sexta-feira, 21 de maio de 2010

Dilema exemplificado


Um dos vários ditos populares no Brasil alardeia que a prática leva à perfeição. Tal ideia, no entanto, nem é uma exclusividade dos lusófonos, podendo ser encontrada expressa em vários outros idiomas por aí. Mas, como tudo o mais pertencente ao senso comum, a informação trazida pelo ditado é um tanto fragmentada e imprecisa. Claro que ninguém seria ingênuo a ponto de discordar da considerável melhora, verificada no desempenho, ocasionada pela prática repetida de uma determinada tarefa, inicialmente inédita. Mas há um limite para o aperfeiçoamento, principalmente no que diz respeito às tarefas motoras, conforme mostra alguns estudos. Em outras palavras, atingido um nível ótimo de desempenho na realização de uma dada atividade, a contínua repetição da mesma não acarretará qualquer nova melhora perceptível. E mesmo na eventualidade disto ainda ocorrer, tal evento não se perpetuará pois estará mais relacionado às flutuações naturais de processos neurais do que ao aperfeiçoamento da função, propriamente dito.

Além disso, há inúmeras outras funções não-motoras difíceis de serem melhoradas meramente pela repetição. É o caso, principalmente, daquelas que dependem de processos espontâneos, tal como a produção artística, por exemplo. Repetir o processo de criação pode aprimorar a velocidade com que se concretiza uma inspiração ou a eficácia de seus métodos e ferramentas, mas não o talento ou a criatividade do artista. Estes dependem, normalmente, da própria inspiração, algo muito além de uma simples atividade consciente que poderia ser repetida indefinidamente. Clarice Lispector, um dos grandes nomes da literatura brasileira, não se considerava uma escritora profissional, simplesmente porque seus textos dependiam de sua inspiração e, portanto, de algo independente de sua vontade.

Surge aí, um problema: como melhorar a qualidade da inspiração, talento ou criatividade? Justamente por acreditar que tais características sejam, mesmo, dons legados apenas a poucos indivíduos privilegiados da espécie humana, algumas pessoas acham que não precisam praticar nada, nunca. Mas, parece bastante óbvio, que a ausência de prática não resolve o problema tampouco. É relativamente fácil encontrar exemplos de pessoas absolutamente talentosas cuja concretização de sua obra é pífia, simplesmente porque não praticam o processo nunca. Imagine o que seria de um gênio como Mozart não tivesse treinado a leitura de partituras ou o manuseio de algum instrumento musical, pelo menos. Não por acaso, Thomas Alva Edison (1847-1931) chegou a afirmar que um gênio se compunha de 1% de inspiração e 99% de transpiração.

Dilemas à parte, exercitar coisas como a criatividade e a inspiração é uma atividade realmente complexa e, embora necessária, consome uma enormidade de recursos, inclusive parte do próprio talento. E talvez este texto seja um exemplo bastante claro disso...

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