"O conserto começara ao som de Tchaikovsky. Inicialmente simples, depois se complexando gradativamente. A cada ato que ouvia, fazia novas descobertas de si mesmo e ganhava novas perspectivas. Estas eram, bem verdade, tão instáveis quanto um tom qualquer tocado em meio a orquestra, mas já era alguma coisa.
Muita coisa passava por sua mente enquanto a música se desenrolava e seus pensamentos pareciam seguir o caminho das notas; oitavas acima e abaixo, períodos rápidos e lentos... Aquele estímulo, de alguma forma, relaxava sua razão cansada de argumentar em vão, deixando as reflexões a cargo de níveis superiores da consciência que, apesar de não poderem ser controlados, pelo menos não lhe causavam angústia com inúteis constatações da inexistência de respostas.
Por um instante, achou que o violinista errou uma nota, mas logo se deu conta do absurdo de seu pensamento. Quem tocava era a Orquestra da Rádio de Luxemburgo e, mesmo que não o fosse, sabia não possuir conhecimento musical suficiente para identificar um erro daquela natureza. Certamente se distraíra ao acompanhar a música. Aliás, já haviam dado lugar a Strauss e nem sequer percebera a mudança. Aquele conserto consumia quase toda sua atenção e, talvez por isso, a música acabava por ser-lhe tão agradável.
Aos poucos, seu espírito ia se acalmando e a razão, descansada, voltava, humilde, a interferir em seu refletir. Já não mais apresentava aquela forma desesperada de quando chegara ali, mas se comportava adequadamente, com intervenções sutis aos questionamentos que se fazia. Sua lógica respondia, agora, sem excessos e a ausência de soluções já não era mais uma assustadora constante em seu horizonte.
Quando apertou o último parafuso do equipamento, o concerto tocado no aparelho de som se findou. E ao final, parecia ter consertado também a própria alma."
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