sábado, 14 de agosto de 2010

A flor


"Enquanto caminhava em meio ao mato alto a ser carpido, devaneava imerso no som monótono do cortador atrás de si. Seu patrão havia ordenado que ele e seus homens limpassem toda aquela área ainda antes do cair do sol, alegando que o campo, naquele estado, poderia dar a impressão de desleixo do seu proprietário a um transeunte qualquer que por aquelas bandas se aventurasse. Não entendeu, exatamente, qual o sentido daquela preocupação, uma vez que quase ninguém passava por ali e os poucos que se arriscavam dificilmente seriam capazes de associar a propriedade ao proprietário. Mas, pensava, o patrão devia saber de coisas que ele, de existência mais simples, jamais sonharia questionar.

De qualquer forma, sentia uma certa melancolia ao fazer aquele tipo de serviço. A apara da paisagem parecia macular, de alguma forma, justamente aquilo que pretendia limpar. Era como se estivesse invadindo, desnecessariamente, domínios alheios e impondo uma espécie de estética marcial no lugar. Contudo, era apenas um sentimento que, vez por outra, estranhava-lhe a alma. Logicamente, suas considerações deviam respeito àqueles que lhe proviam o sustento, que dialogavam com ele, enfim, seus semelhantes. Por que deveria se ocupar com subjetividades nascidas da relação incerta entre homens e plantas?

Seu olhar vago, então, ateve-se a uma única flor que desabrochara em meio ao matagal; parecia linda, ali. A cor vivaz e a delicadeza de suas pétalas contrastando com o verde desordenado do cenário, capturaram seu espírito por um instante, surpreendendo-o. Ao percebê-la, milhares de pensamentos pareceram surgir simultameamente na mesma fração de segundo, tal como deve ocorrer com quem, subitamente, percebe a inevitabilidade da morte chegar, avaliou. Aprochegou-se mais e se permitiu olhar, embevecido, aquele formoso capricho da natureza, quase que em um estado meditativo de consciência.

Logo, os ruídos do cortador se tornaram mais nítidos e teve de seguir inspecionando o campo que ainda seria limpo...
"


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