sexta-feira, 16 de abril de 2010

Ética !Kung


Os !Kung são um pequeno grupo do povo San que vive próximo à fronteira de Botswana e Namíbia, ao norte do deserto de Kalahari no continente africano. Caçadores-coletores, originalmente nômades, os !Kung têm seu modo de vida pesquisado desde a década de 1960, especialmente por pesquisadores da Universidade de Harvard, já que seus hábitos pouco mudaram nos últimos milênios. Atualmente, há pouquíssimos povos na mesma condição ao redor do mundo, limitando os estudos de seus costumes e organização social, bastante relevantes para auxiliar na compreensão da sociedade moderna que se originou, provavelmente, a partir de grupos com padrões de comportamento similares.

No século XIX, os antropólogos ainda encaravam esses grupos com um certo preconceito, considerando-os selvagens e primitivos. A imposição de interpretações sob uma visão ocidental levava a uma série de equívocos quanto aos costumes desses povos, interpretados, geralmente, como gestos desesperados por causa da necessidade. A realidade, entretanto, era diversa e os estudos que se seguiram mostraram que tais sociedades guardavam uma rica cultura e vários conhecimentos perfeitamente adaptados às suas necessidades. No caso dos !Kung, pode-se citar, como exemplo, a constante mudança dos acampamentos para locais mais próximos aos recursos naturais que, longe de ser uma busca aflitiva por alimentos, devia-se a uma mera questão de conveniência que objetivava diminuir o percurso necessário à coleta diária.

Os !Kung apresentam uma rica cultura baseada na oralidade — já que, sendo nômades, não seria viável carregar registros materiais —, são hábeis caçadores — capazes de identificar um animal e suas condições pelo rastro —, naturalistas e botânicos, reconhecendo mais de 200 espécies de plantas, muitas delas comestíveis. Com uma dieta predominantemente vegetal, contendo apenas 30% a 40% de carne, os homens se ocupam da caça e as mulheres da coleta vegetal e do cuidado infantil.

Em "A evolução da humanidade" (São Paulo: Melhoramentos, 1981), Richard E. Leakey apresenta ainda outras interessantes características da ética !Kung. Segundo o autor, não há estocagem de suprimentos visando uma eventual escassez futura. Os recursos são igualmente compartilhados entre os membros do grupo, especialmente a carne, mais rara, que atende a redes de parentesco, alianças e obrigações, muito importantes para a comunidade. Paralelamente à reciprocidade, marco central na conduta da vida social do grupo, o igualitarismo se apresenta em alto grau, de forma a não existir chefes ou líderes. Os eventuais conflitos são rapidamente resolvidos coletivamente, antes que possam ameaçar a harmonia da comunidade. Além de um forte senso de responsabilidade individual para com o grupo, os !Kung ainda guardam alguns rituais usados para desencorajar a arrogância e a vaidade de qualquer membro. Quando um caçador é bem sucedido, por exemplo, este se manifesta de forma a minimizar suas ações e o grupo zomba e atenua seu feito, evitando prestígio ou diferenciação individual devido a talentos pessoais.

Por pressão governamental, alguns grupos passaram a adotar uma vida sedentária, baseada na agricultura e pecuária. Nestes grupos, entretanto, notou-se um aumento populacional, elevação da taxa de natalidade, surgimento de diferentes graus de hierarquização, depreciação do papel feminino no grupo, violência social, acúmulo material, etc., tornando obsoleta a antiga ética !Kung.

Qualquer semelhança com a moderna estrutura social, não será uma mera coincidência...


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