sábado, 10 de abril de 2010

O Cão


"A brisa marítima soprava preguiçosamente e para longe os vestígios ao longo da linha de seu caminhar. Não os traços desenhados com seus pés na areia úmida, mas as pétalas, amputadas uma a uma, da flor que levava em suas mãos. Eram as únicas pistas que poderiam distinguir seu rastro de tantos outros, lado a lado, pela orla. Naquele dia triste e frio, a solidão parecia realçar a paisagem e multiplicar a paz, tão necessária àquele momento de reflexão.

Parou e contemplou o mar por alguns instantes. Divagou sobre a quantidade de lugares e pessoas diferentes tocadas pelo mesmo mar e sobre a infinidade de coisas abrigadas por aquelas águas. Sentiu-se algo ingrato ao lembrar-se da profunda tristeza que trazia por conta de seus dramas pessoais. Fechou os olhos e, por alguns instantes, procurou cultivar aquele sentimento de humildade que surgia da consciência de si face ao mundo. Mas a água gelada, trazida subitamente por uma onda que cobriu seus pés, logo o tirou daquela meditação.

Retomados os passos, fitou um cãozinho ao longe, brincando solitário com a areia e as ondas. Foi se aproximando lentamente, com cuidado para não interferir na cena, imaginando os motivos da aparente felicidade animal. Inútil. Assim que o viu, o cão correu para festejá-lo como se o conhecesse, fazendo-o seguir adiante ainda mais rápido, sem esboçar qualquer interesse pela presença canina. Preferia continuar absorto em seus pensamentos, apesar da dor que lhe causavam.

Mas a solidão, que de início parecia complementar sua cena, começava a oprimir-lhe o peito. Recordava os amigos para os quais não havia pedido ajuda, mas que também não perceberam seu ar lúgubre. Teimava em bastar-se, mesmo quando sabia não possuir estrutura suficiente e a ciência disto o deprimia em uma espiral descendente. Sequer notara, aliás, que o cãozinho vinha seguindo seus passos, decidido, desde então.

Quando se enfastiou de andar, sentou-se na areia e surpreendeu-se com o cão que também se acomodara na areia um pouco a frente dele. O animal, agora, parecia melancólico, como se compartilhasse de sua dor. E a empatia inesperada do bicho lhe fez bem, o que o fez esboçar um sorriso. Olharam os dois para o mar e permaneceram ali, mudos, como dois amigos que não precisavam de palavras para se compreenderem mutuamente. Daquele momento em diante, tudo parecia melhorar.
"


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