Se a rainha não surtou, deve ter chegado bem próximo disso ao ver, estampada nos tabloides, a foto de uma de suas cunhadas flagradas traficando influência. Não obstante o mal-estar real, a verdade é que a ambiciosa duquesa não fez nada muito diferente do que inúmeras pessoas fazem, todo santo dia, em várias partes do mundo. Ela apenas cometera dois erros fatais: cobrou em espécies pelo favor e deixou-se ser pega por um repórter. Mas antes de julgar as asserções anteriores, saiba que não há qualquer intenção de se justificar o ato daquela senhora, mas apenas de chamar a atenção para uma hipocrisia que tem se tornando frequente nesses tempos de farta veiculação informativa.
O mesmo tipo de conduta da nobre representante pode ser encontrada toda vez que uma regra, bem estabelecida e comum a todos, é relativizada por algum plebeu para favorecer outro, simplesmente porque o conhece ou porque deseja a retribuição do "favor" em outra ocasião. Entretanto, este mesmo razoável plebeu é o primeiro a negar a "flexibilização" da mesma regra a um pobre desconhecido cuja situação de exceção assim o requeira. Não apenas isso, usualmente, posta-se sobre um pedestal de incorruptibilidade enquanto traja as vestes da "amizade modelo", concedidas em virtude de valiosos auxílios prestados aos seus mais variados "amigos".
O mercado de influências e privilégios é tão antigo quanto a própria sociedade e está longe de ser uma exclusividade de um único povo ou nação. Também não se restringe a classes sociais nem a níveis culturais. É, aliás, muito provável que esse mal sequer termine algum dia, haja vista que, tratando-se de interações entre seres humanos e não entre sistemas inanimados, sempre deverá existir exceções à regra. Logo, além de leis, para minguar o comércio de privilégios, será necessária uma constante depuração dos princípios pessoais, até o ponto em que todos os indivíduos passem a agir virtuosamente pelo amor à virtude e não pelo medo da punição.
Enquanto isso, muito longe da realeza, nos distantes bairros de São Paulo, exemplos tão similares quanto sutis se expressam nos muros e fachadas da cidade, faturas patentes desse mercado peculiar que se evidenciam pela ausência de marcas — apenas "grafites" mínimos, espécies de assinaturas — ao lado de paredes totalmente pichadas. Provavelmente se questionados, tanto quem executa quanto quem paga por tal "serviço de proteção" lançaria mão de uma infinidade de justificativas em favor das respectivas atitudes. E isto para nem tocar nos exemplos que envolvam autoridades instituídas pelo Estado.
Nada, entretanto, que não pudesse ser ofuscado por um escândalo qualquer na Casa Real...
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