam na cabeça de um alfinete. Ou, como base de comparação, poderia dizer que a espessura média de um fio de cabelo humano mede cerca de 80 mil nanometros. Deu para perceber que as dimensões são muito pequenas, mesmo, não?

Apesar de ter ganhado destaque mais na última década, a nanotecnologia não é algo, assim, tão recente. Em meados do século passado já se falava em manipulação nanoestrutural. Entretanto, só com o desenvolvimento das técnicas de microscopia eletrônica, é que ficou mais fácil estudar o funcionamento e os efeitos dos processos envolvidos na fabricação das nanoestruturas.

A aplicação mais famosa é a dos processadores de computador que, por incrível que pareça, não mudaram a forma como processam as informações desde o advento do ENIAC — do inglês "Electronic Numerical Integrator And Computer", o primeiro computador que se tem notícia. Funciona do mesmo jeito até hoje: transistores ligam e desligam, codificando a linguagem binária, 0 ou 1. A diferença é que no pequeno processador do seu micro existem quase um bilhão de "nano-transistores", ligando e desligando a uma frequência de centenas de bilhões de vezes por segundo. Atualmente, a área ocupada por dois milhões desses "nano-transistores" não ocupariam, talvez, a área de um único "pixel" dessa sua tela.

Há uma série de outras aplicações para a nanotecnologia em diversas áreas do conhecimento humano, tais como engenharia, medicina, eletrônica, geração de energia, biologia, etc. Pode ser aplicada, por exemplo, em componentes do motor de um carro ou na biocompatibilidade de um implante. A manipulação nanoestrutural pode, não só otimizar custos, como também viabilizar a existência de determinados componentes, permitindo a associação de propriedades, por vezes antagônicas.

Fazendo uma analogia simples, suponha que se deseje escolher um portão para sua garagem. Um bom portão seria aquele que não oxidasse facilmente, afinal, ninguém quer ficar trocando o portão todo ano. Ao invés de escolher algum de aço inoxidável ou de alumínio, cujo preço final, para muitos, seria proibitivo, escolhe-se um portão de aço comum, recobrindo-o com um verniz protetor e uma boa tinta para que não enferruje facilmente. Pode-se fazer o mesmo com um recobrimento de espessura nanométrica, conferindo a uma peça de material comum, de mais baixo custo, propriedades nobres como resistência ao desgaste, à corrosão, à cavitação, maior ou menor coeficiente de atrito, condutividade térmica, elétrica, etc.

Mas além de todas estas utilidades, há também quem faça arte com a nanotecnologia. Um grupo de pesquisadores ligados ao Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC) e ao Instituto Nacional de Ciência dos Materiais em Nanotecnologia (INCTMN), ambos apoiados pela FAPESP, escolheram várias fotos de nanoestruturas, colorindo-as por computador¹, para compor uma exposição para lá de inusitada. Quem gosta de ciência e/ou arte, pode visitar a página da Nanoarte e se encantar com as várias imagens disponíveis. Só pecaram em não deixar um texto explicativo do que seria cada uma das estruturas...

As imagens nanométricas acabam por funcionar como uma janela para outro mundo, completamente diferente do nosso, mas que, apesar de não podermos vê-lo facilmente, está bem junto de nós o tempo todo.




¹ As imagens microscópicas só podem ser obtidas em escala de cinzas porque a fonte de iluminação é um feixe de elétrons. Isto se deve ao fato da luz visível não poder ser usada para iluminação em escalas muito pequenas, haja vista que a faixa dos comprimentos de onda, responsável pela sensação de cor, acaba possuindo a mesma ordem de grandeza, ou até maiores, que a estrutura a ser observada.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Tem alguém aí?!


No ano passado, segundo a revista Science News, dois grupos de astrônomos deram notícia, independentemente, das primeiras imagens de planetas extrassolares. E em pouco mais de uma década de estudos, já houve relatos de centenas deles. Segundo Marcelo Gleiser, isto tem grandes implicações no número de planetas estimado pelos cientistas, podendo chegar a mais de trezentos trilhões só em nossa galáxia.

Além disso, sabia-se que os primeiros sinais de vida na Terra datavam de 3,8 bilhões de anos atrás, mas parece haver indícios de atividade biológica cerca de 400 milhões de anos antes, ou seja, em um ambiente muito mais hostil do que imaginado anteriormente. Ao analisar microcristais de diamante, presentes em um cristal de zircão datado de 4,2 bilhões de anos, cientistas constataram um desbalanceamento — maior quantidade de isótopos 12 — na relação de isótopos 12 e 13 de carbono, indicando a possível existência de microorganismos já naquele período.

Se devidamente confirmadas, as notícias aumentam muito a probabilidade de existir outros astros comportando vida além da Terra. Claro que isto não significa, necessariamente, que a vida em questão seja inteligente, mas as chances disso acontecer também aumentariam bastante.

O SETI Institute (sigla do inglês para "Search for Extraterrestrial Intelligence Institute", significando, em português, algo como "Instituto de Busca por Inteligência Extraterrestre") há quase 25 anos busca por sinais eletromagnéticos — basicamente ondas de rádio — produzidos por seres inteligentes. A tarefa é árdua, já que, além  das antenas terem de apontar diretamente para a fonte emissora e sintonizar o sinal dentro de um espectro infinito de frequências, ainda deverão vasculhar cada sinal detectado em busca de um padrão que indique algum tipo de comunicação inteligente. Inclusive, se você quiser contribuir, pode doar o processamento ocioso de seu computador para o projeto SETI@Home da Universidade da Califórnia.

Mas o mais interessante é concluir que, caso exista mesmo uma civilização extraterrestre, dificilmente estarão em um grau de desenvolvimento similar ao nosso — ou muito inferior, como em nossa Idade da Pedra, ou tão superior que mal conseguiremos imaginar. Se nós, em pouco mais de um século, conseguimos sair de carroças para módulos lunares, o que aconteceria com uma diferença evolutiva de alguns instantes cósmicos, digamos, uns dez mil anos? E teriam eles modelos lógico-matemáticos como os nossos? Comunicar-se-iam através de linguagem escrita, sonora, telepática? Intrigante...

Se os extraterrestres existem mesmo, ou não, ainda não sabemos. Mas não é perturbador pensar que Deus — ou o acaso, como crêem alguns — teria nos criado, únicos e solitários, em um minúsculo ponto do universo?