No final do ano passado, precisamente em 21 de dezembro de 2009, a Folha de São Paulo publicou uma entrevista (página A14) com o promotor do Ministério Público, Marcelo Goulart, 52. Ativo defensor da reforma agrária e combatente daquilo que considera um desvirtuamento da função social da propriedade, Goulart atua como promotor da Justiça do Meio Ambiente em Ribeirão Preto, São Paulo. Acusado de atuar ao lado do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e entidades ligadas ao meio-ambiente, é apresentado como uma figura polêmica, inimigo do agronegócio e da concentração fundiária. Alguns excertos da entrevista ilustram os pontos de vista do entrevistado e dos entrevistadores:
"Jornal: O senhor é conhecido por atuar ao lado do MST e de entidades ambientais. Esse é o papel de um promotor?
Goulart: A visão do Ministério Público como mero agente processual está superada desde a promulgação da Constituição de 1988. O membro do Ministério Público é agente político e, hoje, tem a incumbência constitucional de defender o regime democrático e implementar a estratégia institucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária.
(...)
Jornal: Como o sr. distingue as entidades progressistas das outras?
Goulart: As forças sociais democráticas são aquelas que assumem o compromisso de implementar o projeto democrático da Constituição de 1988. A Constituição definiu para o país um modelo de Estado social e de democracia participativa. Os sujeitos políticos que atuam na defesa desse projeto são aliados naturais do Ministério Público na luta pela construção da hegemonia democrática. Não é difícil identificá-los.
Jornal: Por que os produtores rurais não seriam progressistas?
Goulart: Aqueles grupos que defendem um modelo de agricultura social e ambientalmente sustentáveis estão no campo democrático. Aqueles que, ao contrário, defendem um modelo que leva ao descumprimento da função social do imóvel rural estão no campo dos adversários do projeto democrático da Constituição da República. Esses defendem o padrão de produção agrícola hoje prevalecente no Brasil.
Jornal: Que padrão é esse?
Goulart: O padrão que gera a concentração fundiária, que utiliza de forma inadequada os recursos naturais e que degrada o ambiente por ser baseado na monocultura e na agroquímica. É um padrão concentrador da propriedade, da renda, da riqueza e do poder político. Por isso, contraria o projeto da Constituição.
(...)
Jornal: Por que a promoção da reforma agrária deveria ficar a cargo de promotores?
Goulart: O papel do Ministério Publico é claro: defender a função social da terra e o direito difuso à reforma agrária, utilizando os instrumentos jurídicos que a Constituição e as leis lhe conferem, firmando aliança com os setores da sociedade civil que tenham o mesmo objetivo. A atuação radicalmente contrária a essa está presente na história desse país desde as capitanias hereditárias. Seus agentes são por demais conhecidos; com eles o Ministério Público da Constituição de 1988 não se alinhará.
Jornal: Como o sr. definiria uma propriedade rural que não cumpre sua função social?
Goulart: A improdutiva, a que utiliza de forma inadequada os recursos naturais, degrada o ambiente ou impõe condições sub-humanas de trabalho.
Jornal: Uma área produtiva que não se curve à sua definição de função social pode ser desapropriada?
Goulart: Minha definição, não. A da Constituição. Juridicamente, pode. Agora, tem muita propriedade antes dessa para ser desapropriada. Tem que começar pelos casos mais graves.
(...)
Jornal: O senhor é socialista?
Goulart: Como promotor de Justiça, sou defensor da Constituição, do projeto democrático. Essa é a minha missão. Minhas convicções pessoais são só isso: minhas convicções pessoais.
Jornal: Quais convicções?
Goulart: Utopicamente? Acredito na possibilidade de construir uma sociedade socialista. Sob um ponto de vista gramsciano, se avançarmos na linha da Constituição, vamos dar grandes passos para, no futuro, caminhar para uma sociedade socialista.
(...)
Jornal: O senhor tem chefe?
Goulart: Não existe hierarquia funcional no Ministério Público. Um de nossos princípios é o da independência funcional, que ganhou força com a Constituição de 1988. Esse princípio serve para proteger o membro do Ministério Público das pressões do poder político, econômico e interno."
E o seu ponto de vista, caro leitor, qual seria?
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