sábado, 6 de março de 2010

Governança Pública


Quem alguma vez já se aventurou pelo mundo dos concursos públicos, certamente deve ter se deparado com alguma excrescência nos editais com a única intenção, mais ou menos descarada, de burlar as regras do jogo. São inúmeros os casos comprovados de fraude, ou tentativa, além de um sem-número de outros que nunca foram questionados, seja pela mais absoluta descrença do cidadão na Justiça, "ouvidorias" e "corregedorias" por aí, seja pela inabilidade técnica de discernir o que é falcatrua do que é regra, legítima e necessária, para encontrar o melhor servidor para uma determinada função.

E antes que alguém vista a carapuça e saia encolerizado com sua foice a pedir a cabeça deste autor, é fundamental que se diga que, a despeito das aparências, a idoneidade ainda é predominante nos órgãos públicos. Se assim não o fosse, este país já teria soçobrado faz muito tempo. Portanto, àqueles em que a carapuça servir como uma luva, seria mais prudente refletir sobre o assunto sem muito alarde ou correrá um sério risco de ser identificado por seus pares idôneos, ainda em maioria.

Infelizmente, entretanto, parece que a maioria honesta só se manifestam de forma eficaz quando o problema ganha proporções assustadoras na sociedade — e talvez seja este o motivo da descrença generalizada da população. Afinal, se ações eficazes contra a desonestidade só são tomadas quando há algum grande escândalo, o que a reles denúncia de um cidadão poderia mudar na dinâmica vigente?

Mas, voltando aos concursos públicos e deixando de lado os métodos mais descarados que alguns adotam para passar um candidato específico em uma dada vaga — como o de se exigir, em edital, características profissionais absolutamente peculiares, inerentes a uma determinada pessoa —, há de se dizer, uma série de regras normalmente encontradas nos editais são ferramentas que podem, facilmente, ser usadas para se beneficiar "escolhidos". Tome-se como exemplo uma prova oral, etapa absolutamente comum para os concursos da magistratura. Sem critérios claros (matemáticos) e transparentes, verificáveis por qualquer pessoa, qual é a garantia de ausência de uma "subjetividade" voluntária na atribuição das melhores notas? Desconsidere-se, claro, o delicado fato dos julgadores de uma eventual irregularidade pertencerem à mesma classe dos que atribuem as notas.

O prejuízo talvez não seja tão grande quando as vagas disputadas apresentam condições idênticas, uma vez que, havendo mais vagas que "escolhidos", muito provavelmente alguns candidatos "apenas" competentes também entrarão na carreira em igualdade de condições. Quando, no entanto, a classificação final altera as condições da vaga a ser assumida, o prejuízo pode ser incomensurável em caso de má fé. Veja, por exemplo, o caso dos concursos públicos para notários e tabeliões que, no caso do estado de São Paulo, também passam por uma prova oral como fase classificatória. Este concurso é um pouco diferente dos demais porque, na realidade, concorre-se pelo direito de explorar o serviço cartorário de uma determinada comarca, não sendo o poder público que remunera o tabelião, mas os usuários que precisam daquele serviço. Portanto, obviamente, esta remuneração depende da área e zoneamento, quantidade de pessoas e/ou volume de negócios daquela região, podendo variar de poucos (cartórios deficitários) a muitos reais.

Acontece que, no exemplo citado, a classificação final depende do exame oral que pode fazer com que os candidatos melhor qualificados nas provas escritas e objetivas (que por sua natureza possuem critérios claros, definidos e verificáveis até pelo próprio candidato) sejam relegados às últimas colocações a depender da nota dada pela comissão julgadora. Diz uma lenda que, em São Paulo, apenas quem é do estado e/ou protegidos do Poder Judiciário conseguem as primeiras colocações nesses concursos. Claro que isto é só uma lenda... Mas o fato é que a possibilidade de manipulação existe e deveria ser eliminada a qualquer custo, necessidade que pode passar despercebida por quem organiza os concursos públicos. O mesmo Conselho Nacional de Justiça que, de forma exemplar, afastou cerca de 5000 interinos (sem concurso público) dos cartórios, contra a vontade dos respectivos tribunais, pode manter a mesma brecha do exame oral, só que agora em âmbito nacional, ao esforçar-se para uniformizar esses concursos em todo o Brasil (conforme art. 5º da Resolução nº 81 de 9 de junho de 2009).

A maioria dos servidores de conduta ética exemplar não podem se furtar à missão implícita de converter as instituições sob sua responsabilidade em referenciais éticos da sociedade, sob o risco desta se transformar em provedora de maus cidadãos que, vindo a fazer parte dos quadros dessas mesmas instituições, pode destituir a maioria honesta e de bom caráter em um círculo vicioso, péssimo para o futuro de toda a nação.


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