Um policial fora avisado de que sua esposa havia sido estuprada. Perseguindo o criminoso, consegue capturá-lo mas, ao invés de levá-lo sob custódia, assassina-o a sangue frio.
Se você estivesse na posição do policial, qual teria sido sua conduta? Teria agido da mesma forma ou, diferentemente, deixaria o caso a cargo da Justiça? E se seu ente querido lhe tivesse sido subtraído com requintes de crueldade? Mudaria de ideia?
Por serem questões absolutamente delicadas, não há, obviamente, nenhuma intenção de resolvê-las aqui. A ideia é provocar uma auto-reflexão sobre as referências emocionais que, mesmo de forma subliminar, influenciam a racionalidade humana. Além de ingênuo, acreditar cegamente na isenção de nossas conclusões racionais parece ser um tanto perigoso.
A trama acima descrita é o "pano-de-fundo" de uma antiga série de TV chamada Brimstone, com Peter Horton e John Clover, produzida pela Fox no final da década passada e veículada no Brasil pela Warner Channel. A fórmula não era nova: quem não se lembra da saga de Frank Castle e, seu alter-ego, o Justiceiro da Marvel Comics? Há tempos a indústria cultural usa e abusa do sentimento de vingança para alavancar suas vendas. Não haveria qualquer problema se isto não interferisse na forma como as pessoas pensam e, consequentemente, influenciasse na criação ou alteração de políticas públicas.
O que diferenciaria, fundamentalmente, o assassinato cometido em um latrocínio (roubo seguido de morte) de outro por vingança? Ou a tortura cometida por um policial de outra cometida por um criminoso?
Embora seja humanamente justificável que um indivíduo, tomado pela emoção do momento, revide um crime com outro, não é razoável que o Estado faça o mesmo. A instituição da pena de morte, a diminuição da maioridade penal e outros tantos tópicos polêmicos da legislação deveriam ser discutidos à luz da razão e não da emoção, ou até de preceitos religiosos, como vem ocorrendo mais e mais frequentemente a cada novo crime hediondo exibido nos telejornais. Caso contrário, os motivos que levam a tais crimes continuarão existindo, sem que o real problema seja efetivamente combatido. É como se, ao invés da doença, estivéssemos nos ocupando apenas com os sintomas.
A vingança é um veneno suave, cuja satisfação imediata disfarça os danos à quem o ingere. E além de não reverter o evento inicial, a vingança ainda se multiplica e atrai para quem dela se utiliza os mesmos malefícios — ou até piores — infligidos à outrem. Assim, se prejudicial ao indivíduo, tanto mais à coletividade. Portanto, pensar em ações estatais que meramente aumentem a punição e o sofrimento de criminosos não deve ser um caminho inteligente, mesmo porque não são raros problemas psiquiátricos¹ que impedem a associação, por parte do criminoso, da punição imposta com o crime cometido.
Entretanto, é certo que algo precisa ser feito para se proteger sociedade e, para isto, alguns dogmas precisam cair. Não se pode pretender recuperar, a qualquer custo, alguém que seja clinicamente inapto a viver em sociedade, pois isto tende a prejudicar os recuperáveis. Não há como tratar o crime de um jovem com 17 anos e 362 dias de vida da mesma forma que o de outro com 15 anos. Nem existe qualquer justificativa racional, ou aplicabilidade, para um processo judicial durar 10 anos!
Tomara que, diferente do que ocorre na série de TV, não nos encontremos todos no inferno...
Nenhum comentário:
Postar um comentário