
Acontece, no entanto, que justamente por não trazer explicitamente o que se quer dizer, a segunda linguagem, oficialmente, não existe. Tem um caráter quase quântico, por comunicar vários sentidos ao mesmo tempo e, como tal, quando sua atenção se volta para qualquer um deles, os outros desaparecem. Há quem tente classificá-la como uma figuras de linguagem, hipocrisia ou mentira, mas essa comunicação não se enquadra em nenhuma dessas definições por um motivo muito simples: estas classificações fazem referência direta ao objeto a ser comunicado: as figuras de linguagem aos pontos implícitos, o hipócrita a algo que não pensa ou sente e a mentira, obviamente, ao oposto da verdade. Todas são lógicas e possuem elementos objetivos utilizados na sua compreensão, bem diferente da misteriosa linguagem das entrelinhas.
Tome como exemplo uma inocente saudação no escritório: "Oi, tudo tranquilo!?". Apesar de muito simples, a frase pode guardar em si desde uma ácida crítica à pró-atividade de quem escuta até um sincero elogio pela superação de um difícil obstáculo. Tudo dependerá da combinação de humores entre os interlocutores, do nível de tensão do ambiente, dos eventos recentes, da presença de outras pessoas, da temperatura, da luz do sol, do ar, do barulho do bebedouro... Seria um ótimo objeto de estudo para a Teoria do Caos, já que um piscar de olhos diferente é capaz de desencadear uma reação em cadeia suficiente para mudar completamente o sentido da saudação, originando, talvez, uma catástrofe nos relacionamentos dos que estão ao redor. Agora, imagine o que se passa em diálogos mais elaborados...
Mas, diferente das figuras de linguagem, da hipocrisia, da mentira, etc., não há elementos objetivos para se detectar a informação a ser passada. Isto porque, se quem ouve resolver questionar a validade de qualquer um dos supostos significados, quem fala, muito provavelmente, não confirmará — afinal, se tivesse disposto a fazer isto, teria falado expressamente na primeira oportunidade. Assim, imerso em dúvida, quem ouve escolhe o significado que deseja adotar e a linguagem das entrelinhas permanece inexistente! Com o tempo, as pessoas foram introjetando este comportamento e, hoje, escolhem o ângulo de compreensão automaticamente.
No geral, os orientais, em especial os japoneses, possuem uma compreensão mais cartesiana dos discursos, o que acaba gerando frequentes problemas de comunicação e, por causa disto, acabam sendo taxados de rudes e insensíveis. Os advogados criminais mais tarimbados, por exemplo, sabem que é melhor evitá-los no corpo de jurados quando a intenção é emocionar o júri. Obviamente, a não-identificação emocional com o caso se deve, não à insensibilidade, mas à compreensão mais objetiva dos fatos. Sem a habilidade de compreender bem a língua das entrelinhas, boa parte do apelo emocional acaba sendo perdido em meio a comunicação.
Esteja consciente, portanto, que enquanto não for fluente no idioma das entrelinhas, estará fadado ao fracasso nos seus relacionamentos interpessoais. Isto porque ao dizer qualquer coisa, mesmo sem a menor intenção, estará sempre enviando um misterioso recado àqueles que a compreendem bem. É uma verdadeira maldição...
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