A história do negro no Brasil está intimamente ligada à escravidão. Aliás, não apenas no Brasil, mas em boa parte do mundo ocidental. O continente, onde, supostamente, surgiu a raça humana, viu o sangue, o suor e as lágrimas de seus filhos serem espalhados pela Terra ao longo de séculos.
O horror da escravidão, entretanto, está longe de ser uma exclusividade da raça negra. Muito tempo antes, a história humana já carregava este câncer. Era costume fazer de escravos membros de outros povos subjugados em guerras, de castas inferiores do próprio povo ou até de cidadãos livres que não conseguiam pagar suas dívidas. Hebreus no Egito, gregos em Roma, índios na América do Sul, enfim, a escravidão nunca discriminou ninguém: brancos, negros, amarelos, vermelhos, homens, mulheres, crianças, novos, velhos, cristãos, pagãos, etc. Ainda hoje, há milhões de pessoas submetidas ao trabalho escravo, apesar desta “instituição” não ser mais aceita pela sociedade moderna.
E se atualmente a escravidão é velada, talvez por isto, seja até mais perigosa. Dê uma rápida olhada ao seu redor — no trabalho, na escola, na igreja — e verifique o número de pessoas reféns do atual sistema econômico. Sem condições para se formar adequadamente, recebem pouco pelo seu trabalho. Por receberem pouco, não podem nem melhorar sua formação nem poupar para tentar abrir um negócio. Sem poder empreender ou melhorar sua formação, continuam recebendo pouco e, assim, sucessiva e viciosamente. Claro, há exemplos de pessoas que saíram de situações semelhantes e obtiveram um sucesso invejável, como o Sílvio Santos e o Lula, por exemplo, mas são exceções, não a regra. Na maioria dos casos, se o cidadão parar para pensar, morre de fome...
Mas se hoje, então, a discriminação é econômica, atingindo qualquer raça, por que tantas medidas afirmativas tomadas em prol da população negra no Brasil?
Esta foi uma das questões mais contundentes surgidas, principalmente, no período que antecedeu a instituição da política de cotas no Brasil. E a força desse questionamento vinha da verdade que arrastava consigo, pois, de fato, neste século, a discriminação mais evidente no país é a econômica e não a racial. Sem mencionar a crença de que, políticas deste tipo ressaltam o que se quer amainar e fomentam ódio entre os não-negros que por vezes se sentem injustiçados por causa delas.
Durante uma entrevista para a Revista Caros Amigos em dezembro de 2002, Hélio Santos, um dos principais vetores do movimento negro no Brasil, lembrava do silêncio que se seguia ao perguntar o que os intelectuais, que se colocavam contra a política de cotas, sugeririam como alternativa para minimizar a insignificante presença de pessoas negras nas universidades brasileiras. O silêncio denunciava, dentre outras coisas, a falta de disposição para se pensar seriamente no problema.
Mas a realidade que poucos queriam enxergar, entretanto, é que o percentual de negros no país não se reflete nos vários extratos sociais. Ou seja, se não existisse qualquer discriminação na sociedade brasileira, estatisticamente, o percentual de negros na elite econômica e intelectual do país deveria ser bem maior do que é, efetivamente, hoje. E isto, portanto, faz com que as medidas afirmativas, entre elas as cotas, sejam absolutamente justificáveis, pelo menos até que tal discrepância deixe de existir.
Se atingiremos uma verdadeira democracia racial no Brasil, apenas as gerações vindouras serão capazes de dizer. Por enquanto, cabe-nos congratular a raça negra pela sua força e tenacidade secular e esperar pelo dia em que seus próprios descendentes reclamem a extinção dessas políticas pela mera falta de necessidade.
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