segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Fim


"Ele terminou de almoçar e desejou sentir na comida algum sabor diferente que tivesse a capacidade de lhe marcar, de alguma forma, aquela última refeição. Apesar de conformado quanto a inevitabilidade do fim, não conseguia afastar, de forma eficaz e duradoura, os sentimentos mais profundos que insistiam em lhe sufocar. E ao mesmo tempo que seu lado racional o apressava, sua alma suplicava, lamuriosa, para permanecer ali por mais alguns instantes apenas. A despeito de toda emoção, externamente, não escapava sequer uma brisa de todo o furacão de pensamentos que lhe varria os cantos da mente, tanto que sorriu e respondeu com naturalidade a quem lhe dirigiu um amistoso 'até amanhã'. Era curioso que só agora notasse o quão especial eram aquelas palavras tão triviais...

Seu humor lhe deixou ficar, por alguns minutos, com o olhar vago, mas o senso de responsabilidade logo o alçou daquele estado inerte, jogando-o, novamente, na amarga realidade a ser enfrentada, afinal, ainda havia muito o que fazer antes do momento derradeiro. Ajeitou suas coisas, levantou-se da mesa já arrumada e seguiu o caminho que lhe era tão familiar. Condenava-se por não ter reparado mais, ou se espantado mais, com as peculiaridades dos detalhes banais que abundavam naquele lugar. Cada ressalto no chão, cada objeto comum, cada odor conhecido, cada ruído que tantas vezes ouvira, despertavam-lhe, naquele momento, uma saudade imensa, sem sentido, irracional e incontrolável. Sentindo o coração apertar, sacudiu involuntariamente a cabeça a fim de espantar o arrependimento que lhe absorvia e tornou a se concentrar no seu caminho.

Quem o visse sozinho, guiando o carro em direção de casa, perceberia, sem dificuldades, a tristeza que se manifestava, transfigurando sua fisionomia. Considerava intrigante que dentre tantas reflexões que lhe assaltavam de modo recorrente, uma lhe fosse, particularmente, dolorosa: a percepção de que nada mais seria igual a partir de então. 'Bobagem!', ouviu-se gritar, pois, no fundo, sabia perfeitamente que os acontecimentos sempre mudam o futuro de forma definitiva. A dor que lhe incomodava, efetivamente, talvez se originasse da constatação de só ter aceitado a ideia, assim, tão tarde e somente no fim...
"


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