Na segunda metade do século XIX, um missionário francês, Jacob Paul Camboué, chegava na ilha de Madagascar no sudeste do continente africano. Nas décadas de 1880 e 1890, teve a inusitada ideia de produzir seda a partir das teias de uma espécie de aranha da região. Mesmo atingindo seu objetivo inicial, o sucesso de sua empreitada foi limitado, deixando pouquíssimos exemplares do tecido produzido para a posteridade. A última amostra da seda-de-aranha que se tinha notícia fora exibida em Paris, no ano de 1900, perdendo-se algum tempo depois.
Mais de um século depois, Simon Peers e Nicholas Godley, ambos empresários do ramo têxtil em Madagascar, aceitaram o desafio de produzir seda a partir da teia de uma aranha dourada da região (Nephila madagascariensis), conforme as mesmas técnicas usadas por Camboué. Foram necessárias cerca de um milhão de aranhas e o meticuloso trabalho de 80 pessoas, por quatro longos anos, para produzir um maravilhoso tecido dourado de seda-de-aranha com cerca de 3,3 x 1,2 m. Os padrões de pássaros e flores foram tecidos segundo uma tradição local conhecida como "lamba Akotifahana". O exemplar, único no mundo, está em exibição no Museu Americano de História Natural (American Museum of Natural History) desde 23 de setembro do ano passado.
Durante o período de chuvas, única época em que as aranhas fêmeas da espécie produzem teia, cerca de 70 pessoas recolhiam, diariamente, os exemplares de suas respectivas teias, construídas nos fios de telefone e energia de Antanarivo (capital do país) e redondezas, levando-as a um local onde podiam continuar produzindo a teia. Outra dúzia de pessoas eram responsáveis por extrair os filamentos que, para cada aranha, chegavam a cerca de 24 m de comprimento. Trançados com dezenas de outros (entre 96 e 960), davam origem aos delicados fios de seda usados na confecção. Após todo o processo, as aranhas eram devolvidas à natureza.
E se o trabalho dos homens já é impressionante, o da natureza é ainda mais. A resistência específica (relativa ao peso) do material da teia é maior que a do aço, com a vantagem de poder esticar até 40% de seu comprimento original sem se romper. Já há algum tempo os cientistas vêm tentando sintetizar o composto que poderia ter aplicações — se não menos nobres, certamente menos poéticas — na área militar e aeroespacial. Um dos principais problemas em produzir artificialmente o material em laboratório, no entanto, é entender como exatamente a teia se processa, já que começa líquida em uma glândula interna e, após complexos processos nas entranhas da aranha, acaba por se tornar sólido, altamente resistente e à prova d'água, em seu exterior.
Sinal de que ainda levará algum tempo para nós, engenheiros, superarmos os conhecimentos da natureza, adquiridos em milhões de anos de pós-graduação. Mas isto já é matéria para outro texto...
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