Logo que chegou no céu, o ateu tratou logo de tentar entender o que estava acontecendo. Lembrava-se vagamente de um túnel, de ter visto uma luz e bum! Lá estava ele!
Nada lhe era muito familiar. Praticamente todas as pessoas tinham um aspecto angelical e pareciam pairar alguns centímetros sobre o solo. Este, aliás, era impossível de ser visto devido uma densa neblina, parecendo nuvens, que o encobria. Tudo muito branco e iluminado...
Pegou o primeiro que passou:

— Ei, por favor, que horas são?
— Horas?! Não há tempo por aqui...
— Ah, deixa de brincadeira! Como se chama este lugar?
— Não existe um nome específico. Alguns chamam de Infinito, outros de Paraíso...
— Ih, que conversa estranha... Tá passando bem?
— Ah, já sei, você é novo por aqui... Bom, bem-vindo! Aqui é onde fica o Criador.
— Quem é você?
— Eu?! O cético do lugar. Pela sua conversa, você deve ter vindo da civilização terrestre, não? Já estive entre os seus em algum momento...
— Cético?! Pô, fala sério! E acredita em Deus? Já esteve com Ele?!
— Não, nunca estive com Ele; é muito ocupado! Pra lhe ser bem sincero, cético que sou, tenho lá minhas dúvidas, mas depois de ver tanta coisa aqui, escolhi acreditar nisto. Hoje tenho certeza!
— Vamos lá... Você nunca viu O Cara em toda eternidade que vive aqui... E, nem por isto, as coisas devem ter parado de funcionar, certo? Então, qual é a probabilidade Dele existir? À propósito, você já ouviu falar da "Navalha de Occam"?
— Não está armado, né?
— Claro que não! Falo da teoria sobre a "Lei da Parcimônia"!
— Ah, sim... Lembro-me de ter visto algo sobre isto nas aulas de filosofia enquanto estava entre os seus... Diz que se há várias teorias para explicar um fenômeno, a mais simples é a melhor, não? Mas diga lá, quem formulou esse teorema não era um frade franciscano inglês?! Ele não acreditava em Deus?
— Tá, mas não lhe parece bastante lógico? Quanto mais simples, melhor! Ou seja, não há qualquer necessidade de se colocar um Criador no meio disto!
— Para mim, a teoria mais simples é a de um Deus que tudo pode, sabe e vê! Explica tudo sem qualquer preocupação se as premissas são ou não válidas!
— Por que você é tão descrente de meus argumentos?
— Sou cético, oras...
— Bom, enfim, onde posso conseguir informações mais precisas sobre este lugar?
— Há uma universidade ali. Acho que você vai encontrar o que procura...
O ateu agradeceu e voou para o lugar. De fato era uma universidade local na qual se matriculou de pronto e, imediatamente, passou a frequentar as aulas dadas ali. Aprendeu sobre a relação entre a densidade e a força da gravidade local, o que explicava com perfeição o que havia presenciado logo que chegou. As leis físicas daquele lugar eram diferentes, mas que lhe serviam para entender como as coisas funcionavam...
Depois de muitas aulas e reflexões, quando pouca coisa nova havia para aprender, comentou com o único professor dali e quem, desde o início, tudo lhe ensinara:
— Professor... Depois de tudo o que aprendi, duas coisas ainda me intrigam. A primeira é como vim parar aqui. A segunda é por que tanta gente crê em um Deus, mesmo sem a necessidade de sua existência para que as coisas funcionem no universo.
— Sobre sua chegada, o que pude inferir é que deve ter havido uma espécie de tunelamento quântico entre os dois universos e, por isto, você veio parar aqui. Com relação ao Criador, de fato, não há a menor necessidade de que ele exista, como bem você concluiu pelo uso da teoria da "Navalha de Occam". É apenas uma forma que as pessoas encontraram para aceitar melhor sua existência e viverem mais felizes...
O ateu agradeceu e saiu, tão satisfeito de si e dos esclarecimentos que sequer percebeu o espanto de alguém que aguardava à porta para, também, falar com o Professor. O espantado entrou, saudou rapidamente o acadêmico com um gesto amistoso e logo disparou:
— Senhor, por que não dissestes a ele?
O Criador terminou de juntar os livros, levantou os olhos e apenas sorriu.
Cara, desculpa, mas quanta baboseira! Esse parece ums daquelas baboseiras de mensagens em power point, com uma trilha sonora cafona, que insistem em enviar por email! Talvez seja por isso que às vezes confundem ceticismo com arrogância. Na verdade, é uma total exasperação! Mais arrogante são os religiosos, que acreditam a tal ponto na "verdade" de seus dogmas que chegam a sentir pena dos "pobres" infiéis, destinados a uma eternidade de sofrimento enquanto eles terão os prazeres do paraíso para desfrutar para sempre. Isto sim, é arrogância! Aliás, o mais arrogante de todos é o teu criador.
ResponderExcluirOutra coisa: Guilherme de Occam vivia na Idade Média: se ele não fosse um monge, ele sequer saberia ler e escrever, quanto mais formular um princípio filosófico! O que você queria, que ele fosse um biólogo evolucionista? Qualquer intelectual medieval era necessariamente um clérico!
Só uma coisa teu criador não explicou: como ele mesmo foi parar ali, em primeiro lugar... Será que ele acredita em algum outro criador, um criador de criadores? E depois, o que vem? O criador de criador de criadores? E depois, etc etc etc? Não é mais fácil adotar a conclusão mais óbvia e provável?
Veja que em nenhum momento estou tentando te convertar à minha posição, ao contrário da imensa maioria de religiosos. Eu estou apenas te convidando a analisar a situação. Quer algo menos arrogante que isso?!?
A existência ou não de um Criador é absolutamente irrelevante! Foi isto o que tenta mostrar a "peça de ficção", segundo você de gosto duvidoso, já que todos as personagens continuaram bem e em paz com suas próprias crenças e convicções.
ResponderExcluirMais uma vez, o foco é a intolerância à respeito da opinião do outro. Impor, ainda que não explicitamente como fazem os extremistas, suas próprias certezas ao outro é arrogante, gera intolerância e é a causa da maioria dos conflitos existentes no mundo.
Há uma diferença enorme entre respeitar e concordar com um ponto de vista alheio. Temos todo o direito de discordar do outro e todo o dever de respeitá-lo, seja ele qual for.
Só não entendi a observação sobre o William de Ockham. A citação a ele não foi uma crítica, mas uma constatação de que, ao longo da história, os seres humanos sempre estivemos em meio a contradições dessa natureza. Atualmente, os teólogos são, antes de mais nada, filósofos. Os monges tibetanos estudam mais lógica do que nós dois juntos e nem por isto são ateus. Uma coisa não implica a outra...
E se gerações e gerações de filósofos, cientistas, teólogos, monges, físicos e tantos outros, não puderam dizer com certeza se existe ou não um Deus, não serei eu, com minhas parcas divagações, que vou afirmar, categoricamente, se Ele existe ou não.
Eu espero ter deixado claro que eu não afirmo que deus não existe. Eu só afirmo (e não sou só eu) que, de um ponto de vista estatístico, é muto improvável que ele exista.
ResponderExcluirPara teu conhecimento, há hoje uma vasta e crescente legião de filósofos, pensadores e educadores motivados a terminar com cursos e departamentos universitários de teologia. Por quê? Você mesmo deu a resposta: se os teólogos são filósofos, então transfira-os para o departamento de filosofia (ou história, ou linguística, ou qual for a área de especialização mais apropriada de cada um) e economiza-se um departamento.
Outra coisa: na tua história, todo mundo fica feliz com suas ilusões. Tudo bem - mas você coloca o único que busca o entendimento como, no final, mais um iludido. Não discuto que esse pode ser até um ponto filosófico interessante. Mas é contraproducente.
Depois, você, me parece, não é religioso, ou pelo menos, não é fanático. Então por que defender a manutenção de crendices? Os budistas desenvolveram técnicas maravilhosas de meditação e relaxamento, que podem ser usadas até por um ateu contumaz como eu: a espiritualidade não tem nada a ver com a religião. Mas há no budismo certas crendices totalmente obsoletas, assim como nas outras religiões.
Por isso Fernando, sai de cima do muro! Decida-se! Ninguém está aqui falando em proibir a religião! Veja o que você andou falando:
"Há uma diferença enorme entre respeitar e concordar com um ponto de vista alheio. Temos todo o direito de discordar do outro e todo o dever de respeitá-lo, seja ele qual for."
Portanto, segundo você, devemos respeitar as opiniões dos racistas, dos pedófilos, etc.
Claro que você não quis dizer isso. É óbvio que não! Mas parece que a religião está acima de críticas. Por quê? Já parou pra pensar por quê? A gente pode criticar o partido político de alguém, o time de futebol, até o país de alguém, mas a religião não? Por quê?
Chegou a hora de perceber que a religião não tem direitos especiais que a coloca acima das críticas.
Analisando como você (que não deve ser o único) compreendeu a história, entendo sua preocupação com o "ateu iludido". Apesar de não ter sido a intenção, é provável que eu tenha errado na mão. Mas o motivo disto é que, infelizmente — ou felizmente —, você foi o primeiro que comentou, partindo em defesa dos ateus. Se você estivesse do lado oposto, provavelmente o desfecho da história seria diferente.
ResponderExcluirNovamente, não é uma questão de se manter crendices e sim de se permitir compreender pontos de vistas diferentes. A imagem que você faz de um religioso (pelo menos a que eu entendi que faça) é de uma pessoa que não pensa, apenas crê, e isto não reflete a verdade. Mesmo existindo religiosos assim, não dá para generalizar. Como disse anteriormente, há muitos religiosos que discordam dos ateus apenas em pontos impossíveis — pelo menos até o momento — de serem determinados. É como se, na zona de ruído, um sinal digital fosse interpretado como "zero" por um e "um" pelo outro.
Quanto ao respeito, você tocou no ponto nevrálgico! Ao contrário do que você imaginou, sim, devemos respeitar as opiniões de um racista, de um pedófilo ou de qualquer ser humano, simplesmente porque não sabemos o que se passa na cabeça da outra pessoa, nem o que ela passa ou passou. Claro que isto não significa que devamos deixá-los por aí falando e fazendo o que bem quiserem. Significa apenas que o respeito é fundamental. Basta verificar as leis da maioria (se não todos) os Estados do planeta! Não existe legalidade na tortura de um ser humano, por exemplo, não importa a atrocidade que cometa! Aliás, até os animais merecem respeito...
E não é que a religião esteja acima da crítica, mas é que a crítica, em si, é arrogante. Quando você critica alguém é porque se coloca em uma posição superior à do criticado. É bem diferente de se apontar falhas ou questionar algo, simplesmente. Imagine, por exemplo, que sua esposa lhe tenha feito uma sopa. Ao experimentá-la, você sente um gosto horrível! Qual das frases você acharia mais apropriada para dizer a ela: "Você cozinha pessimamente!" ou "Acho que a sopa não ficou boa."?
Por fim, com relação ao "muro", pode ser um lugar excelente para quem pretende tomar tiro dos dois lados antes de se decidir pelo melhor atirador, não acha?!