Ontem passou na GNT um documentário de Louis Theroux sobre "A Família Mais Odiada da América". Em linhas gerais — faltou paciência para assistir a tudo —, uma família de Kansas criou uma Igreja Evangélica que, entre outras bizarrices, grita palavras de ordem e sustenta cartazes do tipo "America is doomed!" e "God hates fags!" ("A América está condenada!" e "Deus odeia bichas!", em tradução livre) nos cerimoniais fúnebres de soldados estadunidenses. Condenam homossexuais, adúlteros, pervertidos de toda ordem, além de religiões e governos que toleram o homossexualismo e/ou não seguem, estritamente, as "palavras de Deus" que eles pregam, ou seja, condenam quase todo mundo exceto eles mesmos.
O apresentador conversou com vários integrantes e suas considerações foram todas refutadas ou absolutamente ignoradas. Portanto, ele, assim como o resto do planeta, deve ir direto para o inferno quando morrer.
O que esses evangélicos pregam ou acreditam não é importante, afinal de contas, cada um dirige sua fé para aquilo que deseja. Mas o ponto digno de nota é o (pseudo-)ceticismo e a absoluta falta de reflexão crítica do grupo com relação à argumentação do repórter. Este tipo de comportamento parece permear as mais diversas facetas da racionalidade humana, ganhando seguidores indiscriminadamente, desde um ateu irredutível até um místico inveterado. Incluamo-nos aí com todas as nossas certezas sobre qualquer assunto: existência, política, religião, etc.
Sócrates, que é lembrado até os dias de hoje pelo que pensava há mais de dois mil anos atrás, dizia em uma de suas célebres frases: "Só sei que nada sei".
Você só se "pecou" em um detalhe, na minha opinião: para um ateu, não se trata de acreditar na não-existência de deuses. Na verdade, trata-se de analisar fria e descompromissadamente as evidências e chegar à conclusão de que um deus é uma coisa altamente improvavel. Um ateu irredutível mas consciencioso não diria que deuses não existem, e sim, que eles são enormemente, infinitamente improváveis.
ResponderExcluirQuanto a Sócrates, você pode focar a sua famosa citação sobre o tema em questão do seguinte modo: você não pode afirmar que deus existe, nem que não existe (você não sabe, nem tem como saber), mas pode investigar e avaliar as evidências e chegar a modelos ou hipóteses alternativas. Usando o princípio da "navalha" de Occam, a teoria mais simples é a melhor candidata. A não-existência de deuses é sem dúvida muito melhor que a de um deus criador, que tudo vê, tudo sabe e tudo pode.
Chega dessa coisa de dizer que ateísmo é uma coisa tão fundamentalista quanto a mais fundamentalista das religiões. Esse argumento é totalmente reducionista e simplista. Nenhum ateísta é ateísta por princípio, ou por revelação: todos nós chegamos a essa conclusão (de que deuses não devem existir) depois de muito raciocínio e reflexão, contra toda a pressão social e familiar. Obviamente não vamos ser convencidos por argumentos criacionistas ou que requerem fé (leia-se falta de argumentação) para serem aceitos.
Ceticismo é uma palavra totalmente errada para descrever a família do documentário. Eles são crédulos ao extremo para acreditar - sem evidência ou raciocínio - em um monte de baboseira. E, uma vez tendo atingido um grau de crendice que, por diversos motivos, os satisfaz, tornam-se totalmente irredutíveis. Não céticos, mas refratários. O cético refuta argumentos com base na razão, não na fé e na autoridade.
Mudando de assunto, teu blog está bem legal, mantenha o ritmo e vamos lá!
Caro Luiz, você tem toda razão! Apesar de ter empregado o termo "ceticismo" me referindo à descrença do grupo com relação às argumentações do repórter, não é o melhor uso, haja vista o dogmatismo do mesmo grupo com relação às suas "escrituras sagradas". Editei o termo para "pseudo-ceticismo". Talvez fique mais claro.
ResponderExcluirCom relação ao ateísmo, há sim, por parte de ateus, considerações tão radicais quanto as da mais fundamentalista das religiões! Os ateus podem não acreditar em Deus, mas certamente acreditam na validade das hipóteses e premissas que o levaram a tal conclusão e, por isso, não são mais ou menos especiais que um religioso, por exemplo. A propósito, muitos dos pensadores e filósofos que formaram a base sobre a qual pensamos hoje não eram ateus, inclusive Epimênides de Cnossos e Willian de Ockham.
Portanto, a crítica é justamente sobre nossas atitudes arrogantes que destroem qualquer possibilidade de desenvolvimento, independentemente das crenças de cada um.
Como você pode ver, assim como Sócrates, também sou cético...
As premissas de um verdadeiro ateu são baseadas em dedução e raciocínio; não defende-se com unhas e dentes as hipóteses e premissas, não se fazem guerras para se impor um ponto de vista científico. Tanto é verdade que, de tempos em tempos, o paradigma científico muda e, ao entender a mudança, um cientista (e, se for um caso, um ateu) fica alegre em dar o braço a torcer e adotar a nova e melhorada visão. Obviamente encontra-se resistência, pois toda mudança, além de ser difícil, requer uma rigorosa comprovação através de evidências muito bem fundamentadas. A tua opinião sobre a arrogância desse posicionamento me espanta. Mas vou continuar discutindo isto no teu outro post sobre o céu.
ResponderExcluirVocê está defendendo com unhas e dentes o seu ponto de vista, de forma tão irredutível que é incapaz de admitir um outro diferente. Inclusive sua crítica sobre um suposto reducionismo e simplismo do texto (em nenhum momento foi usado "OS ateus são" ou "OS religiosos são"), vai totalmente de encontro à sua aparente posição.
ResponderExcluirO foco da questão é justamente a intolerância — ou arrogância, como preferir — que TODOS temos, inclusive alguns membros das referidas classificações (ateus, crentes, religiosos, etc.). Porque é justamente esta intolerância, não a fé, que causa as guerras em nome de Deus, da ciência ou do submarino amarelo.
Fernando, eu reconheço que podem existir pessoas que, dizendo-se ateias ou o que quer que seja, são arrogantes, intolerantes e quaisquer outros adjetivos depreciativos que você quiser. Claro que existem. Mas esses são a exceção, e a arrogância dessas indivíduos é geralmente derivada da ignorância, juventude e, pior, algum sentimento panfletário muito próximo da fé. Eu concordo contigo nesse ponto.
ResponderExcluirPorém, se eu tivesso concordado logo de cara com você, a gente teria evitado toda essa discussão. Mas, por outro lado, a gente teria evitado toda essa discussão. Poucas coisas são melhores que uma bela discussão, não é? É assim que se cresce. Eu sei que posso conversar sobre esses temas polêmicos contigo, e você não vai me mandar uma carta envenenada nem um avião pra se espatifar contra o meu apartamento. E você sabe que eu também não vou te excomungar da minha lista do orkut.
Mas veja a tua frase: "Os ateus podem não acreditar em Deus, mas certamente acreditam na validade das hipóteses e premissas que o levaram a tal conclusão e, por isso, não são mais ou menos especiais que um religioso, por exemplo"
Se isto não é generalizar, então não sei mais nada. O ateu não ACREDITA nas premissas e hipóteses do mesmo modo que um religioso ACREDITA nos seus dogmas. As premissas e hipóteses científicas variam ao longo do tempo, por que elas contém a melhor explicação até o presente momento. Com o aumento do conhecimento e novas evidências, as hipóteses são sempre reavaliadas.
Veja o exemplo do geocentrismo: era um DOGMA da igreja catótica. Gente foi assassinada por causa disso. A LÓGICA e o CONHECIMENTO reverteram a situação. Se um dia for descoberto que, sei lá, Orion é o centro, e houver evidências irrefutáveis para isso, mudaremos de opinião, ninguém vai arder na fogueira por causa disso. É diferente do modo de proceder da religião.
Eu jamais dispensaria uma boa discussão. Esta é a graça do jogo e a razão de tudo! Aliás, é, sobretudo, uma etapa necessária para a mútua compreensão.
ResponderExcluirA frase a que você se refere não é uma generalização, mas uma definição. Isto porque partir do princípio que uma hipótese ou afirmação seja verdadeira, significa, antes de tudo, acreditar nela. Ou você não acredita que a força da gravidade o manterá sempre junto à Terra? Eu acredito... Tão fortemente quanto um sumo sacerdote acredita que suas preces serão atendidas.
Não existe dedução, raciocínio, lógica ou filosofia se não houver algo em que se acredite. Até Sócrates, para concluir que só sabia que nada sabia, acreditava, pelo menos, na impossibilidade-de-se-saber-algo-com-certeza. Portanto, a crença existe sempre. Mudam-se apenas os objetos da crença...
A propósito, quando alguém lhe chama de ignorante, isto lhe ofende? Ignorante é aquele que ignora, que não sabe, só isto. Eu, por exemplo, sou tremendamente ignorante no que se refere a séries e programas televisivos como "Big Brother Brasil", "A Fazenda", "Sex And The City", etc., e isto não me faz pior — ou melhor — do que quem sabe de cor o que se passa em cada um deles. E quantas outras coisas ignoramos... A pecha de "depreciativo" depende da sua compreensão a respeito do termo. O mesmo ocorre com a arrogância ou intolerância. Não as entenda como algo pejorativo, mas simplesmente como atitudes que devem ser combatidas, pois geram desarmonia e limitam o conhecimento.
Resumindo, a crença é, portanto, inerente ao ser humano, porém a atitude com relação a esta crença pode ou não ser arrogante. Isto independe de raça, gênero ou... Credo. Em maior ou menor grau, a intolerância pode ser encontrada em um ato terrorista de extremistas religiosos, em um genocídio de um ateu capitalista ou em meras asserções feitas por mim ou por você.
E sobre seu exemplo da Igreja Católica, eu penso ser um tanto inocente a ideia de que tais ações tenham sido motivadas por dogmas religiosos. O mais provável é que os motivos tenham sido político-estratégicos, tentando evitar o que futuramente aconteceria: a perda do poder canônico. Diga-se de passagem, o mesmo ainda ocorre hoje com várias outras instituições modernas, religiosas ou não.
É claro que havia muito de política nas ações da igreja católica. Mas o fato do geocentrismo ser usado e defendido por todas as camadas de poder e erudição daquela organização é muito reveladora do grau de dominação da Escolástica e Argumentos por Autoridade usados e aceitos pela igreja.
ResponderExcluirDe novo, sobre a definição da crença, vou ser obrigado a discordar de você. Eu acredito sim na força da gravidade porque existem inúmeras evidências a favor dela , existem modelos matemáticos (como F=mg, o mais simples) que descrevem com maestria o fenômeno, é possível fazer previsões com base na hipótese e na teoria da gravidade. É diferente postular-se a existência de um deus criador e basear sua vida nisso. Claro que é impossível demonstrar a inexistência de um deus, assim como é impossível demonstrar que ele existe. É uma simples questão de aceitar a hipótese mais razoável. Caso você queira aceitar a presença de um ser alienígena superpoderoso, tudo bem. Mas saiba que as chances de você estar certo são ínfimas: 1) ele teria que ser muito mais complexo que o mundo que ele criou. 2) quem criou este ser?
Já quando eu usei a palavra ignorância, eu a usei no sentido conotativo e pejorativo, ou seja, arrogância, desrespeito e grosseria. Erro meu.
Perceba que o que você mesmo falou sobre a Igreja tem a ver com dominação, não com crença. Jesus Cristo nunca pregou a perseguição ou tortura de qualquer pessoa, muito pelo contrário... As pessoas agiam por medo da Instituição, não por convicções religiosas.
ResponderExcluirBom, acreditar na força da gravidade, já é um começo... Para que a teoria faça sentido, é necessário postular que matéria atrai matéria. Pergunte a um religioso, em perfeito uso de suas faculdades mentais, se ele pensa o mesmo ou se ele acha que Deus empurra a matéria com os dedos... A diferença só aparecerá quando a pergunta for: por que funciona assim? Aí, enquanto um ateu idealizará uma teoria, o religioso dirá que é porque Deus assim planejou. Sem julgar o mérito da atitude de cada um face ao problema, quem está certo?
E quanto ao "superpoderoso alienígena", se Ele é onipotente, onipresente e onisciente, por definição, não pode ser mais ou menos complexo, nem possuir um criador. Ele é tudo, sempre existiu, existe e sempre existirá assim.
Não se preocupe com a palavra "ignorância". Eu, sinceramente, nem tinha percebido que você a utilizou com tal conotação. Só a mencionei mesmo como um exemplo análogo ao da arrogância que, não necessariamente, é algo pejorativo.
Já paraste pra pensar que um ser onisciente e onipotente é uma contradição? Um ser onisciente não tem o poder de mudar de opinião, por exemplo, já que deveria saber de antemão que eventualmente mudaria de ideia. Ou seja, um ser que tudo sabe e tudo pode não pode mudar de opinião...
ResponderExcluirNão há contradição. A premissa da onisciência não permite que haja diferentes idéias ou opiniões.
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