sexta-feira, 14 de maio de 2010

A Razão, a Emoção e a Etologia


Apesar ter ouvido falar sobre o terrível acontecimento com o Titanic, é muito provável que o neerlandês Nikolaas Tinbergen (1907-1988) não o tivesse em mente ao formular as quatro perguntas que fundariam a etologia moderna. No entanto, é fato que as ações exibidas naquele fatídico momento possuíam estreita relação com a causa, a ontogênese, a filogênese e a função dos comportamentos humanos manifestados nos últimos momentos de um navio sabidamente condenado. O estabelecimento da ordem social naquela situação de crise não seria possível sem a intensiva atuação da racionalidade humana que, sendo evolutivamente herdada, deve possuir um alto valor adaptativo, tal como tantas outras características inerentes a cada particular espécie.

Como anteriormente mencionado, essa “falta de naturalidade” das ações produzidas pelo exercício da razão já era tema e controvérsia de inúmeros pensadores, muito antes de Tinbergen ou do Titanic. Não por acaso os estudiosos das mais diversas áreas têm se deparado, ao longo dos séculos, com questionamentos áridos sobre as origens e influências da razão e da emoção na vida dos seres humanos. Seria a primeira um legado divino que nos legitimaria reinar sobre os demais seres vivos da Terra? Teria a segunda sido domada enquanto a razão nos civilizava e nos diferenciava, definitivamente, do resto da criação?

Mas respostas tão distintas em situações tão similares revelam a inegável complexidade de interação entre duas características que, historicamente, foram consideradas como sendo muito diferentes. Se a predominância emocional verificada no naufrágio do Lusitania contrasta com o ordenamento social exibido no afundamento do Titanic é porque a resposta não parecia ser a racionalmente mais adequada. Sabe-se, hoje, que em situações de grande tensão, a descarga de adrenalina acaba por desencadear ações derivadas dos sistemas de auto-preservação que se sobrepõem à modulação emocional do neocórtex, responsável pela racionalidade. O retorno dessas funções cerebrais superiores se dá apenas após alguns minutos, quando um estado de exaustão se abate sobre o organismo (HENRY, J. P.; WANG, S. Effects of early stress on adult affiliative behavior. Psychoneuroendocrinology. Great Britain: Elsevier, 1998. v. 23. n. 8. p. 863-875.).

Assim, tanto a suposta dicotomia entre razão e emoção quanto os domínios de uma e de outra não parecem ser assuntos triviais. Dependem de uma infinidade de variáveis intrínsecas e extrínsecas a cada situação e influenciam, ontologicamente, o ser humano, como indivíduo e como espécie. E, ainda de uma perspectiva etológica, pode-se dizer que, selecionadas ao longo da evolução, ambas foram filogeneticamente desenhadas, apresentando causas e funções que ainda fornecerão, por muito tempo, combustível para as pesquisas científicas.

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