terça-feira, 10 de agosto de 2010

Educação pela vida


Todo conhecimento adquirido pela vida é útil. Alguns mais, outros menos, mas, no geral, atendem à principal demanda que é organizar a existência de um indivíduo em seu meio. Se tudo o que uma pessoa aprende durante seu desenvolvimento não servisse de alguma forma, ela simplesmente não existiria, já não estaria mais compartilhando uma mesma realidade com os demais. Assim, não importa o quão incapaz alguém julgue o outro, a mera existência da pessoa é prova irrefutável de que seu jeito particular em lidar com a realidade que a cerca foi bem sucedido, pelo menos, até aquele momento. Desprezar todo esse aprendizado, além de um desrespeito com o semelhante, não é nada produtivo nem para quem aprende, nem para quem ensina e muito menos para a sociedade que se priva de melhorar ao longo desse processo.

O filósofo e educador Paulo Freire (1921-1997), por exemplo, sabia muito bem disso. Nos seus trabalhos com educação popular, fazia questão de usar todo o conhecimento prévio de seus aprendizes para otimizar o aprendizado daquilo que ensinava. Em seu livro "Educação como prática da liberdade", o autor não só relata vários casos de adultos analfabetos que aprenderam a ler e escrever em pouquíssimo tempo, usando seu método de trabalho, como, também, conclui que era ele próprio quem mais aprendia na interação. Outros autores, como Eduardo Garcia¹, também defendem a ideia de transformar — ao invés de desprezar — os conhecimentos adquiridos no cotidiano. Sugerem que a educação formal, ou científica, seja construída — e não imposta — sobre o conjunto de conhecimentos prévios de cada indivíduo.

Há quem tenha uma impressão equivocada sobre esses conhecimentos do cotidiano, considerando que se referem apenas a situações simples e comuns do dia-a-dia, tal como trocar o pneu de um carro ou tirar a mancha de um tecido. Entretanto, seu repertório abrange, também, situações extremamente complexas como lidar com as relações sociais ou escolher os melhores candidatos a cargos públicos para votar. Nota-se, portanto, que o conhecimento do cotidiano, apesar de menos delimitado e organizado conceitualmente, quando comparado ao científico, apresenta um alto valor porque lida com situações difíceis e incertas, não podendo ser, desse modo, simplesmente descartado.

Afinal, o objetivo é que aprendamos a fazer melhor ou a fazer como os outros acham melhor?


¹ Garcia, E. A natureza do conhecimento escolar: transição do cotidiano para o científico ou do simples para o complexo. In: Rodrigo, M. J.; Arnay, J. (Org.) Conhecimento cotidiano, escolar e científico: representações e mudança. São Paulo: Ática, 1999.

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