Há quase 5000 anos atrás, surgia no Peru a mais antiga civilização americana e uma das mais antigas de todo o planeta. A descoberta de Caral, no deserto peruano, derrubou por terra várias teorias sobre a origem da civilização, inclusive a ideia de que seu berço fosse o velho mundo. Tão antiga quanto as civilizações da Mesopotâmia, Egito, Índia e China, Caral se desenvolveu, aparentemente, de forma isolada, sem as interações culturais comuns entre os povos da Europa, Ásia e África. Mesmo assim, a cidade de Caral nada deixa a desejar em termos de riqueza cultural e artística, ou até obras monumentais, haja vista ostentar uma das maiores pirâmides do mundo, cujo volume de material é estimado em torno de 2 milhões de metros cúbicos.
Localizada ao norte de Lima, cerca de 190 km da capital peruana, Caral revela, em uma área de 65 hectares, monumentos, praças, habitações e outras construções, além de uma infinidade de outras características típicas de uma complexa civilização. Estima-se que a cidade possa ter abrigado próximo de 3000 pessoas, mantendo intensa vida social. A principal responsável pela descoberta na década de 1990, a antropóloga e arqueologista peruana da Universidade de San Marcos, Ruth Martha Shady Solís (1946-), tem trabalhado no projeto de estudo do sítio arqueológico desde 1994.
A constatação mais intrigante, porém, foi o fato de não se ter encontrado quaisquer indícios de conflitos ou organização militar, o que refutou a tese da guerra como força motriz para o surgimento da civilização, defendida por antropólogos como os estadunidenses Jonathan Haas e Winifred Creamer. Na cidade, foram encontrados restos de peixes oceânicos e produtos da selva amazônica, indicando um constante afluxo de mercadorias provenientes de diferentes regiões dali distantes e, portanto, a manutenção de estreitas relações comerciais entre diversos povos de outras localidades. Os sinais de intenso cultivo de algodão também sugerem que o produto, matéria-prima para redes de pesca, pudesse ser uma moeda de troca, especialmente entre os pescadores da costa pacífica, cerca de 32 km da cidade.
Talvez as guerras, de algum modo, tenham contribuído com o desenvolvimento das civilizações, uma vez que, além de elevar o nível de proteção do próprio grupo, a fabricação de armas e a formação de exércitos demandava uma organização social tal que pudesse haver produção de excedentes agrícolas para sustentar quem dedicava seu tempo para outras atividades que não a obtenção do próprio alimento. Mas, definitivamente, não foi o que motivou a transição do modo de vida dos pequenos grupos caçadores-coletores para os grandes grupos civilizados, pelo menos em Caral.
A mensagem da antiga cidade peruana é clara: evoluir pacificamente é possível. E parece que isso, os povos americanos, pré-colombianos, já sabiam há muito tempo.
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