quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Rá!


Claudio Angelo e Rafael Garcia, respectivamente, editor de Ciência e repórter do jornal Folha de São Paulo, resolveram fundar a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvanÉlio. Com o apoio do departamento jurídico do jornal e um escritório de advocacia, gastaram um pouco menos de R$ 500,00 e, sem quaisquer outros requisitos, conseguiram o registro e o CNPJ da nova congregação religiosa. Pronto! Divinamente ungidos pela lei, estavam aptos a abrirem contas bancárias livres de tributação, registrarem bens isentos de impostos em nome da igreja e dispensarem seus sacerdotes, escolhidos por eles mesmos, do serviço militar obrigatório.

É sabido que, para o Estado, não há como pretender legislar sobre cultos religiosos uma vez que a opção por acreditar em A, B, C ou em nada, é um direito fundamentalmente individual do cidadão. Não poderia ser justo, entretanto, permitir que a República proveja regalias a este ou aquele grupo, maculando a isonomia que deveria prevalecer em um Estado de Direito.

O problema é que lidar com matérias que envolvam zonas nebulosas, onde o coletivo e o individual se misturam, é extremamente delicado, porque demanda um discernimento apurado para definir o onde termina o grupo e começa o indivíduo. Pouquíssimas são as pessoas — se é que existem — preparadas para essa difícil tarefa, haja vista a demanda por um perfil raríssimo devido a combinação de habilidades necessária. Para tal missão, por exemplo, não bastaria que a pessoa fosse apenas inteligente, haveria também de ser altamente sensível a questões relativas à natureza humana. Tampouco bastaria que fosse apenas inteligente e sensível, teria de possuir a habilidade comunicativa necessária para se fazer entender pela maioria. E, ainda assim, na hipótese de se encontrar alguém assim, inclusive com a competência técnica necessária, ele ou ela deveria ser ético, ou ética, altruísta e persistente ao extremo.

Um exemplo dessa dificuldade de discernimento e escassez do perfil adequado é o esforço legislativo — entenda-se como gasto de recursos públicos — para se livrar de símbolos religiosos nas instituições públicas, para mudar nomes de ruas e avenidas que se refiram a figuras religiosas e coisas do gênero. Enquanto isso, novas "igrejas" são fundadas, mais inocentes aliciados, mais concessões fiscais são dadas e mais regalias continuam a alimentar a iniquidade social.

"Senhor heliocêntrico, dai-nos o discernimento e a paciência necessários para continuar aparando as arestas legislativas em busca de uma sociedade melhor, se não para nós, pelo menos para nossos descendentes..."

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