terça-feira, 2 de março de 2010

O avanço do exército de flores


Há muito tempo atrás, uma princesa caiu do céu, aterrissando sobre uma árvore de cerejeira em uma das ilhas do arquipélago japonês, nas proximidades do monte Fuji, um belo vulcão que, embora ativo, conserva seu cume permanentemente coberto de neve. Segundo a milenar tradição japonesa, a princesa Konohanasakuya-hime se transformou em uma linda e delicada flor que, mais tarde, tornou-se símbolo nacional do Japão. A versão menos poética da história, no entanto, diz que o nome da flor, sakura, pode ter origem no cultivo do arroz, alimento sagrado para os japoneses.

O fato é que após o inverno no hemisfério norte, especificamente nesta época, entre março e abril, os galhos nus das cerejeiras vão se enchendo de flores, em um espetáculo da natureza que percorre todo o país, de sul a norte, como se fosse o próprio espírito da primavera trazendo, gradativamente, a beleza da estação. As mais de 200 espécies de cerejeira vão recobrindo as árvores e o solo japonês com suas cores que vão do rosa ao pêssego, passando pelo branco. Milhares de pessoas disputam os espaços sob as árvores para poderem festejar ao ar livre, chegando ao extremo de alguns empresários enviarem seus funcionários mais jovens para guardar os melhores lugares.

A sakura, como diversas outras coisas na cultura japonesa, é carregada de simbologia. Antigamente era ligada à aristocracia japonesa, cuja missão fundamental era apenas ser bela. A efemeridade da flor também era associada à vida dos samurais, sempre dispostos a morrer por seus mestres. Eles acreditavam que não existia glória maior do que morrer lutando sobre o solo recoberto pelas pétalas da flor de cerejeira. Para eles, a simplicidade e a beleza da flor também remetiam às características de suas almas, pacientemente lapidadas pela honra e retidão de caráter manifestados ao longo da vida terrena.

E como o desabrochar das flores nas cerejeiras coincide com a época em que as aulas recomeçam e os recém-formados saem para buscar trabalho, a felicidade é outra de suas referências simbólicas. O chá de suas pétalas é frequentemente usado em casamentos e demais situações festivas, como forma de abrir os caminhos para um futuro feliz. Os festejos sob a florada ao ar livre, chamados de hanami ("observação das flores"), são acompanhados por comida, bebida (às vezes, até sakê), karaokê e muita alegria. Acredita-se, inclusive, que a queda de uma flor dentro do copo utilizado é sinal de que os desejos do "premiado" devem ser alcançados.

Enquanto isso, no lado diametralmente oposto do planeta, onde a natureza tropical não permite que o verde sucumba nunca ao branco da neve, a sakura talvez possa nos simbolizar a esperança de ser possível transformar a rotina de todo um povo apenas pela beleza e simplicidade, mesmo que por tão breve momento, efêmero como o desabrochar de uma flor.


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