sábado, 27 de março de 2010

Desencontros pela vida...


Ela estava especialmente linda naquela manhã de terça-feira, sem qualquer razão aparente. Trajava um vestido azul de um tecido misto que parecia tocar seu corpo delicadamente, realçando e disfarçando exatamente o que deveria. Decidira ir a pé para o trabalho, aproveitando o dia ensolarado mas ainda fresco pela manhã. Caminhava de forma segura e com uma postura altiva, chamando a atenção de um ou outro transeunte que por ela passava. Seus negros cabelos, ainda úmidos, iam exalando um suave aroma de lavanda e completavam o quadro de beleza e simplicidade que desenhava involuntariamente com seu caminhar.

Já havia algum tempo que mergulhara fundo no trabalho depois de um frustrado relacionamento. Curara-se, finalmente, e talvez por isso sentia-se algo especial naquela manhã. Quem sabe não seria aquele o dia em que conheceria alguém legal e descomplicado para compartilhar seus sucessos e fracassos? Enquanto caminhava, divertia-se pensando que aquela sensação de bem-estar, talvez, pudesse ser também o prenúncio de alguma outra grande encrenca no escritório e, assim, ia sorrindo furtiva e esporadicamente pelo caminho.

Ele acordara de bem com a vida, tão de bem que pressentia ser aquele o dia em que encontraria seu par ideal. Estava cansado da vida boêmia que vinha levando e pretendia encontrar alguém legal e descomplicada, como ele, para que pudesse, finalmente, estabilizar-se na vida. Vestiu uma camiseta branca e a única calça jeans limpa do seu guarda-roupa, calçou o tênis e juntou o monte de roupa suja que trouxera da última viagem no final de semana. A segunda-feira havia sido deveras difícil na empresa e não houve tempo para arrumar aquela bagunça toda na noite anterior. Além disso, viriam hoje limpar o apartamento e sua consciência o proibia deixar tudo como estava. Olhou para o relógio e se apressou, mas na garagem, uma surpresa: o pneu dianteiro do carro estava totalmente vazio. Olhou de novo para o relógio e desistiu de trocá-lo. Pegou as coisas e decidiu ir andando, afinal, o tempo que perderia no trânsito por causa de dez minutos de atraso equivaleriam ao percurso feito a pé. Acenou para o porteiro e saiu apressado.

Correu para aproveitar o semáforo de pedestres aberto e, no meio da rua, esbarrou de leve em uma moça. Desculpou-se, mas ao olhar para ela, não conseguiu dizer mais nada. Ela era linda em seu vestido azul, cabelos pretos e ondulados recém lavados e um ar que misturava altivez e simplicidade. Teve até a impressão de ter sentido um suave aroma de lavanda no ar. E, apesar de não ter conseguido identificar a expressão em seu semblante, ela parecia ostentar um suave sorriso.

Ela, distraída em seus pensamentos, desculpou-se quando sentiu um esbarrão, mas ao olhar para o rapaz que também se desculpava, sentiu um frio na espinha. Ele se parecia  muito com a pessoa que ela idealizara encontrar: trajes simples, aparentemente bem educado e com uma aura de responsabilidade incomum naqueles dias. Ela tentou dizer alguma coisa, mas nada lhe ocorreu, a não ser que já estava encima da hora para chegar no escritório.

As buzinas tocaram e ambos, percebendo-se no meio da faixa de pedestres, correram cada um para um lado.  Olharam para trás, em busca um do outro, mas o fluxo contínuo de veículos e pessoas bloquearam as respectivas visões. Olharam novamente para os próprios relógios e correram para nunca mais se encontrar...


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