terça-feira, 24 de novembro de 2009

Patenteando a Ética


No dia 04/09/2009, o caderno de Ciências da Folha de São Paulo trouxe uma matéria sobre a recente descoberta de anticorpos capazes de neutralizar, de forma eficaz, boa parte das linhagens disponíveis do virus HIV, o que aumentaria as esperanças no desenvolvimento de uma vacina contra a AIDS. Acontece que o método para a descoberta dos anticorpos se baseou no recolhimento e análise do sangue de 1800 soropositivos no mundo. As amostras que apresentaram reação mais eficiente contra o virus foram separadas, isolando-se, posteriormente, os dois anticorpos que conseguiam atacar o HIV. Como ambos pertenciam à amostra de sangue de um mesmo doador africano, quais seriam seus direitos sobre a patente de uma eventual vacina comercial contra a AIDS?

A questão é colocada por uma análise que se segue à matéria, relembrando um caso semelhante ocorrido na Califórnia, EUA, onde a Suprema Corte decidiu que um paciente não tinha direitos sobre as células do próprio corpo extraídas, sem seu pleno conhecimento, por um médico que acabou patenteando uma das linhagens para criar um tratamento comercial contra o câncer. Os juízes, temendo prejudicar o avanço da medicina dando ganho de causa ao paciente, acabaram evidenciando ainda mais as limitações do atual sistema de patentes, já que o efeito gerado foi, justamente, o oposto ao pretendido. Isto porque, atualmente, segundo o texto, é cada vez mais comum cientistas abandonarem as pesquisas em uma área assim que algum colega registra alguma patente, evitando terem de pagar royalties e dividir os lucros.

O problema de bioética atinge não só indivíduos, como nos exemplos médicos citados acima, mas também países. Não são poucos os casos de registros, frequentemente obtidos por pessoas ou instituições em nações desenvolvidas, envolvendo espécimes, animais e vegetais, endêmicas de regiões pouco exploradas nos países em desenvolvimento. Então, o quão legítimo — se é que há alguma legitimidade — seria o direito à propriedade intelectual sobre elementos naturais?

Dada a velocidade dos avanços científicos, principalmente na área da bio-genética, é cada vez mais necessária uma ampla discussão a respeito do atual sistema de patentes — como sugerido, inclusive, na postagem "Partidos Piratas" — já que, além da eficiência do modelo, também sua legitimidade tem sido, seguidamente, colocada em xeque. Não parece razoável, em uma lógica democrata, que interesses particulares, de grupos ou indivíduos, sejam colocados acima daqueles relevantes para toda a coletividade.

Oxalá não exijam que registremos a patente de nossos próprios organismos futuramente...


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