terça-feira, 20 de julho de 2010

Progressos Éticos


No início de maio, 09/05/2010, a Folha de São Paulo reportou uma questão ética muito interessante envolvendo o povo ianomâmi e os "homens brancos". Segundo o jornal, o governo brasileiro vem tentando reaver amostras congeladas de sangue ianomâmi de várias instituições dos EUA. Pesquisadores estadunidenses estiveram na selva amazônica na década de 1960, coletando amostras de saliva, fezes, urina e sangue de milhares de índios. O objetivo era proceder com estudos biomédicos naquele país. Teriam, supostamente, conseguido o material por meio de escambo, com bugigangas, sem explicar como tudo seria usado — e, portanto, sem obter o consentimento expresso dos ianomâmis para tal. Anos mais tarde, os indígenas ficariam perplexos ao saberem que o sangue de seus antepassados mortos ainda era guardado em geladeiras. Desde então, lideranças ianomâmis vêm tentando recuperar as amostras para finalizar seus rituais fúnebres.

Recentemente, pressionado pelos índios, o Ministério Público de Roraima iniciou um processo administrativo para que as amostras fossem devolvidas. Das instituições estadunidenses contatadas, cinco universidades confirmaram manter, ainda, o material guardado. Se entregues, as amostras deverão ser inativadas microbiologicamente e retornadas ao seio do povo ianomâmi que tem o costume de queimar seus mortos e misturar suas cinzas à alimentação para que não sobre absolutamente nada dos falecidos — sequer seus nomes voltam a ser mencionados. Segundo sua tradição, não há mais lugar para os mortos entre os vivos. No caso das amostras de sangue, deverão ser jogadas nas águas do rio de onde, segundo a lenda, todo o povo surgiu.

O assunto é bastante polêmico, principalmente entre os cientistas que esperavam poder concluir vários testes com as amostras, desde o mapeamento genético do DNA indígena até a comparação para controle de mutações nas vítimas das bombas atômicas. Mas, além do questionável método empregado para conseguir o material, várias outras questões se colocam na relação entre a ciência e a cultura do povo ianomâmi: o potencial progresso científico pode justificar o desrespeito à vontade soberana de um povo? Caso houvesse alguma descoberta nas células dos ianomâmis que pudesse ser comercialmente explorada, de quem seriam os direitos econômicos da exploração? A crença na ciência tem maior valor que a crença nos mitos da cultura ianomâmi?

Definitivamente, a ética e a discussão de suas fronteiras continuam em franca expansão...

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