sábado, 22 de maio de 2010

Evolução Egoísta


Correndo o risco de ser excessivamente rigoroso, pode-se afirmar que Darwin não foi, exatamente, o pai do evolucionismo. A teoria evolucionista já vinha sendo estruturada pelas valiosas contribuições científicas de um naturalista francês — não menos eminente, mas frequentemente relegado — chamado Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829). Foi ele, aliás, quem cunhou o termo "biologia" tal como o conhecemos hoje. O que "A Origem das Espécies" de Darwin trouxe de realmente revolucionário foi a teoria sobre a atuação da seleção natural que, conforme já explicado anteriormente em "Ervilhas Férteis", também não teria grande penetração científica não fossem os trabalhos de Mendel publicados em 1866 e redescobertos apenas no século seguinte por alguns botânicos.

Décadas mais tarde, quando a teoria darwiniana já se encontrava bem estabelecida no ideário científico, a discussão sobre a seleção natural do altruísmo dominava muitos dos debates em diversas áreas de estudos evolucionistas. Foi então que um jovem zoólogo e etólogo evolucionista inglês da universidade de Oxford, Clinton Richard Dawkins (1941-), escreveu, em 1976, seu livro, "O Gene Egoísta", no qual defendia, de forma apaixonada, a ideia de que a replicação genética estaria por detrás do aparente altruísmo verificado em diferentes espécies, inclusive o próprio homem. Em outras palavras, tudo na biosfera — quiçá no universo — se passaria como se os seres vivos fossem complexas máquinas de transporte e replicação genética, conceito que justificaria o altruísmo de um indivíduo como tendo sido naturalmente selecionado, simplesmente, por propiciar uma maior quantidade de cópias de um determinado padrão genético. Dawkins afirma logo no prefácio de seu livro: "Somos máquinas de sobrevivência — veículos robô programados cegamente para preservar as moléculas egoístas conhecidas como genes." (Dawkins, 1976).

Naturalmente, tal como no caso de Einstein, os conceitos de Dawkins não surgiram, assim, do nada. Até o próprio Darwin, já em 1871, propunha em "A Descendência do Homem" que, talvez, seu mecanismo de seleção natural fosse melhor aplicado a grupos inteiros — seleção grupal — e não a apenas um indivíduo. Após a descoberta da estrutura do DNA, em 1960, outro pesquisador de Oxford, William Donald Hamilton (1936-2000), inspirado pelo artigo de um geneticista inglês, John Burdon Sanderson Haldane (1892-1964), detalhou, matematicamente, em 1964, o que seria a base da teoria de seleção parental — baseada na afinidade genética. Dois anos mais tarde, o estadunidense George Christopher Williams (1926-) publica um trabalho que expõe as fragilidades experimentais da teoria da seleção grupal idealizada por Darwin e propõe que a evolução devesse, mesmo, ser compreendida com base em seu menor nível possível, ou seja, os genes. Assim, Dawkins, ciente da dificuldade de aceitação desses novos conceitos pelo meio acadêmico, decide atribuir a noção de "egoísta" ao gene, buscando fazer com que a ideia alcançasse o maior público possível.

A atribuição metafórica de Dawkins não só lhe rendeu publicidade, como também uma enxurrada de severas críticas ao seu trabalho, provenientes de todos os lados. Apesar de sua intenção, aparentemente, não ter sido a de suscitar questões morais com o tal "egoísmo" dos genes, foi justamente o que aconteceu e os ataques atingiram impiedosamente tanto as bases científicas quanto morais de seu modelo, na mesma medida da repercussão de sua obra. Tão convencido, estava Dawkins, de seu "insight" que o estendeu ao especulativo — e não menos polêmico — modelo dos "memes" para explicar nossa evolução cultural, concorrentemente à nossa evolução genética. Mas deixemos a explicação dos "memes" para um outro dia.

Seja como for, Dawkins parece conviver melhor com a polêmica do que seus pares e antecessores. Fica a questão se tal característica seria fruto de alguma mutação, genética ou memética...

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