
João Cabral nasceu em Recife no dia 9 de janeiro de 1920, mas passou parte de sua infância em meio aos engenhos de açúcar no interior pernambucano. De volta a Recife, com a família, inicia seu curso primário no Colégio Marista e passa a jogar futebol — uma de suas paixões — tornando-se campeão juvenil, aos 15 anos de idade, pelo Santa Cruz Futebol Clube. Aparentado de eminentes personalidades como Gilberto Freyre e Manuel Bandeira, já aos 18 anos, João Cabral começa a frequentar as rodas literárias da cidade. Em 1940, viaja para o Rio de Janeiro onde conhece Carlos Drummond de Andrade e outros intelectuais. Publica seu primeiro livro, Pedra do Sono, em 1942 e quatro anos mais tarde ingressa na carreira diplomática. A partir daí, João Cabral viaja o mundo, sempre acompanhado de suas memórias nordestinas e sua infindável dor de cabeça. Entre seus principais trabalhos, Morte e Vida Severina (1955) talvez seja o mais conhecido, tendo sido, inclusive, adaptado para o teatro e televisão. Em meados de 1969, ingressa na Academia Brasileira de Letras na cadeira de Assis Chateubriand, mas continua vivendo fora do Brasil até que, em 1990, aposenta-se como embaixador. Falece nove anos depois, no dia 9 de setembro, tendo acumulado ao longo da vida inúmeros prêmios, inclusive o Jabuti e o Luís de Camões, e condecorações.
De sua vasta obra, foram escolhidos, para a apresentação, o texto Os três mal amados e as poesias: Catar feijão, O ovo de galinha, Uma faca só lâmina ou Serventia das ideias fixas, Dois estudos, A mulher e a casa, Paisagem pelo telefone, Jogos frutais e Tecendo a manhã. Há, em cada um, algo único da genialidade de João Cabral de Melo Neto que, não por acaso, foi, quando vivo, o nome brasileiro mais bem cotado para ganhar um Nobel de Literatura. Surpreenda-se com o viés social de Tecendo a manhã ou aprenda as similaridades entre uma mulher e uma casa, em A mulher e a casa, ou uma mulher e as várias frutas, em Jogos Frutais. Mas deixemos esses como isca à curiosidade do leitor ou da leitora e apresentemos aquele que, talvez, melhor reflita o pensamento de Cabral sobre a arte de poetar...
Catar Feijão
João Cabral de Melo Neto
Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
2
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grão pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com o risco.
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