quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Ficção superficial


Se duas bolhas de sabão forem colocadas uma junto da outra, muito provavelmente, elas se atrairão até um ponto de equilíbrio, e uma interface plana se estabilizará entre elas. Eventualmente, esta mesma interface pode se desestabilizar e se romper, fazendo com que ambas as bolhas se unam em uma única bolha maior, com a mesma quantidade de ar das duas anteriores. Mesmo sem considerar qualquer modelo físico formal envolvido no fenômeno, o resultado é bastante intuitivo, especialmente para quem já brincou com bolhas de sabão na infância. Imaginar que algo similar aconteça com porções sólidas, entretanto, causaria um certo estranhamento e seria perfeito para um belo filme de ficção científica.

Tente imaginar, por exemplo, duas metades de uma esfera metálica sendo colocadas uma junto da outra. Se elas não forem magnéticas, provavelmente não se atrairão, muito menos se unirão formando uma única esfera — pelo menos é isto o que diz nossa intuição. Porém, rigorosamente falando, não é bem isso o que deveria acontecer se as superfícies planas das duas metades fossem absolutamente lisas e estivessem isentas de quaisquer elementos ou substâncias (ar, água, etc.) entre elas. Ao uni-las, nessas condições ideais, os átomos mais externos de ambas as metades se religariam, fazendo com que as partes se tornassem, novamente, uma única esfera.

Na vida real, no entanto, mesmo a superfície mais lisa produzida, sempre apresentará alguma rugosidade — relevo formado por picos e vales de material —, impedindo que as superfícies se unam perfeitamente. Ao se pressionar duas partes metálicas, uma contra a outra, a área que efetivamente resiste à pressão é cerca de apenas 10% da área total de contato entre as superfícies. Além disso, vários elementos e substâncias se depositam ou se adsorvem nas superfícies expostas, o que também impediria que as ligações atômicas do material se refizessem, mesmo que as superfícies fossem idealmente lisas. Tudo isso mantém a reintegração de um corpo sólido, pela simples reunião de suas partes, ainda no campo da ficção.

Mas talvez alguém pudesse se perguntar por que um engenheiro se dignaria a estudar algo que, na prática, não acontece. É que, tal como tantas outras coisas na vida, a relevância de algo depende do ponto de vista que se assume. Os efeitos da rugosidade superficial tem um impacto menor nas aplicações estáticas do que nas dinâmicas, como será visto em uma futura discussão sobre tribologia.

Por enquanto, basta atentar para o fato de que ficção não é algo, assim, tão superficial...


Nenhum comentário:

Postar um comentário