Em meio a um sem-número de bizarrices sendo noticiadas pela imprensa nos últimos dias, uma pequena nota dava conta da primeira grande descoberta em mais de trinta anos de pesquisas sobre a AIDS: a identificação de anticorpos capazes de neutralizar cerca de 90% das cepas, ou linhagens virais, conhecidas do HIV. Naturalmente produzidos pelo organismo de um afro-americano de 60 anos, esses anticorpos foram estudados por cientistas do Centro de Pesquisas em Vacinas do National Institute of Health, EUA, que tentam, agora, compreender melhor o mecanismo responsável pela neutralização do vírus. Segundo os autores do artigo publicado na revista Science, trata-se do primeiro resultado realmente animador na direção do desenvolvimento de uma vacina eficaz contra a doença que atinge mais de 33 milhões de pessoas ao redor do mundo. Todas as outras tentativas na mesma linha, realizadas nos EUA e na Tailândia, mal chegaram a 40% de eficácia.
Aparentemente, os novos anticorpos identificados, VRC01 e VRC02, acessam uma região invariável do envelope viral de uma maneira que imita, parcialmente, a interação entre o receptor CD4 e a glicoproteína gp120 do vírus (Wu, Xueling et al. Rational design of envelope identifies broadly neutralizing human monoclonal antibodies to HIV-1. Sciencexpress, July 8th, 2010. p. 3.). Em outras palavras, os anticorpos em questão se aderem ao vírus justamente na chave química que ele utiliza para adentrar os linfócitos e iniciar seu ciclo de replicação. Este fato explicaria o amplo espectro de mutações que o VRC01 e o VRC02, em conjunto, são capazes de neutralizar.
A nova técnica usada pelos cientistas para isolar os anticorpos é bastante similar àquelas empregadas nos estudos com o vírus influenza — tal como o HIV, também com alto índice de mutação. O Dr. Gary Nabel, diretor do Centro de Pesquisa em Vacinas, e sua equipe vasculharam cerca de 25 milhões de células somáticas para isolar apenas 12 capazes de produzir os anticorpos. Segundo o The Wall Street Journal, o doador imune, infectado pelo vírus, viveu mais de 20 anos sem desenvolver a síndrome, antes que fosse diagnosticado como soropositivo. Por este motivo, os cientistas acreditam ser possível estimular a produção do VRC01 e do VRC02 no organismo de outros seres humanos. O atual desafio, e objetivo prioritário nos próximos estudos, consiste no desenvolvimento de um processo viável capaz dessa proeza.
Nessa fabulosa odisseia, entretanto, há pelo menos dois detalhes, aparentemente irrelevantes, que merecem destaque especial. O primeiro se refere à atitude de um cidadão comum em doar (e não vender, licenciar, etc.) suas células para estudos. O segundo é que, mesmo nos EUA, baluarte do capitalismo moderno, foi um órgão governamental de pesquisas quem deu um passo tão importante na direção da descoberta de uma vacina viável contra a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida humana (AIDS) e não algum representante da milhonária indústria farmacêutica. Detalhes tão mínimos podem significar tudo, ou nada.
E isso sempre fica a critério de cada um...
Nenhum comentário:
Postar um comentário