quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O cachorro falante


Em 1710, o filósofo irlandês George Berkeley (1685-1753), em seu "A treatise concerning the principles of human knowledge" escreveu:

"It is indeed an opinion strangely prevailing amongst men, that house, mountains, rivers, and in a word all sensible objects, have an existence, natural or real, distinct from their being perceived by the understanding. But, with how great an assurance and acquiescence soever this principle may be entertained in the world, yet whoever shall find in his heart to call it in question may, if I mistake not, perceive it to involve a manifest contradiction. For, what are the fore-mentioned objects but the things we perceive by sense? and what do we perceive besides our own ideas or sensations? and is it not plainly repugnant that any one of these, or any combination of them, should exist unperceived?" (Berkeley, 1710, p. 23-4)

No texto, Berkeley questiona a ideia da corrente realista de seu tempo que concebia uma verdade existente fora do sujeito, passível de conhecimento à medida em que é estudado. Como não há forma de se entrar em contato com o mundo real, a não ser pelas percepções captadas pelos nossos sentidos, é evidente que a realidade, ou a verdade, em que estamos imersos jamais poderá ser conhecida exatamente como é. Outros filósofos que o sucederam, entre eles Bertrand Russell (1872-1970), admitiram tal subjetivismo, mas consideraram que, apesar de aquilo que cremos ser o mundo real não passar de inferências sensoriais, tais impressões são a única matéria disponível pela qual o cientista pode estudar e conhecer a realidade externa ao indivíduo.

Fato é que um universo objetivo, simplesmente, não existe e admitir tal ideia não significa, em hipótese alguma, refutar o conhecimento científico acumulado pelo ser humano ao longo dos séculos. Entretanto, ao negar a existência de qualquer coisa que não pertença à esfera científica, lógica ou racional, parece ser um erro primário. É óbvio que admitir a existência de alguma irracionalidade, tampouco significa tomá-la como prova de inutilidade dos métodos de investigação filosófico-científicas — isto, igualmente, também seria um erro primário.

Talvez um exemplo ilustre melhor o ponto, como o usado por Joel Rufino em uma de suas aulas: "Se, por exemplo, um cachorro entra por aquela porta e nos dá bom-dia, não acreditaremos. Vemos e ouvimos o cachorro, mas não acreditamos: cachorros não falam" (Rufino, J. Chico Xavier x Bertrand Russell. In: Revista Caros Amigos. São Paulo: Editora Casa Amarela, maio de 2010. n. 158. p. 8.). Neste caso hipotético, o mais adequado talvez fosse admitir a existência do cachorro falante e se investigar as causas, os motivos ou, pelo menos, a validade do estranho acontecimento. Ignorar o cachorro simplesmente porque animais dessa espécie não falam parece ser bem pouco produtivo.

Menos produtivo ainda seria alguém que não estava na sala no momento tentar convencer todos os demais de que, mesmo eles tendo visto e ouvido o cachorro, aquilo nunca existiu...


2 comentários:

  1. De fato, temos que sempre estar avaliando nossos conceitos. Mesmo quando "parece fugir" por completo a razão. A resposta correta ao problema do cachorro falante levou a grandes descobertas da humanidade. Isso me lembra a velha história da Terra ser redonda no século 16. Parecia absurdo para a época, mas é verdade.

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  2. A ideia é ter em mente que, por mais que se saiba, nunca saberemos tudo e sempre podemos estar errados. Isso é fundamental para continuar se desenvolvendo...

    Valeu!

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